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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Ítalo Calvino:

 

hoje permanecemos na sensibilidade das «Norton Lectures», agora com «Exactitude» e «Visibility».

Para algumas antigas culturas, como a egípcia, a pluma servia de peso no prato da balança onde se pesavam as almas. Exactidão total!

Por Dante, um dia o seu poema disse: «Poi piovve dentro a l’alta fantasia» (Chove dentro da minha fantasia). Deus! quanta visibilidade lhe deste! Digo.

 

Para Calvino o conceito de exactidão na literatura implicava três realidades: um projecto de obra, a evocação de imagens nítidas e incisivas, e uma linguagem precisa no léxico capaz de traduzir as nuances, quer do pensamento quer da imaginação.

 

Munido desta exactidão que repudia que a linguagem se use excessivamente de maneira aproximativa, a literatura que respondesse mais a esta exigência, seria então a Terra Prometida em que a linguagem se tornaria no que realmente deveria ser.

 

Confesso que no geral, sinto profunda alergia à utilização da palavra nos dias de hoje. Chega-me o uso de uma palavra desprovida de veia cognitiva, de constante nivelamento por baixo do próprio genérico, ganhando deste modo ocupação de uma terra, na qual o crepitar das palavras com as circunstâncias a que se referem, deixou de ser centelha.

 

Residirá esta doença de quem utiliza a palavra na invasão da burocracia, na política, na similitude de uma cultura mediana? Não sei, ou não será essa a minha proposta de saída.

 

Chego-me a Ítalo, e também a mim o que me interessa, reside no descobrir das possibilidades de salvação. Sim, por aí tento quanto posso, que a literatura faça guerra à vulgar utilização da linguagem como cirrose, que se multiplica na comunicação instalada até nos mass-media.

A exactidão é o oposto da fantasmagoria.

 

A «Exactitude» é um dos nomes da batalha contra a inconsistência que está no mundo. As nações não podem estar confusas, e no entanto é numa forma de vida de cabeça para baixo que lhe impõem o estar inexactas e submissas. Como poderão, então, entender que o poeta do vago, só pode ser o poeta da precisão, como nos diz Calvino, já que só este poeta tem a capacidade de captar o subtil com olhos e mãos. Só ele tem a exactidão da necessidade de  libertar as nações.

 

A minha paixão pelo aprender da matemática, surgiu-me, quando um dia me espreitou um número primo, não pela equação de terceiro grau que lhe dava guarida, mas antes por um múltiplo dele próprio, pelo qual o olhava no rigor abstracto de uma ideia matemática.

 

Mais tarde no livro de Musil “ O homem sem qualidades” detectei os pólos que unem o homem paradoxal e clarifico-o em Calvino, nesta sua terceira “Lição americana” quando cita Roland Barthes, verdadeiro demónio da exactidão e unindo-o a Valéry, poeta do rigor impassível da mente, dele extrai

 

«J’ai, dit-il,…pas grand’chose. J’ai …un dixième de seconde qui se montre.»

 

Depois, depois a exactidão de Leonard da Vinci à procura da expressão mais rica e subtil e precisa, que abra guerra à utilização da linguagem nodosa, e que só no seio da «poetry», da qual falámos no último texto de Calvino, esclarece a promessa da salvação da linguagem-vida pela «Exactitude» enquanto dever da literatura.

 

E « Visibility» ?

 

«Poi piovve dentro a l’alta fantasia» (Chove dentro da minha fantasia). Deus !, quanta visibilidade lhe deste! Digo de novo!

 

E em Sta Croce toco na estátua de Dante: o  que te moveu? Sim, claro, a meta-linguagem da Visibilidade! E quão fielmente reproduziste a filosofia do teu tempo através da tua estrondosa imaginação!

 

E elucida Ítalo Calvino

 

Quando comecei a escrever histórias fantásticas (…) na origem havia uma imagem visual. Por exemplo, uma destas imagens foi um homem cortado em duas metades que continuavam a viver independentemente uma da outra; (…) a do rapaz que trepava a uma árvore e depois saltava de uma para outra sem nunca mais pôr os pés no chão; outra ainda, uma armadura vazia que se mexe e que fala como se tivesse alguém lá dentro.(…) Restava à imaginação visual seguir atrás da escrita.

 

Referi no primeiro texto a Calvino, que fora minha, por várias vezes, a ventura de captar a atenção dos meus alunos à trilogia deste escritor cujas histórias, nas suas palavras acima citadas, resumiu como nasceram.

 

Resta-me a felicidade de poder ter sabido que, em Ítalo Calvino reside o poder conhecer quantos grãos de areia representam o espectáculo de uma duna do deserto.

 

E afinal assim se explica

 

«Visibility»!

 

Teresa Vieira