Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS


de 14 a 20 de janeiro de 2013

 

«Confissões de Um Poeta» (Difusão Europeia do Livro, S. Paulo, 1979), de Lêdo Ivo (1924-2012) é uma obra inesgotável de energia, onde se nota o poeta invocando, em todo o seu esplendor, a sua vida e os caminhos que ele trilhou. O testemunho que se segue homenageia o poeta, o memorialista, o ensaísta e o contista. Como diria Eugénio Lisboa: a obra é uma «espécie de pot pourri de grande classe, que não exclui ainda para nosso benefício, nem a máxima penetrante, nem, aqui ou ali, o apotegma visionário, ou a sentença firme, desenvolta e alada».

 

CORDIAL FAMILIARIDADE
«Na vida precisamos sempre de usar máscaras, pois ninguém nos reconheceria se nos apresentássemos de rosto nu» - disse um dia Lêdo Ivo, poeta, memorialista e símbolo fundamental da cultura da língua portuguesa. Aprestando-me a falar do último livro de Eugénio Lisboa, chegou-me a notícia do falecimento em Sevilha inesperadamente (a morte nunca se espera) de Lêdo Ivo, o poeta brasileiro sobre quem o nosso crítico disse, com inteira justiça, que é uma «figura maior da literatura brasileira de hoje». Por isso, Álvaro Lins o pôs no mesmo plano dos maiores. Conheci Lêdo Ivo na Academia Brasileira de Letras, graças à hospitalidade inexcedível de Marcos Vinícios Vilaça, nesse adorável «Petit Trianon», que foi o pavilhão da França nas celebrações do primeiro centenário da independência brasileira. Almoçámos num ambiente de cordial familiaridade e foi-me possível testemunhar, ele na minha frente, as qualidades da pessoa, que conhecia da aura e da escrita, como um dos símbolos da geração de 1945. Geração difícil, de transição, contradição e afirmação, que Alceu Amoroso Lima qualificou de neomodernista, com o seu quê de ambiguidade. Profundo admirador de Manuel Bandeira e de Carlos Drummond, depressa percebi que era homem de mais perguntas do que de respostas («Talvez as minhas perguntas sejam as minhas respostas»), com a sua atitude inquieta. Assim foi sempre, originando incompreensões dos que o julgavam menos audacioso do que os seus antecessores modernistas. E no entanto o tempo confirmou o valor seguríssimo da sua obra. «O sol fulgura no centro da minha noite. Ao meio-dia, caminho sob as estrelas» (diz nas «Confissões de um Poeta», p. 53). Longe do conformismo, o poeta não se deixava abater, atento à sua volta, mas sentia algo estranho. «Na literatura brasileira, ninguém caça, ninguém pesca, ninguém ama, ninguém vive. É uma literatura livresca, que só sabe respirar o ar bafado dos livros». Para o poeta, haveria que fazer a leitura do mundo. Eugénio Lisboa, numa recensão arguta e brilhante na «Colóquio – Letras» disse das «Confissões» que emerge do livro, «da sua escrita interrogativa, forte e feliz, a imagem de um personagem contraditoriamente inteiro, de um ser que une em si a integridade, a autonomia e a volúpia» (in «As Vinte e Cinco Notas do Texto», INCM, 1987). Foi esse poeta de olhar irrequieto que encontrei nesse almoço memorável. «Deus é um esteta e não um moralista», gostava de dizer, como repetia o nosso fraterno António Alçada. «O eu dos poetas e romancistas não é a primeira pessoa. É a segunda, ou a terceira, ou a primeira do plural». Afinal, o direito à volúpia tem de ser considerado com a liberdade entre os fundamentais. «A clareza das flores num vaso. A clareza do vinho num copo. Estes exemplos de exatidão e limpidez me ensinam mais do que as gramáticas e manuais de estilo». Essa «A Noite Misteriosa». E se corri a reler Eugénio quando ia mesmo falar dele, ao ter a notícia que não gostaria de ter, lembrei o sentimento contraditório tão evidente quando se fala de tantas crises: «em toda a ordem autêntica deve existir a nostalgia da infração e da licença». E confirmei, nessa refeição frugal e impecável, as qualidades de «atento, lúcido, inteligente, inteiro, amigo das palavras (e das sílabas!), mas não verboso – e “habituado por ofício a sonhar a realidade”». Sentia-se o sonhador que ligava constantemente as letras e a energia criadora – sendo capaz de ver no quotidiano o fundamento da poesia e da narrativa. Como diz Gilberto Mendonça Teles, falando, de «aventura da transgressão» em Lêdo Ivo, na «poesia, conto, romance, ensaio - o tradicional está em permanente diálogo com o novo, independente do gênero em que se manifesta: o seu processo criador funde as duas pontas do tempo literário, quer o poeta se encontre no centro de suas obras, na planície quase árida da Academia ou no alto das constelações de seu sítio nos arredores de Teresópolis».

 

UM POETA QUE SE CONFESSA 
«Confissões de Um Poeta» é um grande livro e representa a imagem do autor dotadíssimo que o escreveu. Poeta e ensaísta, memorialista e narrador, Lêdo Ivo é, na língua portuguesa contemporânea o exemplo de um diálogo vivo de géneros e de culturas. E nesse livro singular vem a dúvida final que não é senão a demonstração do enorme talento no uso da língua e das ideias: «Afinal de contas, que livro é este que, como uma cesta de papéis usada às avessas, se vai formando em minhas gavetas, construído de sobras e excrescências, divagações e transvagações, composto com o que não serve para os outros livros? Uma autobiografia espatifada, um diário íntimo, o romance de uma inteligência, o fragmento de um intelecto ou de um instinto, o livro de bordo do navio da vida, um poema em prosa alvejado pelas mutilações e interrupções incessantes e inevitáveis». Ora, um grande escritor manifesta-se exatamente assim, quando menos se espera, e sem ter de pousar para a posteridade. É usando o seu talento puro que tudo se manifesta. Leia-se e releia-se o que nos disse, e tudo se tornará claro e evidente… O mestre da língua continua entre nós.


Oiçamo-lo:


«Acontecimento do Soneto


À doce sombra dos cancioneiros
em plena juventude encontro abrigo.
Estou farto do tempo, e não consigo
cantar solenemente os derradeiros


versos de minha vida, que os primeiros
foram cantados já, mas sem o antigo
acento de pureza ou de perigo
de eternos cantos, nunca passageiros.


Sôbolos rios que cantando vão
a lírica imortal do degredado
que, estando em Babilônia, quer Sião,


irei, levando uma mulher comigo,
e serei, mergulhado no passado,
cada vez mais moderno e mais antigo».

Guilherme d'Oliveira Martins

O ESQUECIMENTO DO OUTRO…

 

"Quem se diminuir crescerá; quem se engandecer diminuirá". Estas palavras têm para nós uma ressonância evangélica. Tal como são de indiscutível atualidade as seguintes: "Há três espécies de perigos no mundo dos homens: o primeiro, ser pouco virtuoso mas receber muitos favores; o segundo, ser pouco competente mas ocupar um posto bastante elevado; o terceiro, não ter realizado nada de extraordinário mas serem-lhe atribuídos chorudos emolumentos". Estes pensamentos são retirados do capítulo XVIII ("Do mundo dos homens") do Huainan zi, tratado de filosofia taoísta e forte influência confucionista, elaborado, no sul da China, na segunda metade do sec. II antes de Cristo, sob a égide de Liu An, príncipe de Huainan e neto do imperador Liu Bang, fundador da dinastia Han. Esta obra revela, subjacentes aos ensaios que a constituem, ou à preocupação de síntese entre o pragmatismo político de Lao Zi e o individualismo místico de Zhuang zi, um conhecimento enciclopédico das lendas e narrativas, tradições religiosas e filosóficas, ciências e técnicas, eventos políticos e outros, dos tempos iniciais da era Han, como de outras anteriores. A ilustração ou fundamentação dos pensamentos expressos no Huainan zi é feita pela referência a textos e memórias de antanho (e não foi este também o método que Frei Tiago Voragino usou, quinze séculos mais tarde, para a sua Legenda Aurea?). A título de exemplo, transcrevo este passo: "Que quer dizer: quem se engrandecer diminuirá? Outrora, o duque Li de Jin declarou a guerra, no sul, a Chu, a leste, a Qi, a oeste, a Qin e, no norte, a Yan. Por todo o lado, o seu exército fazia lei e impunha, sem hesitar, o seu poder. Conseguiu assim concluir uma aliança em Jialing,"o belo outeiro", com senhores feudatários. Então, ufano das suas vitórias e cheio de arrogância, levou uma vida de deboche e tiranisou os dez mil povos, de tal modo que nenhum ministro o quis assistir, nem senhor algum dos outros principados quis prestar-lhe o seu apoio. Mandou executar um dos seus principais ministros e tornou obsequiosos os seus íntimos. No ano seguinte, aquando da sua incursão em terras do clã Jiangli, Luang Shu e Zhonghang, raptaram-no à força e prenderam-no. Nenhum senhor feudatário o quis socorrer, nem as cem famílias se afligiram. Sofreu portanto a morte, ao terceiro mês. Com efeito, numerosos eram os príncipes que alimentavam a ambição de aumentarem os seus territórios e imporem ao respeito os seus nomes por vitórias militares e ganhos de guerras ofensivas, mas o duque Li de Jin acabou por perder a vida e o principado. Eis um exemplo do que dissémos acima: quem se engrandecer diminuirá". Liu An, apesar de neto, primo e tio de imperadores - e ele mesmo ter sido considerado para o efeito - foi liquidado "por razões de Estado". Como, aliás, uns séculos depois, numa Palestina fora da órbitra do Império do Meio, o seria Jesus Cristo... Os demónios que nos habitam não gostam da verdade que nos obriga a ser humildes e generosos. E tem sido enorme, monstruoso, o mal que o orgulho e a ganância têm trazido, por milénios e séculos, à história dos homens. "A essência do pecado --- dizia o dominicano francês Jean Cardonnel --- é a estupidez". A prepotência e o egoísmo são o esquecimento do outro e, por aí, a afirmação de um vazio. Pois nada somos sem os outros connosco: o ser humano é, ontologicamente um ser em relação. A crise das sociedades hodiernas é a do pronunciamento humano - desde logo necessariamente solidário - da globalização que queremos. Se esta for a da imposição de leis ditas "do mercado", que são simplesmente a aposta dos actuais detentores do poder financeiro num jogo que lhes parece convir-lhes,talvez nos enganemos e perdamos o futuro. Não sei se iremos ainda a tempo de corrigir o rumo, mas sejamos, pelo menos, fiéis ao nosso princípio: o Homem como medida de todas as coisas. Porque nas guerras que já se adivinham num horizonte cada vez mais negro, seremos nós os duques Li de Jin.

 

Camilo Martins de Oliveira

Ítalo Calvino:

 

 

os claros vestígios da leveza; a poesia do invisível, e que nos chega do poeta que bem conhece o carácter físico do mundo. A comunicação entre pessoas afastadas no espaço e no tempo, diz Galileu; mas acrescentemos a comunicação imediata que a escrita estabelece: a rapidez.

 

Em 1984 foi convidado Calvino pela Universidade de Harvard a realizar um ciclo de seis conferências. As conhecidas «Norton Lectures» couberam ao longo dos anos a T.S. Eliot, Borges, Stravinsky, Octavio Paz, entre outros e chegara enfim a vez de as proporem a um escritor italiano. E surgem os « Six memos for the next Millennium», definidos que estavam para ele alguns dos valores literários a preservar e por onde passa «Lightness e Quickness».

A reter que para a literatura italiana é característico considerar o termo «poetry» de entendimento que se prolongue à forma de comunicação literária, musical e que englobe as artes visuais. Assim, estas Lezioni americane, como pelos amigos de Ítalo chegaram a ser tratadas, nascem como válidas razões de peso, ao facto de Calvino considerar a leveza um valor e não um defeito, mesmo abarcando este amplo mundo da «poetry».

 

Então, cheio de impiedosa energia, explica o quanto o mundo que cada vez se torna mais pedra, como se ninguém pudesse escapar ao olhar tremendo de Medusa, lhe escapasse afinal a esse mesmo mundo, a existência de Perseu, que voa de sandálias aladas, apoiando-se no que há de mais leve, o vento e as nuvens, e corta a cabeça da Medusa sem se deixar petrificar.


Por aqui acode a Calvino que a mordaça de pedra que o tenta capturar também na literatura, caia, e diga, que afinal com os mitos e os segredos intuídos, não podemos ter pressas se os desejamos interpretar, e, se acaso quisermos que dessa interpretação resultem as parcelas da leveza da nossa liberdade.


Ninguém merece o castigo de se transformar estátua de si próprio como refere Calvino, mas, como poderemos ter esperança de nos salvarmos no que há de mais frágil, no que mais parece destinado a perecer?


Pois julgamos ser também por aqui que nesta sua primeira «Lição americana», Leveza, Ítalo Calvino chega à amarga constatação que o romance

A Insustentável leveza do Ser
de Kundera, em rigor, é uma áspera constatação do Inelutável Peso do Viver, condição humana que, afinal, infinitamente não esquece os mais afortunados.


Talvez só escapem a esta condenação definitiva de variante peso-leveza a própria mobilidade da criatividade, dizemos nós. E diz Calvino

Mas a literatura não basta para me garantir que não ando só a perseguir sonhos, procuro na ciência alimento para as minhas visões em que se dissolve o peso…e é verdade que o software não poderia exercer os poderes da sua leveza senão por meio do hardware; mas é o software que comanda.

 

Lucrécio avisa-nos que pretende escrever o poema da matéria mas avisa-nos logo de que a verdadeira realidade desta matéria é feita de crepúsculos invisíveis.

 

Recordo  Paul Valéry: «Il faut être léger comme l’oiseau, et non comme la plume».

 

Recordo igualmente que não resisti à tentação de colocar no meu livro “A Fúria do Tempo” que existem levezas que se criam na escrita e que pelas sugestivas palavras de Albert Camus nos dizem

 

O tempo não corre depressa quando o observamos. Talvez haja mesmo dois tempos, o que observamos e o que nos transforma.

 

E acrescento na linha seguinte:

 

Então deténs-te para escutar a distância (…) e tudo reside no tear que influi como quem lê intuições.

 

E como não saber que há e haverá sempre muito mais a dizer da leveza do que do peso? Como não saber que o poeta-filósofo que sobe por cima do peso do mundo, demonstra afinal o quanto a gravidade contém grávida o segredo da leveza?

 

Por aqui também chego à rapidez vista pela relação entre a velocidade física e a velocidade mental e pela função da literatura residir na comunicação do que é diferente pelo facto de ser diferente.


Então Ítalo Calvino na sua segunda Lição americana « Quickness»


Se a linha recta é a mais curta entre dois pontos fatais, as digressões fá-la-ão mais comprida (…) então quem sabe se a morte nunca mais nos apanhará, se o tempo se perderá, e se nós poderemos ficar ocultos em mutáveis esconderijos?

 

Deste modo a rapidez fora e dentro do labirinto é o único circuito casadoiro que a vida tem. Deste modo a leveza de Cyrano de Bergerac dá-nos o sentido do pouco que faltou para que o homem não fosse o homem.


 

Teresa Vieira

LONDON LETTERS

The Arcadia Conference, 1941-2

 

Dias decisivos, aqueles da viragem do ano. Herr Adolf Hitler dirigira-se em December 11 aos “my Deputies, Men of the German Reichstag” como “an enemy of half measures or weak decisions.” Confirmando queda para o drama, intensificada por instinto teatral e dotes vocais, The Füehrious aponta que “a new Mongolian storm was now to sweep Europe.” Nomeado que está Herr Reinhard Heydrich como chief executor para a "Final solution to the Jewish question,” a apenas seis semanas da fatídica decisão em Wannsee, Der Deutsche Kanzler declara guerra contra os United States of America. – C'est l’heure du loup! Já Mr Winston Churchill viaja até Washington DC, nas vésperas do primeiro Natal reparador em anos e de icónica fotografia por Mr Yousuf Karsh, a fim de conferenciar com o US President Franklin D Roosevelt. – Well, at the dark night opens the lion its eyes! A 1941-42 Arcady Conference projeta futuro. Em January 1, ancorada em concerto de 26 países, entre aliados e membros da First Commonwealth, a coligação atlântica apresenta a “Declaration of United Nations” a favor da paz e da liberdade.

O discurso fala do que anda por Berlin e envolve Rome e Tokyo. Eis em ação quem ama o palco e adota o spin na propaganda war, em cuidada coreografia no Reichstag. O Führer atende ao detalhe, da pose aos gestos e às oitavas na colocação da voz. Em uniforme de combatente e com o continente subjugado pela força das armas, o líder nazi cedo profere que “this war-against all reasons of common sense and necessity-must be fought to its end.” Entre vitupérios à “English culture” e agravos ao "American President and his Plutocratic clique," quiçá estimulado pelo alinhavo telegráfico da morte nas múltiplas linhas de atrito da II World War, mais proclama o Diktator: rumo à vitória total, “at the head of the strongest Army in the world, the most gigantic Air Force and of a proud Navy,” diz-se grato ao “Lord of the Universe” pela investidura em histórica missão "for the next 500 or 1,000 years."

Something completely different transmite o diálogo transatlântico. A White House acolhe uma das três “Conferences of the Allied Grand Strategy” que estabelecem a derrota do hitlerismo como objectivo último, para isso acordando a combinação das forças militares sob a single command no teatro europeu das operações e a criação de a new World peace organization. A Arcádia federa o pluralismo pacífico das democracias liberais, nações unidas e “convinced that complete victory over their enemies is essential to defend life, liberty, independence and religious freedom, and to preserve human rights and justice in their own lands as well as in other lands, and that they are now engaged in a common struggle against savage and brutal forces seeking to subjugate the world.” Se o batismo grego Ἀρκαδία designa a visão comunitária em harmonia natural, as decisões tomadas entre 1941 December 22 e 1942 January 14 concretizam a "pacific federation” descrita por Immanuel Kant no projeto de paz perpétua.

 

Um outro produto maior da English culture é William Shakespeare, que escreve sobre characters cujas escolhas pavimentam o seu caminho to their end. Saber história e saber ler as power realities ajudam no script e na decision-making. O Prime Minister atravessa o oceano no auge da guerra, logo após o ataque a Pearl Harbour; assim ganha no Oval Office quer um aliado como um amigo. E com o novo ano vieram novas possibilidades. – Merry days, dear Mr Churchill.

 

St James, 1st January

 

Happy New Year for all-and specially Mr Nelson Mandela,

 

V.

A VIDA DOS LIVROS


de 7 a 13 de Janeiro de 2013


Quando Albert Otto Hirschman (1915-2012), agora falecido, escreveu «Exit, Voice and Loyalty – Responses to Decline in Firms, Organizations and States» (Harvard Press University, 1970) talvez não pudesse prever como a obra depressa se tornou decisiva para a compreensão dos modernos problemas da ciência económica e da ciência política, de modo a superar as limitações das simplificações lineares, da incerteza e da mudança das circunstâncias.

 

 

UMA PERSONALIDADE FASCINANTE
Albert O. Hirschman foi um dos melhores exemplos da criatividade e da capacidade inovadora que Isaiah Berlin, seguindo a distinção de Arquíloco, atribuía aos intelectuais que considerava como raposas, por oposição aos ouriços. O seu percurso como economista nos Estados Unidos é disso uma evidente demonstração, desde a obra «The National Power and the Structure of Foreign Trade» (1945) até «Crossing Boundaries: Selected writings» (1998). Foi sempre um otimista, crente na realidade humana, sem nunca cair na ingenuidade das simplificações ou nas projeções lineares que caem naturalmente no fatalismo. E essa extraordinária capacidade sempre se deveu ao facto de Hirschman ter aliado o seu percurso académico a uma militância ativa, tantas vezes com o risco da própria vida, na defesa dos ideais da liberdade e da dignidade humana. Nascido em Berlim a 7 de abril de 1915 no seio de uma família liberal e culta de origem judaica, desde cedo se interessou pelos temas sociais e pela intervenção cívica, tendo na adolescência militado nas juventudes do Partido Social Democrata (SPD), apesar de não ter seguido a tendência mais radical de muitos dos seus companheiros. Leitor de Marx e dos pensadores socialistas, demonstrou sempre uma ávida curiosidade intelectual e crítica, procurando ligar a reflexão e a compreensão dos fenómenos da sociedade, em especial a complexidade e a importância dos conflitos na evolução da realidade. Costumava dizer: «Sou incapaz de estar sentado a ver os acontecimentos sem querer intervir». Em 1931, como dirá mais tarde em «A Moral Secreta do Economista», o jovem tem um caso inicial de recusa, que o marcará pela vida fora: «Era a primeira vez que fazia uma experiência de um conflito entre a saída e a voz, na qual foi necessário escolher entre o abandono e a expressão de uma discordância, a crítica do interior». E o certo é que, pouco depois, a ascensão do nazismo levou-o a ter de partir para França, onde frequenta a família de Michel Debré, futuro apoiante do General De Gaulle. Nesse tempo frequenta na Universidade de Paris os Altos Estudos Comerciais, partindo depois para Londres, onde segue durante um ano as lições da London School of Economics.

 

MILITANTE ATIVO
Em 1936, alista-se nas Brigadas Internacionais na Guerra de Espanha. Pouco depois, parte para Itália, com sua irmã, frequentando os círculos progressistas, onde obtém o doutoramento na Universidade de Trieste (1938), antes de ser alvo da aplicação das leis racistas italianas. Em 1940, torna-se, na Resistência francesa, o braço direito de Varian Fry, o jornalista americano que se dedicou a resgatar escritores, artistas e intelectuais perseguidos pelo poder nazi. Adota o pseudónimo de Albert Hermant no Emergency Rescue Committee, e graças à sua ação foi possível salvar cerca de duas mil pessoas, que puderam partir, através de Lisboa, para os Estados Unidos – como Marc Chagall, Max Ernst, André Breton, Marcel Duchamp e Hannah Arendt. Já residente nos Estados Unidos, colabora com o exército norte-americano nas frentes italiana e do norte de África, tendo sido depois tradutor nos Julgamentos de Nuremberga e participado ativamente na conceção e aplicação do Plano Marshall (segundo o conceito que defende claramente de “large scale grant giving”, os donativos de grande escala). Com tão grande experiência humana, a reflexão sobre os problemas económicos reveste-se de uma notável originalidade. Logo na sua primeira obra relevante pôs em causa as ideias tradicionais sobre relações comerciais, sobretudo como a assimetria nas relações entre Estados, que não derivaria das disparidades estratégicas e militares, mas das diferentes práticas comerciais e dos diversos graus de desenvolvimento. A sua estada na América Latina, em especial na Colômbia, nos anos 50, permitirá compreender, com base empírica e reflexão teórica, a complexidade do fenómeno da dependência e do subdesenvolvimento.

 

O DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO E SOCIAL
A noção qualitativa de desenvolvimento económico e social terá em Albert O. Hirschman um contributo decisivo com a sua obra «A Estratégia de Desenvolvimento Económico», de 1958, que influenciou claramente a literatura económica dos anos seguintes. Criticando a síndroma do economista visitante, que vitimou muitos consultores externos em países subdesenvolvidos, advoga uma pesquisa empírica séria com aproveitamento dos conflitos e dos desequilíbrios. A noção de «crescimento desequilibrado» tornou-se, assim, muito útil em cenários muito diversos. Se inicialmente Albert O. Hirschman tinha a intenção de construir uma teoria essencialmente voltada para os países subdesenvolvidos, o certo é que terminou por encontrar uma abordagem também válida para o entendimento da mudança e do desenvolvimento em países mais avançados. Como afirmaria: «I set out to learn about others, and in the end learned about ourselves». É, todavia, em 1970 que publicará a sua obra mais célebre: «Saída, Voz, Lealdade – Resposta à decadência das Empresas, Organizações e Estados». Trata-se de uma síntese originalíssima sobre estratégias alternativas perante desafios económicos e sociais, sendo muito citada por analistas dos fenómenos humanos históricos e contemporâneos. Nesse momento da sua obra, o autor cruza audaciosamente as fronteiras entre os países atrasados e avançados. Ideologicamente, Hirschman foi sempre um autor que recusou as etiquetas. Leitor de Karl Popper, considerou que o fenómeno político tem uma importância fundamental, devendo a sociedade aberta ser privilegiada como fator de paz e de pluralismo. «Apesar do respeito que tenho pelo mercado, não acredito que este seja uma panaceia e entendo que o Estado tem um papel a desempenhar. Dizendo isto, conservei da minha experiência na Alemanha e na Itália fascista um horror ao Estado todo-poderoso» (Le Monde, 25.9.95). Nestes termos, manteve uma grande proximidade com Amartya Sen (casado com uma sobrinha), seu grande amigo e confidente, bem como um diálogo algo tenso com Paul Krugman, O seu reformismo era eminentemente pragmático, mas audacioso, acreditando nas melhorias graduais, no método popperiano de conjeturas e refutações, de tentativa e erro, e não na lógica não demonstrada que uma reforma gera necessariamente consequências fatais.

 

A IDEIA CRÍTICA DE AUTOSUBVERSÃO
No seu livro de 1995 sobre a propensão para a «Autosubversão», aplicou à reflexão que fizera um olhar crítico. Afinal, é o pensamento crítico o grande motor da criatividade. No caso da queda do muro de Berlim e do fim da RDA, Hirschman admite que a fuga massiva de cidadãos poderia confundir-se com uma voz de protesto e que as noções de saída e de voz poderiam confundir-se e ligar-se. A voz é a ação política por excelência, entra em cena quando a saída não é alternativa ou não é indispensável. Como vimos, ambas podem ser complementares. A saída é o abandono do embate político direto, tantas vezes para encontrar um outro modo de usar a voz. Quanto maior é a influência de um ator, mais eficaz é a voz, que assim reforça a lealdade. Lealdade, influência e coesão estão fortemente ligadas. E a lealdade contém uma forte dose de racionalidade. Ela corresponde à coesão e ao funcionamento das instituições. O indivíduo racional é leal à organização que o reconhece e que o premeia pelos seus esforços. E assim nas sociedades abertas a lealdade assenta na liberdade de ter voz e de poder sair. A influência científica e intelectual de Albert Otto Hirschman é notável. Apesar de não ter recebido o Prémio Nobel, como Joan Robinson, John K. Galbraith ou Celso Furtado, foi, sem dúvida, um dos pensadores mais influentes do século XX. E na conjuntura atual, deve dizer-se que o seu método e a sua lucidez são mais necessários do que em algum outro momento.

Guilherme d'Oliveira Martins

O INÍCIO DE UMA NOVA ERA

 

 

Frei Tiago Voragino conclui o seu sermão sobre a Natividade do Senhor  ---  de acordo com o texto incluído na Legenda Aurea  ---  com o comentário sobre a utilidade dessa manifestação de Deus, depois de ter comentado, como vimos, o maravilhoso do acontecimento e o modo múltiplo, cósmico, como este se manifestou. "Ela vale, antes de mais, porque confunde os demónios: o inimigo já não pode prevaler-se do poder que tinha antes desse nascimento". Como ilustração, refere episódios sucedidos em mosteiros clunicenses, onde o virtuoso comportamento e a disciplina dos monges afugenta o diabo,que ali procurava instalar-se. A mensagem é clara: o Natal de Jesus marca o início de uma nova era na história da humanidade, que pode enfim libertar-se do pecado e das suas servidões. "Em segundo lugar, esta manifestação é útil para a obtenção do perdão. Lemos num livro de exemplos que uma mulher de má vida, que regressara enfim à sua consciência, desesperava do seu perdão; pensando no Juízo, considerava-se culpada; pensando no inferno, estimava-se merecedora de ali ser torturada; pensando no paraíso, estimava-se impura; pensando na Paixão, considerava-se ingrata. Mas, tendo ideia de que as crianças se deixam facilmente enternecer, rezou a Cristo pelo nome da sua infância e teve a graça de ouvir uma voz que lhe concedia o perdão".  O que Frei Tiago diz é que o Cristo infante é já o Cristo da Paixão, Aquele que padeceu, com infinita simpatia, o pecado do homem, para que com Ele ressuscitasse Homem Novo. "A terceira utilidade toca na cura dos nossos males. Diz S. Bernardo: "O género humano sofria de três doenças, ao princípio, no meio e no fim, isto é, no seu nascimento, na sua vida, na sua morte... ... O seu nascimento (de Cristo) purificou o nosso, a sua vida ordenou a nossa, e a sua morte destruiu a nossa". E continua Voragino: "A quarta utilidade dessa manifestação consiste na humilhação do orgulho. Por isso Agostinho diz que "a humildade do Filho de Deus, que a mostrou na incarnação, foi para nós um exemplo, um sacramento e um remédio. Ofereceu um exemplo muito apropriado, imitável pelo homem; um alto sacramento, capaz de nos livrar das amarras do pecado; e um remédio poderosíssimo, capaz de curar o abcesso do nosso orgulho"...  E Frei Tiago conclui: "A sua humildade desencadeou-se pelos homens, para serviço e salvação deles, até eles, por um modo de nascer análogo ao deles; e acima deles,por um modo de nascer diferente. Pois o seu nascimento foi, por um lado, análogo ao nosso: nasceu de uma mulher e saiu pela mesma porta de filiação. Por outro lado,o seu nascimento foi diferente: nasceu do Espírito Santo e da Virgem Maria". Que atualidade têm estas reflexões sobre a lição do Natal, feitas na segunda metade do século XIII? Num tempo que foi, quiçá, até ao Iluminismo do século XVIII, o período de maior cosmopolitismo de ideias na Europa,pois procurou reunir,analisar e comparar,as heranças bíblicas e patrísticas,gregas e romanas,árabes e das tradições "bárbaras" e populares que permaneceram,assentes em variados suportes,desde a queda do império romano até ao advento da sociedade urbana, pré-industrial, comercial e universitária da Europa pré-renascentista. Fala-se aí do poder do demónio,do pecado como negação,e da humildade como força de redenção e esperança. Ora bem: essa do demónio  ---  ou dos demónios que habitam os homens e Shakspeare tão intensamente evocaria,três séculos depois da "Legenda"  -  não é uma ideia originalmente cristã, pois que a ideia do mal e seus agentes é tão velha como a humanidade e a consciência; a ideia de pecado como culpa própria ou fatídica de ofensa ou omissão, já estava nos temores literários anteriores a gregos, troianos e hebreus; como também não é exclusiva a ideia cristã de que se pode sempre fazer diferente, mais e melhor. E também será claro, para quem pense e procure  tentar o bem  ---  para os de boa vontade, sejam crentes ou não  -  que só a humildade nos pode levar ao reconhecimento do outro, ao diálogo e à construção da justiça e da paz. E o que é ser humilde? Não é, certamente, aceitar com recalcamento o jugo que nos é imposto, nem, por outro lado, considerarmo-nos acima do direito dos outros. Da lição da Natividade de Jesus, que vimos acompanhando, ressalta o exemplo de ter-se o próprio Deus feito igual aos homens... Por ser Deus com os homens é Deus sempre, e acompanha-nos no esforço de construção de uma sociedade mais justa e anunciadora de paz. As igrejas cristãs  -  católica incluída  - talvez tenham insistido demais no pecado como culpa individual, concentrando-o, ainda por cima, sobretudo na transgressão de normas de comportamento sexual e de outras fraquezas da carne. Mas não será pecado maior aquele que ofende o Espírito Santo, isto é, a estupidez de se pretender o igual de Deus no juízo dos homens? O mandamento primeiro e maior é o do amor: o que fizeres a cada um destes pequeninos, a mim o fazes; antes de apresentares a tua oferta no altar, reconcilia-te com teu irmã.  Justiça e paz.

 


Camilo Martins de Oliveira

Ítalo Calvino: a pulsão da vida.

 

Há bastantes anos a esta parte que, antes das férias da Páscoa, levo aos ouvidos dos meus alunos, os resumos possíveis da trilogia de Calvino: “O visconde cortado ao meio”, “O barão trepador” e “O cavaleiro inexistente”. Antecipo algum estranhar no auditório, pois, como pode uma aula de Finanças Públicas, transformar-se num tempo que lhe supera o limite do tempo que tem e do território que domina e do mundo que se lhe não resigna?

 

Contudo, é meu o projecto bem definido e calculado, quando, recorrendo à visibilidade da palavra, à capacidade possível de desenvolver a imaginação dos meus ouvintes, sigo e arrisco propor-lhes o que significam as propostas de Calvino e o que têm significado na minha vida também como docente.

 

Não lhes escondo que pretendo estimular projectos de leitura, reflexões ao conhecimento de cada um e dos outros, inquietar e criar leitores autónomos que nunca mais dispensem livros e leitura, e acrescento que é sonho meu!

 

Tem acontecido sempre, nestas transmissões de palavras com as quais vou relatando a trilogia,  devo mencioná-lo, tem acontecido até hoje, resultarem como momentos extremamente poéticos, momentos de algo profundamente novo, de essências escutada no silêncio total do auditório, de concertos com a realidade que me cerca e que rompe, naquela meia hora, um inovar do não aprisionamento.

 

Já senti, no final destas minhas tentativas de comunicação do conteúdo da trilogia, o quanto o paraíso que não nos prometeram era ali.

 

Afinal o cavaleiro inexistente, que para mim sempre se sentaria à cabeceira de cada interrogação por responder, existia e existe assim, de jeito impossível quando dele se faz vida.

E falo de vida irreversível, de vida que sem reservas e a cada um, se entrega sua.

 

E vou procurando a luz mais viva com o decorrer dos minutos que passam no relatar. E levo o barão agora aborígene, a fazer amor num socalco de quase-leito que uma árvore lhe reservara à noite de núpcias, pelo mesmo fio condutor que um dia lhe fez surgir o balão, e nele partiu sem volta ao mundo que o amara e não o compreendera ou que ele compreendera e não amara.

 

E o quarto de hora final chega com uma especial atenção pelos olhares que me dirigem os alunos, e já procuro a multiplicidade de conhecimentos e de recursos, que me ajudem à articulação encadeada, que me faz ter numa mão aberta, a parcela do mal intenso, do mal total do visconde cortado, e na outra, na outra mão, o bem também total do visconde que, no sossego benzido, não atribui voz a expoentes mudos que se queriam tanto fazer-se ouvir.

 

E vou expondo a elaboração rigorosa de um plano de trabalho deste escritor: a escrita dos seus livros, a escrita consistente, com uma definição precisa de objectivos, até ou para lá da exactidão de Ítalo Calvino quando nos disse:

«Um clássico é um livro que nunca acabou de dizer o que tem a dizer».

 

E quero tanto, naquele momento e que ao longo dos anos, os meus discentes lhe possam retribuir noutras leituras a abertura de janelas aos princípios, e quero tanto, dizia, que no final quase sussurro

 

«E para as vossas férias grandes se vos disser que una notte d’inverno un viaggiatore vos aguarda, é pois, por vos espreitar uma outra capacidade de “ver” para lá dos inícios.»

 

No ano passado terminei a aula - a tal, anterior às férias da Páscoa -, ainda acrescentando mais ou menos isto:

 

«Pois meus senhores, a importância do orçamento de base zero é essa mesma. Da base branca, ao seu conteúdo, o percurso de me fazerem sentir a professora medular da aula de hoje, far-nos-á a todos justificar, o quanto a receita da alma é meio e fonte 

única, que justifica a despesa que a bem sustente.»

 

Enfim, a pulsão da vida que Ítalo Calvino me faz sentir, também tem passado por tudo isto, e por em cada mês poder ser Abril.

 


Teresa Vieira

2013

 

Há sempre um acreditar

maior, levando-nos

na teima a prosseguir

 

Firmados nas raízes fundadoras

prontas a tecer a ventania

feita de ideais e de porvir

de vontade, de sonho e de poesia

 

Pois existe um voo e um lutar

uma batalha pronta a impedir

a violência, o medo, o proibir

  

Há sempre um acreditar

maior, levando-nos

na teima a resistir

 

Exigindo o direito a inventar

um outro futuro a construir

apesar do vender e do roubar

 

Pois existe uma constância

em desagravo, outros modos

de amar, outra maneira

a fazer da vida um canto aberto

 

E da liberdade uma bandeira

 

 

                                                 Maria Teresa Horta

 

 

Lisboa, 30 de Dezembro de 2012

Pág. 2/2