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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Júlio Dinis

 

 

- Mas então o que pede de nós este caro sr. Henrique?

- Nem mais nem menos do que uma das nossas pequenas.

O conselheiro relanceou um olhar para a Madalena (…) a hipótese do casamento da filha com Henrique, de modo algum lhe era antipática.


Madalena, que percebeu no gesto do pai a ideia que ele tivera, quis tirá-lo da ilusão e disse:


- Há-de fazer-me falta a amizade de Cristina.


- Ah! – disse o conselheiro, com um sorriso um tanto contrafeito. – Então quer-nos roubar a nossa Cristina, sr. Henrique?


- É apenas uma restituição que peço, sr. Conselheiro, porque não me posso resignar a viver sem coração.


(…) O conselheiro disse jovialmente para a sobrinha:


Ora venha cá, venha cá, que temos muito que falar. E, passando-lhe a mão por debaixo do queixo, para a obrigar a fitá-lo, continuou:


(…) – Surpreender a gente com uma notícia de tal ordem! Ainda há pouco demitido um ministério de bonecas, e já um golpe de estado desta natureza!

Ora dê cá um beijo, enquanto não tenho quem me peça explicações por os que lhe quer roubar.


E o conselheiro, beijou-a nas faces tingidas pelo pejo e pela alegria.


Depois, voltando-se para Henrique, acrescentou sorrindo:


- São os penúltimos.


- Os penúltimos? – disse D. Vitória, rindo – ora essa! Então para quando ficam os últimos?


- Para quando a vir com a grinalda de noiva.

 

Fechemos pois aqui a história, dando apenas sucinta conta dos acontecimentos ulteriores.

 

Estive tentado a dizer que sob a direcção dos talentos e aptidões do novo estadista, se locupletou a fazenda pública, prosperou a agricultura e a indústria, refulgiram as artes e as letras; e que Portugal como a Grécia, sob Péricles, causou o assombro das nações do mundo.

 

Mas receei que, fantasiando no nosso país um governo fecundo e próspero, a inverosimilhança do facto prejudicasse outras narrativas (…) resolvi pois ser franco, declarando que sob a direcção do conselheiro e dos seus colegas, Portugal regeu-se como se tem regido sob as dúzias de ministérios, que nós todos havemos já conhecido.

 

O conselheiro já ministro voltaria, de quando em quando, à quinta para retemperar o ânimo, exausto das fadigas parlamentares da capital, no seio da sua família, e volta melhor.

 

A quinta (…) à qual andam ligadas suaves recordações, foi transformada por Madalena numa habitação de recreio, onde as duas famílias, celebram festas em comum.

 

Estes melhoramentos vieram confirmar o título de que Madalena havia muitos anos estava de posse.

 

E hoje é ela ainda entre a gente do povo conhecida pelo nome de «Morgadinha dos Canaviais».

 

 

Teresa Vieira

 

 

PS - Joaquim Coelho foi médico e escritor na transição entre o romantismo e o realismo. Sob o pseudónimo de Júlio Dinis, figura este escritor necessariamente na lista dos grandes autores que todos têm de conhecer. Destacando-se numa prosa limpa e ímpar, Dinis atravessou o mundo pelo prisma dos sentires sadios que o amor e a esperança cuidam. Morre aos 32 anos e é minha a vaidade de aqui o recordar hoje no ar que o mereça neste século XXI.

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