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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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FOMOS EM BUSCA DO JAPÃO

 


Biombo no Museu Namban Bunka-kan, em Osaka

 

16. NAMBAN-BYOBU 

 

Num dos mais pequenos museus do mundo se encontra uma das melhores colecções de biombos dos portugueses ou biombos namban. Tem pouca publicidade, é mal conhecido, refugia-se numa ruazinha ignorada e perdida na cidade de Osaka. Chama-se Namban Bunka Bijutsu-kan ou simplesmente Namban Bunka-kan, Museu da Cultura Namban... É propriedade de estimação da família Kitamura, que há várias gerações colecciona com carinho memorabilia dos portugueses e do cristianismo no Japão. As obras de arte e as lembranças nele encerradas e expostas variam muito em estilo, materiais, qualidade e valor. Mas todas foram recolhidas pela mesma saudade, e os biombos são notabilíssimos. Visitámo-los, depois de se ter pedido à família Kitamura que nos abrisse as portas daquela sua casa. Valeu a pena. Dos biombos namban do sec.XVI-XVII, pintados na era Momoyama e no início do período Edo, existem ainda centenas de exemplares por esse mundo fora. Também terão sido destruídos bastantes, em momentos mais duros da perseguição aos cristãos, ou em muitos deles se apagaram ou rasparam imagens explícitas do cristianismo, como as cruzes que assinalavam as igrejas. Outros muitos terão sido vítimas de incêndios e outros acidentes naturais ou por mão humana. Mas, a julgar pela sobrevivência, os namban foram certamente motivo querido e popular entre os japoneses daqueles tempos... E creio que não há, no decurso da história da arte nipónica, muito mais exemplos de tanta representação de estrangeiros;  pela conhecida herança cultural, se imaginaram, desde o sec. VII,  monges, sábios e temas chineses, e, depois da abertura do Japão, em finais do sec.XIX, as gravuras de Kobe e Yokohama apresentam figuras e cenas da vida dos gaijin (gente de fora ) estabelecidos naquelas duas cidades portuárias.Mas, aparecidos num período de ouro das artes nipónicas, os bárbaros do sul ganharam visibilidade e esplendor, estiveram muito tempo na moda... Adiante observaremos em pormenor alguns biombos namban, mas será útil falar um pouco deles na generalidade. Nas casas tradicionais japonesas mais modestas, o piso térreo era um espaço único rodeando a lareira, servindo de cozinha e local de convívio. No piso acima se dispunham os quartos de dormir, espaços reduzidos, onde para o efeito se estendiam os futon, espécie de saco-cama. Subia-se por estreita escada interior, muitas vezes um kaidan-tansu ou armário em degraus ( e tenho um em casa, que não serve de escada, mas de expositor de cerâmicas; o príncipe Takamado, primo direito do Imperador, disse-me um dia que me invejava essa utilidade, posto que ele, japonês sendo, nunca poderia dar-lhe tal destino...). E é certo que as residências nobres, ainda que igualmente construídas em madeira, dispunham de muito mais espaço que, para o ar livre  - sobretudo para cuidados jardins interiores, que também são circunstância de meditação  --  se abria por varandas que serviam de corredor externo. O espaço interior era dividido por paredes (hekiga), portas ou divisórias deslizantes (fusuma) ou ainda por painéis desdobráveis e móveis a contento, com duas, três, quatro, seis ou oito folhas, que se sustinham sem precisarem de outro apoio: os biombos (byobu). Todas estas divisórias podiam ser decoradas ou pintadas: os motivos inicialmente presentes eram chineses, muitos pintados a tinta preta,  e mostrando cenas da natureza, geralmente montanhas, ou figuras de notáveis taoístas e confucionistas, tal como de monges e temas budistas. Mas a pouco e pouco se foi impondo o estilo japonês, a pintura chamada Yamato-e, reproduzindo panoramas célebres no Japão, cenas da vida das gentes, e animais e plantas, sobretudo esplêndidos arranjos florais. Aplicava-se esta de preferência nas fusuma e nos byobu. Conforme o número de folhas, estes poderiam ter entre um e cinco metros de comprimento (ou largura), sendo que a altura variava entre um e um metro e oitenta. Por regra, eram produzidos aos pares, por semelhança ou contraste de temas ou por continuidade narrativa. Assim, no caso dos biombos namban, um par representaria, num biombo, a despedida e partida da nau do trato de Macau e, no outro, a chegada e desembarque no Japão. Ou poderia ser este o tema do primeiro biombo, representando então, o segundo, a procissão para a vila e o encontro com missionários e população local... São exemplos. Olhemos mais atentamente para alguns daqueles que vimos. No Namban Bunka-kan, um par de magníficos biombos, cuja pintura é atribuída a discípulos de Mitsunobu, da escola e família Kano, mostra-nos, no primeiro, o colorido e a ordenada agitação da chegada e desembarque da nau, desde o marujo que, à popa, sonda a profundidade das águas costeiras aos que se afainam nos mastros e gáveas, no arriar das velas. ou procedem, cada um em sua função, ao descarregamento de múltiplas mercadorias que um bote vai levando para terra firme. Nobres, oficiais e servos  -- muitos de pele escura, como aquele que, já no segundo biombo, o da procissão, segura o guarda-sol que protege o capitão geral ao encontro dos missionários e outros notáveis que lhe apresentam saudações de boas-vindas  --  vão seguindo da nau para terra, e aqui se misturam com os locais, desde as senhoras cuja curiosidade espreita por detrás dos noren das lojas abertas, aos que saíram à rua para observarem de perto os fabulosos bárbaros do sul. Não faltam cadeiras desdobráveis, nem quem as transporte. Há fidalgos que nelas se sentam, enquanto as respectivas montadas, ricamente ajaezadas, são seguras, ou conduzidas a pé, por um criado.  Por detrás das cenas de rua, surge, numa encosta, uma igreja jesuíta, onde se celebra uma missa e se ajoelham portugueses e japoneses. Em espaço contíguo, um padre ouve um samurai em confissão. Mais adiante, um irmão vem servir chá a outro padre que, com um leigo, verifica a versão japonesa de um catecismo: segura,um, o original latino e, o outro, a tradução em vernáculo. Já no Museu Municipal da Cidade de Kobe, deparámos com outro par de biombos, em que um representa a partida da nau e a despedida de Macau, e o outro o desembarque e procissão em Nagasaki. À largada de Macau, a nau leva as velas içadas e enfunadas de vento, enquanto, em terra, galopam fidalgos a dizer adeus, e outros agitam mãos e lenços. Um edifício, de rico aspecto e imaginária arquitectura, testemunha que o navio partiu de terra desconhecida do pintor. Mas este terá o cuidado de mostrar a mesma nave, mas já de velas arriadas e amarradas, lançando a âncora, acostando ao Japão. Aqui tudo se pintou conforme à observação directa. E, em solo nipónico, surgem muitos japoneses com rosários à cintura, ou recitando-os. Outros carregam ferramentas e alfaias dos seus ofícios e as lojas mostram-nos os seus artigos: tecidos, porcelanas, vidros, peles de animais... E, numa cena de missa, apanha-se o momento da consagração da sagrada eucaristia. Tudo com rigor, paramentos, altar, gestos do celebrante e atitudes dos presentes.  Lembra-me uma página do padre Gaspar Vilela, que regista, mais ou menos, assim:  ...levaram-me a ver uma das suas casas, que estava decorada com byobu ou pinturas da altura de um homem. Cada uma delas era feita de quatro painéis que se dobravam num só ao fechar. Eram feitos de madeira coberta de papel, sobre o qual eram feitas as pinturas; e quando esses byobu eram levantados e montados, cobriam as paredes, tal como as tapeçarias gobelin são usadas na Europa. Estes byobu têm molduras douradas, e, pintadas neles, várias coisas, tal como flores e os produtos de cada uma das estações do Verão, Inverno e Outono, e ainda pássaros, caça, flores, árvores e outras coisas que surgem nessas épocas. São pintadas com tanto realismo, que ao espectador parecia estar olhando para a coisa real, que assim fora retratada; na verdade, num desses byobu, estava pintada tão naturalmente uma neve cobrindo bambus, que sem dúvida alguma parecia tão real como a neve que cai na sua estação própria...  No museu de Kobe, também nos foi dado ver um leque pintado por Kano Motohide, e mostrando a Namban-ji (igreja namban) de Nossa Senhora da Assunção, erigida em Kyoto em 1576, de que apenas resta um sino de bronze, com uns 60cm de altura, guardado por monges budistas no templo e mosteiro de  Myoshinji, perto de cujo portão meridional também se conserva o mais antigo sino budista do Japão, ainda existente e sonoro, fundido em 698, que também visitámos. No Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa, encontra-se um par de magníficos biombos, da "família narrativa" (partida-chegada) do de Kobe. O olhar atento e ecuménico torna, muitas vezes, o estrangeiro próximo.

   
Camilo Martins de Oliveira 

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Etty Hillesum (1914-1943)

 

"Etty Hillesum  e Carl Gustav Jung e a importância do eu desconhecido"

 

Eu costumava achar que tinha de produzir muitos pensamentos geniais por dia e agora, por vezes, sou como um terreno em pousio, onde nada cresce, mas sobre o qual paira um céu baixo e sereno.’ Etty Hillesum, Diário, 3 de Julho de 1942

O diário de Etty Hillesum (1914-1943) anuncia a importância da construção de um mundo interior para que o processo de criação possa acontecer e revela que a vida interior do sujeito que cria deve coincidir à vida interior do objeto criado. A escrita do diário mostra a importância da interiorização regular, por parte do sujeito no processo de criação.

‘What is commonly called ‘self-knowledge’ is a very limited knowledge, most of it dependent on social factors, of what goes on in the human psyche.’ (Jung, 1958). Carl Gustav Jung no ensaio ‘The Undiscovered Self’ (1958) afirma que o conhecimento profundo que o homem tem de si próprio é conseguido através do instinto. O instinto abre caminho ao inconsciente.

Etty ansiava ser escritora e tendo a seguinte premissa por base – ‘Corpo e alma são uma só coisa’ – mostrou-se muito libertador. Tudo o que é experimentado dentro do seu ser – sentimentos, fantasias, emoções, impulsos e sonhos – é uma outra maneira de viver e isto participa ativamente na construção do eu criador. Para escrever o seu diário, Etty confiou a sua alma e vitalidade a uma insignificante folha de papel – ‘Mas é sempre difícil chegar ao âmago das coisas através de palavras.’ Só então os seus pensamentos poderiam ser claros e os sentimentos profundos e verdadeiros. Mas uma grande inibição e falta de confiança não deixava os seus pensamentos serem exteriorizados de forma livre e completa – na maior parte das vezes esses pensamentos ficavam presos dentro de si. Etty sentia que algo estava profundamente encarcerado. E praticava a escrita todos os dias de modo a ver e ouvir o seu interior – porque para criar precisava de encontrar uma forma, a sua própria forma.

Etty ansiava ultrapassar os limites físicos do seu corpo – o diário funcionava como transporte, transcendência e projecção do seu eu. Era difícil escrever sentimentos extremamente profundos, mesmo sendo nítidos e claros. Apesar do seu eu encarcerado e das inibições que sentia, as revelações vão-se tornando cada vez mais verdadeiras e profundas na sua entrega cada vez mais total ao desconhecido – na sua entrega espiritual a Deus e na sua entrega física a Westerbork.

Jung, em ‘The Undiscovered Self’, trás a ideia de que o homem transporta consigo um microcosmos – um cosmos infinito em miniatura. E são precisamente, os instintos que o ligam em simultâneo ao macrocosmos e ao microcosmos. Porém, o homem contemporâneo vive constantemente dividido – a entrega aos instintos ao desconhecido nunca é total, nunca é verdadeira. O consciente racional reprime muitos lados da sua natureza. Instinto, para Jung, é um impulso cego e indefinido e afirma-se na entrega total do homem ao desconhecido, aquando confrontado com uma situação externa específica. A sua forma é antiga, é arquetípica – mais antiga até que a forma do corpo humano. O saber do homem consiste essencialmente numa adaptação constante dos padrões primordiais de ideias dadas à priori. O homem contemporâneo conhece-se a si próprio limitadamente – o seu autoconhecimento vai até ao momento em que o homem toma consciência de si próprio – uma capacidade largamente dependente das condições circunstanciais, da necessidade de conhecimento e de controlo das tendências instintivas. O seu consciente está tão orientado para observar e investigar o mundo a seu redor e esta tarefa é tão exacta e recompensadora que o homem contemporâneo se esquece de si próprio neste processo, perdendo de vista a sua natureza instintiva mais profunda – a concepção de si próprio substitui deste modo o seu ser real e verdadeiro. Para Jung, o mundo que o homem contemporâneo vive é puramente conceptual. Os produtos da sua atividade consciente progressivamente substituem a realidade. Esta separação da natureza instintiva leva a conflitos patológicos permanentes entre o consciente e o inconsciente, o espírito e a natureza, o saber e a fé. E a solução para este problema profundo, da personalidade que se desconhece e que está fragmentada, não se encontra em mudanças sociais e políticas, de acordo com Jung ‘The Western man is in danger of losing his shadow altogether of identifying himself with his fictive personality and of identifying the world with the abstract picture painted by scientific rationalism.’

A escrita trouxe a Etty Hillesum uma grande clareza e calma: ‘Agora estou imaculadamente limpa por dentro.’ Para Etty, mais importante do que a concretização de grandes e vagos pensamentos, é a pequena redação elementar que anula tudo o que é superior, importante e admirável. Escrever é possuir, reter as coisas por palavras e por imagens e assim possui-las: ‘E agora que não quero possuir mais nada e estou livre, agora possuo tudo, agora a minha riqueza interior é infinita.’ Etty sentia o quanto ela mesma se atrapalhava – pensava que não conseguia escrever nada porque não se aceitava como era na totalidade – e desejava viver ainda mais interiormente e escrever tudo exatamente como sentia por dentro para que pudesse descobrir o seu eu. Etty acreditava que neste processo de pôr para fora tudo, pudesse criar no fim um todo coerente e consistente que pudesse dar forma ao caos que sentia por dentro.

 

Ana Ruepp

FOMOS EM BUSCA DO JAPÃO

 

culto do chá

 

15. CHA-NO-YU (II)

 

Na sua História da Igreja do Japão, o jesuíta João Rodrigues  -  talvez o português, o europeu e o missionário do sec.XVI-XVII que melhor entendeu a língua, os costumes, a cultura e a alma japonesa  - diz-nos que o propósito da arte e da cerimónia do chá  -  a cha-no-yu  -  é dispor os participantes para a cortesia, o polimento, a modéstia, a moderação exterior, a calma, a paz do corpo e da alma sem qualquer soberba ou arrogância, fugindo de toda a ostentação, grandeza exterior ou magnificência... Antes de lermos mais texto do Tçuzu  - e para o entendermos melhor, e melhor percebermos a profundidade com que esse jesuíta de Sernancelhe, chegado ao Japão com dezasseis anos apenas,entendeu a alma nipónica  - volto a recorrer ao Professor Daisetz Suzuki: Isso a que se chama cha-no-yu no Japão e "cerimónia do chá" ou "culto do chá" no Ocidente, não é simplesmente beber chá...   ... mas é a arte de cultivar aquilo a que se poderá chamar "psico-esfera" , ou atmosfera psíquica, ou o campo interior da consciência. Podemos dizer que ela é o que então se gera dentro de cada si-mesmo, enquanto se está sentado na penumbra de uma salinha de tecto baixo, assimetricamente construída, tendo nas mãos uma tigela de chá, tosca, sim, mas eloquente sobre a personalidade de quem a fez, ouvindo o som da água fervente na chaleira de ferro sobre o braseiro. Esperemos um pouco, e sentirmo-nos-emos mais compostos, cada um de nós ouvindo, a pouco e pouco, o som que nos chega de fora da janela. É a água escorrendo e gotejando de uma cana de bambu que a traz de algures na montanha. esse gotejar não é sincopado nem excessivo, tem o ritmo que conduz a mente a um estado de tranquila passividade. Mas a mente está realmente activa, ao ponto de poder plenamente apreciar o efeito sintético das coisas todas, que estão fora e dentro da sala do chá. O que constitui o enquadramento da mente ou "psico-esfera" assim gerada é a realização de um espírito de pobreza entregue a todas as formas de dicotomia: sujeito e objecto, bem e mal, certo e errado, honra e desgraça, corpo e alma, ganho e perda, etc... 

   E o Prof. Suzuki cita então Kyogen-Shikan, nome japonês de um mestre zen chinês, dos últimos anos da dinastia Tang:

          A pobreza do ano passado ainda não era perfeita;

          A pobreza deste ano é absoluta. 

          Na pobreza do ano passado, havia lugar para o cabo de uma verruma

          A pobreza deste ano deixou a própria verruma desaparecer...

   E comenta: a pobreza que não dá lugar a nada, nem sequer à ponta de uma agulha, é conhecida, na filosofia hannya, pan-jo, por Vácuo, e o princípio da cerimónia do chá baseia-se nela, já que sabi ou wabi mais não é do que a apreciação estética da pobreza absoluta. Chego aqui a um passo que me comove, a mim, leitor diário e fiel desse grande místico católico, frade dominicano alemão do sec.XIII-XIV, Mestre Eckhart. Escreve Daisetz Suzuki: A talho de fouce, é interessante observar neste passo que a noção de pobreza (armut)  de Mestre Eckhart coincide exactamente com a de Kyogen, agora mesmo referida. Num dos seus sermões, Eckhart refere-se a "quem é pobre por Deus, pois que, dentro dele, Deus não encontra lugar para o trabalhar...   ... Este homem não é objecto nem no tempo nem na eternidade...   ... Há dois objectos: um é a alteridade, o outro o si-mesmo do homem". Este tipo de homem que é livre de objectos, isto é, livre da dicotomia de sujeito e objecto, é um "homem sem abrigo", vivendo no Vácuo. "A verdadeira pobreza de espírito requer que esse homem esteja vazio de Deus e de todas as suas obras, para que, se Deus quiser agir nessa alma, seja Ele mesmo o lugar em que age."

   É a esta pobreza absoluta, tão querida por Mestre Eckhart, que nós também vamos buscar a filosofia do chá. É, na verdade, a esse Vácuo, no qual não há lugar, não só para a criatura de Deus, mas para o próprio Deus  --  porque o Vácuo é Deus e Deus é o Vácuo  --  por outras palavras, a esse nenhures e a essa intemporalidade, que Joshu, Hofuku, Ho e os demais mestres do Zen vão sorver a sua xícara de chá. A filosofia do chá é, assim, a filosofia da pobreza, da suniata ou Vácuo. Ao compreendermos isto saberemos onde se enraíza o gosto e apreço que os Japoneses têm pelo chá. Por me parecer que este discurso será de difícil entendimento para um ocidental alheio a tais contemplações, repito o que já algures referi acerca do vácuo ou nada no pensamento místico de Mestre Eckhart (que, diz-se por aí, tem processo de canonização em curso...). Vou a um caso concreto (à maneira Zen?),de um sonho do místico alemão medievo: Pareceu a um homem, como em sonho  --  era um sonho acordado  --  que ele estava prenhe de nada, como uma mulher com um menino, e no nada nasceu Deus... João Rodrigues, que sobre o chá no Japão escreveu pelo menos umas cinquenta páginas, apesar de repetidamente se referir à relação do seu consumo com a espiritualidade e práticas budistas, designadamente a meditação zen, contempla sobretudo o culto do chá pela perspectiva do carácter ou modo de ser dos japoneses. Assim, depois de mencionar ocasiões diversas em que, no seu quotidiano ou aquando de uma visita ou celebração especial, aqueles preparam, oferecem e bebem chá, debruça-se sobre a cha-no-yu como ritual especial de ascese e comunhão. Mesmo ao falar do kaiseki-ryori que a antecede (e o jesuíta marca claramente a distinção entre a refeição e a cerimónia), ele diz que o kaiseki é uma preparação para a yu e, feito como se deve, é sóbrio e moderado, não devendo os convivas conversar para além do estritamente necessário, e ainda assim em voz baixa. E comenta que a cerimónia se passa numa sala especial para o efeito, sem pompa, decorada apenas com uma breve apresentação de flores e uma pintura ou caligrafia, que inspirem meditação. Está-se num retiro, em exercício solitário, lembrando a solidão dos ermitas que se retiram do mundo das coisas passageiras para a contemplação da natureza. Os próprios utensílios e recipientes da cerimónia devem ser rústicos e simples, com aspecto que mais lembre a natureza do que o artifício. E explica, dizendo que os japoneses são geralmente dispostos à melancolia e apetecem lugares solitários, onde apreciem a beleza das rochas, das águas e da vegetação, e escutem o canto das aves... Por aí nos fala do inkyo, que consiste na renúncia à casa e propriedade a favor do seu sucessor, e o retiro para uma vida de contemplação, muitas vezes rapando a cabeça e vestindo o hábito monástico: assim procederam o Fujiwara  do Byodo-in, e Ashikaga Yoshimasa, do Ginkakuji, a quem o Tçuzu parece atribuir preceitos, regras e ritos de simplificação e espiritualização da cha-no-yu que, na verdade foram, já em finais do sec.XVI, praticados e ensinados pelo mestre Sen-no-Rikyu. Foi este mestre do chá de Toyotomi Hideyoshi, para o qual até chegou a organizar, de 7 a 10 de Outubro de 1587, em Kitano, uma gigantesca cerimónia do chá, que o generalíssimo determinara por motivos evidentemente políticos  --   e que razões da mesma índole levariam a cancelar antes de ter terminado o seu primeiro dia. Já o edital que se começara a afixar por todo o lado em Julho desse ano, convidando toda a gente a participar no evento, assim rezava: 6. Este convite é motivado pelo interesse que tenho pelos mestres do chá especialistas do estilo simples (wabi-cha). Os que faltarem serão considerados como ofensores e nunca mais poderão exercer a sua arte... Num Japão a concluir a sua unificação, até o culto do chá deveria ser normalizado. Mas algo se terá passado por essa altura, e talvez então tenha começado Sen-no-Rikyu a tornar-se suspeito aos olhos de Hideyoshi e a ir caindo em desgraça... Até ao ponto de lhe ser ordenado pelo generalíssimo, em 1591, que cometesse suicídio ritual. Assim morreu o mestre que tão estimado fora pelo seu senhor, e que criara um estilo de culto do chá, simultâneamente mais despojado e rigoroso, e mais aristocrático. Impôs-se silêncio na cerimónia e adoptaram-se gestos da liturgia católica, que o mestre descobrira nas celebrações dos jesuítas. Creio que ninguém sabe por que razão Sen-no-Rikyu foi condenado. O cancelamento do evento em Kitano terá alegadamente tido por causa uma rebelião no Kyushu, onde o cristianismo mais se desenvolvera, e é certo que é desse mesmo ano de 1587 que data o primeiro édito de perseguição dos cristãos. Mas nada indica que Sen-no-Rikyu fosse cristão. Há quem diga que Hideyoshi se apaixonara por uma jovem e formosa filha do mestre de chá, mas esta o repudiara... Seria ela a tal moça cristã que, conta outra história, recusara, por razões morais da sua fé, ser concubina do generalíssimo? Especulação apenas. De modo mais realista  --  e sendo ele meticuloso observador  --  João Rodrigues relata, como já vimos, muitas e variadas situações em que se bebe chá, e como. Não resisto agora a recordar as considerações que ele tece sobre os benefícios corporais da excelente bebida: o chá é digestivo, alivia a barriga cheia de comida a mais, fazendo descer os alimentos e descontraindo o estômago; em segundo lugar, o chá combate o sono, afasta os vapores da cabeça e os fumos do excesso de vinho, alivia cefaleias e outras dores, mantém acordado quem quiser estudar à noite; em terceiro lugar, é naturalmente leve, refresca mais do que aquece e baixa a temperatura da febre, e, se for tomado forte e em grandes quantidades deixa um gosto perfumado e agradável na boca e pode ser um antídoto a venenos; em quarto lugar, ajuda a eliminar matérias supérfluas através da urina, pois é muito diurético; em quinto lugar, é muito bom contra as pedras nos rins e vias urinárias, doença muito rara entre chineses e japoneses, porque bebem muito chá; em sexto e último lugar, ajuda à castidade, pois limpa, lava e arrefece os rins...

   Rodrigues não era médico, por isso me ocorreu consultar o padre Luís de Almeida, o tal jesuíta, cristão novo português e médico, que ingressou na companhia de Jesus no Japão, e foi ordenado padre em Macau, em 1580. Nota ele que os nobres e ricos japoneses gostam de mostrar aos seu convidados, na hora da despedida, e em sinal de estima pessoal, os seus tesouros... E esses são os utensílios com que bebem uma erva em pó chamada chá, que é uma bebida deliciosa quando nos habituamos a ela. E conta-nos depois como fora convidado, por um rico cristão japonês, para uma cha-no-yu. Mais ou menos assim: levaram-me, ladeando os seus apartamentos, até a uma porta pequena (na realidade só tem 90 centímetros de altura) pela qual só um homem pode passar sem muito desconforto. Entrando por essa porta, percorremos um corredor estreito e uma escada de cedro, feita com tanta perícia que até parecia que éramos os primeiros a pisá-la. Entrámos num pátio com mais ou menos 9 metros quadrados e por uma varanda passámos para uma casa onde iríamos comer. A sala parecia maior do que o pátio e ter sido feita antes por anjos do que por homens. Num dos lados da sala havia uma espécie de aparador, dos que se vêem por cá, e perto dele um braseiro de barro negro, com um metro de circunferência, mas que brilhava como espelho polido, apesar de ser mesmo escuro. Uma atraente chaleira de ferro fundido estava sobre um elegante tripé , e as cinzas em que repousavam as brasas de carvão pareciam cascas de ovo moídas. Não há palavras para descrever o arrumo e asseio de tudo aquilo, mas isso não nos surpreende quando consideramos que eles prestam muita atenção a esses pormenores e em mais nada pensam. O meu amigo disse-me que o Sancho tivera sorte em pagar só 600 ducados pela chaleira, pois ela valia muito mais... Quando nos sentámos, começaram a servir a refeição. Não posso recomendar a comida, porque quanto a isso o Japão é área proíbida (assim também julgou a maioria dos lusitanos membros do nosso grupo, apesar de muitos esforços com sinal contrário). Mas quanto ao serviço, ordem, asseio e os utensílios, penso que não é possível ser-se servido em qualquer parte do mundo com mais limpeza e ordem do que no Japão. Mesmo que ali estivessem mil homens a comer, nem uma única palavra seria dita pelos criados e tudo seria feito de modo maravilhosamente ordeiro. Quando a refeição terminou, todos nos ajoelhámos e démos graças, pois tal é o bom hábito guardado pelos Cristãos no Japão. Então, com as suas próprias mãos, Sancho preparou e serviu o chá...

 

Camilo Martins de Oliveira 

MICENAS



Se se subirem as escadas de Micenas

A obra aguarda-nos

Íntima

Do lado de lá de cada degrau

Daquele lado que se não vê mas se atreve

Intimando os deuses às forças que nos faltam ao entendimento

A que chamaremos distância

E assim continuará uma explicação da vida

Como um conflito entre degraus

Entre eles e os nossos incapazes passos

Face a tanta glória e mítico passado

 

Se se subirem as escadas de Micenas

Procure-se a humilde ardósia

Das nossas primeiras letras

 

M. Teresa Bracinha Vieira

Agosto 2014

TEMPO DE FÉRIAS…

 
 

AH! RAFAEL BORDALO PINHEIRO…

Sobre Rafael, poderíamos recordar o seu inconfundível «Álbum das Glórias», poderíamos ir à cerâmica com Maria Paciência ou à caricatura de «António Maria» ou da «Paródia», mas preferimos o nosso querido e adorado Zé Povinho, deitado a dormir sobre uma albarda de asno. Nas suas costas está toda a nossa História, representada no rol dos nossos monarcas… Até um elefante aí se encontra a recordar o Venturoso… O desenho é delicioso, e nós, representados pelo Zé, descansamos… Dormimos? E o genial desenhador, admirado humorista lembra-nos que «ridendo, castigat mores», perguntando apenas aquilo que só nós temos para responder, com vontade e determinação e não com sono e indiferença: «Levantar-se-á?». Suponho que ninguém deseja ou pensa noutra resposta senão, um rotundo sim. E neste tempo de férias somos levados a dizer que pela determinação, pela criatividade e pela vontade é que vamos. Zé Povinho tem-se levantado sempre. Não fora isso, não teríamos novecentos anos! 

 

CNC

OS MAIS ANTIGOS TEATROS DE LISBOA - VI

 

O TEATRO AVENIDA

 

Data de 1888 a inauguração do então chamado Teatro da Avenida e esta designação reflete a própria cronologia urbana, digamos assim: o teatro, inaugurado com uma comédia, constituiu o primeira edifício referencial de cultura, na recentíssima Avenida da Liberdade, que se ia construindo a partir da destruição do Passeio Publico, dois anos antes. Mas esta circunstância acabou por não valorizar nem o edifício, nem a sua atividade cultural, sem embargo de época de maior destaque ou qualidade.
O Teatro Avenida duraria até 1967: em 13 de Dezembro, um incendio deixou-o inoperacional, não obstante ter sobrevivido grande parte da estrutura da sala. Seria demolido a partir de 1970.
Era uma sala modesta, mas com a dupla qualidade da localização e da própria estrutura à italiana, com duas ordens de camarotes. A exploração e a intervenção cultural, digamos assim, foi sempre irregular: de tal forma que, em rigor, é em meados do seculo XX que o Avenida alcançou um nível de maior destaque.
Já aqui tive ocasião de referir um desses bons momentos de atividade artística. Com efeito, no Avenida funcionou, no final dos anos 50 do seculo passado, a chamada Nova Companhia do Teatro de Sempre, dirigida por Gino Saviotti, professor do Conservatório e co-fundador, em 1946,com Luis Francisco Rebello e Vasco de Mendonça Alves, do Teatro Estúdio do Salitre, a funcionar no Instituto Italiano de Cultura, de que Saviotti era diretor.
E cerca de 10 anos depois, , Saviotti dirige, no Avenida , o Teatro de Sempre, com um repertório de grande qualidade: Goldoni, Pirandello, Raul Brandão… sendo de assinalar em especial, a estreia em Portugal de “O Gebo e a Sombra”, de Brandão e de “Seis Personagens à Procura de Autor” de Pirandello, peças referenciais da literatura dramática, antes nunca representadas em Portugal.
Mas em 1964, o Avenida assumiu novamente uma relevância cultural que constituiria aliás a sua derradeira fase de atividade – e que terminaria da pior maneira. Com efeito, foi no Avenida que se instalou a Companhia do Teatro Nacional, dirigida por Amélia Rey Colaço, na sequência do incendio que, naquele mesmo ano, destruiu o D. Maria II. E tal como recorda Marina Tavares Dias, “desalojada a Companhia Rey Colaço Robles Monteiro, o empresário Vasco Morgado pôs o Avenida á disposição do Ministério da Educação para que ela para ali transitasse.” (in “Lisboa Desaparecida” vol. 2 )

Fazem-se obras e o Teatro reabre em Fevereiro de 1965. A companhia Amélia Rey Colaço-Robles Monteiro ali se mantem, com o estatuto de Teatro Nacional, até ao inicio da temporada de 67/68…
E eis que, em 13 de Dezembro de 67, arde o Avenida!
Não seria reconstruído.

DUARTE IVO CRUZ

 

 

LONDON LETTERS

The Scottish Kilt, 2014

A ideia de dissociar estas ilhas por nacionalismos estremece a alma do cosmopolita ocidental, mesmo sob a oldish joke de estados separados por igual língua ou à luz da delicada geometria de clãs, tartãs e Mcnames. — Chérie, à tout bon compte revenir!

O debate televisivo de ontem sobre o Scottish referendum termina com um novo fôlego separatista. Segundo a mais recente wisdom of crowds, 71% para o Yes e 29% para o No. — Hmm! Like author, like book! Nos USA, o Signori Mario Draghi denota também preocupações mas face ao desemprego e a crescente risco de estagflação continental. Em Paris, as controversas políticas de austeridade apeiam o Premier Manuel Valls, ao fim de 147 dias, para o President du Matignon logo erguer o Gouvernement Valls II. Rome discute o regresso à Lira para finar longuíssima depressão económica de 14 anos.


Fine day pelo iodado Sul e igual num sobreaquecido Norte para onde mais rumam os olhares. Scotland é um belíssimo país, cujas green mountains são de entrecortar a respiração a qualquer pequeno mortal. Por primordiais razões estéticas, pois, entristece a ideia de  cercar as highlands por uma fronteira abolida em 1606 por James VI dos Scots e ilustre sucessor da good Queen Bess como James I of England. O countdown para a big decision agudizou ontem real temor, após as sondagens encurtarem posições entre o Yes please e o No thanks. O segundo e último debate televisivo deslustrou até no argumentário das partes. O First Minister Alex Salmond dominou an old school political game face a noite desinspirada de Mr Alaistair Darling pelo Better together. Algo, porém, foi claro: é tudo isto possuir diluentes políticos com sabor a aventura de mprevisíveis efeitos num reino unido por comum pauta de valores, cultura e história. And not just in the UK

Instável está ainda a Euro area, com horizonte cruzando riscos de apatia social, fragmentação política e estagflação económica. O líder do European Central Bank fez um majestoso discurso no Jackson Hole Economic Policy Symposium que anualmente reúne os banqueiros centrais no sunflower State do Kansas. Desconhecendo-se o autor, um auditório desprevenido admitiria até ouvir um keynesiano rebelde. Em foco o desemprego, tomado como aquilo que efetivamente é: um tormento individual e um corrosivo mal coletivo. Segundo o Signori Draghi, ”no one in society remains untouched by a situation of high unemployment. (…) And unemployment is at the heart of the macro dynamics that shape short- and medium-term inflation, meaning it also affects central banks.” Contra Berlin, a City of London aposta no lançamento de um ECB emergency bond-purchase programme a título de estímulo monetário. 

As manobras políticas revelam aqui outros contornos, com os primeiros passos das estratégias partidárias nas 2015 general elections. Mr Boris Johnson anuncia que disputa a candidatura à House of Commons em Uxbride and South Ruislip, a blue West London constituency detida por Sir John Randall com uma confortável maioria de 11,000 votos. Já Mr Nigel Farage avança no clássico Kent, para Ukkiper MP por Thanet South e lugar representado por Mrs Laura Sandys… uma Europhile conservative em Wesminster, aparentada com os Churchills. — Dear, a pair of genuine aligator shoes are always nice.

St James, 26th August

Very sincerely yours,

V.

A VIDA DOS LIVROS

 

 


De 25 a 31 de agosto de 2014

 

A publicação de «Retratos de Camões» (editada por Guerra & Paz e pela SPA, Sociedade Portuguesa de Autores) constitui uma justa homenagem ao labor pedagógico de Vasco Graça Moura, trazendo para a ribalta uma personalidade quinhentista fundamental que tão pouco conhecemos.


GRANDE ADMIRADOR DE CAMÕES
Vasco Graça Moura manteve durante a sua vida de homem de cultura uma grande admiração por Camões – e podemos dizer que essa sua relação permitiu uma melhor compreensão do lugar excecional do épico na literatura portuguesa. Ao longo do tempo, e desde relativamente cedo, a aura de Camões foi-se formando e consolidando pela necessidade de encontrarmos um símbolo nacional unificador, sobretudo para momentos especialmente difíceis. Entende-se, por isso, que o século XVII tenha sido uma circunstância propícia, em virtude do domínio castelhano protagonizado pelo Duque de Olivares, contra os compromissos assumidos nas Cortes de Tomar por Filipe I. Perante a ameaça da perda de autonomia ou da afirmação de uma intolerável dependência, nada melhor do que a identificação com o poeta que tão bem soube interpretar a «nossa alma», na feliz expressão de Eduardo Lourenço. Assim como Dante soube identificar-se com o povo de Florença na viagem imaginária ao Além, Camões escreveu «um livro de paixão e amor sem igual pela pequena casa lusitana», dando testemunho sobre uma viagem até aos confins da terra, ditada pelos seus «erros, a má fortuna e o amor ardente», assumindo a celebridade ambígua, de receber, a um tempo, a coroa de louros da glória e a coroa de mirtos, «para servir de modelo romântico a todos os poetas malditos»… Por isso, passados os tempos da Restauração, chegaríamos à onda romântica, ao longo do século XIX, que trouxe à ribalta a continuidade da consagração do «símbolo da Pátria». Garrett considera, assim, o épico como bandeira da renovação literária, de reconhecimento da tradição e da regeneração da pátria liberal, como já fizera o mais singular dos árcades, Bocage, e o fariam diversas gerações marcantes, até às respostas republicanizante e socializante, desde a Geração de Setenta à Renascença Portuguesa. Mas Vasco Graça Moura soube sempre ir além dessa simbologia, dando um sentido autêntico e atual à memória camoniana, justificando plenamente a consideração do dia de Camões como dia de Portugal, à semelhança da hagiografia cristã. Para o poeta e ensaísta contemporâneo, a qualidade intrínseca de Camões, a sua força cultural e literária no sentido universalista, nem sempre entendida além-fronteiras, é que importaria cultivar e desenvolver.

 

CONHECER O HOMEM PELO RETRATO
É o Camões poeta e artista, homem do Renascimento, inovador da língua e das ideias, que Vasco Graça Moura admirava profundamente e que considerava dever ser mais atentamente estudado, lido e compreendido. O exercício de apresentar em oitava rima «Os Lusíadas» aos jovens de hoje, recorrendo essencialmente ao génio camoniano, é a melhor prova da consciência que o poeta tinha da importância da força criadora de Camões na cultura portuguesa – demonstrando a injustiça de um certo esquecimento do poeta em benefício do mito nacional. A recente publicação de «Retratos de Camões» (editada por Guerra e Paz e Sociedade Portuguesa de Autores) constitui uma justa homenagem ao labor pedagógico de Graça Moura, trazendo para a ribalta uma personalidade quinhentista de que tão pouco conhecemos, em termos biográficos, mas cuja obra é de tal modo importante, que leva ao dever de aproximarmos o autor dos leitores de hoje, afastando um véu que tantas vezes dificulta o reconhecimento do valor excecional da obra. Sabemos que a lírica é mais apetecível e acessível, e que o cânon que ela pressupõe nos aproxima mais de Camões, mas VMG sempre procurou dizer-nos que é o grande poeta no seu todo que importa perceber, desbravando-se a sua obra fecunda. E Eduardo Lourenço tem-lhe dado plena razão, numa convergência de visões que resulta de um diálogo intelectual muito significativo e de uma evidente complementaridade nos modos de encarar o lugar do autor de «Os Lusíadas» nas culturas da língua portuguesa. «Camões fez mais do que pintar-nos. Deu-nos o palco do mundo, celebrou nele a nossa aventura descobridora e simbólica, em tais termos que não parece ter-nos deixado outra alternativa como entidade coletiva do que refazer sem fim a viagem do Gama, ou ficar de braços cruzados na praia deserta do Restelo e lamentando-nos do que fomos e já não somos, assistindo humilhados à aventura dos outros» (in «Poesia e Metafísica – Camões, Antero, Pessoa», 1983).

 

A CÉLEBRE FIGURAÇÃO DE FERNÃO GOMES
Em «Retratos de Camões» partimos da mais antiga iconografia até aos contemporâneos Júlio Pomar, João Cutileiro, José Aurélio e José de Guimarães. E nesse percurso, ao procurarmos encontrar o rosto de Camões, descobrimos incentivo para que a leitura da obra nos ajude a vê-la como espelho onde se projeta a nossa «casa lusitana». O certo é que a imagem de Camões chegou primeiro ao público a acompanhar a sua biografia. Manuel Severim de Faria apresenta-o em «Discursos Vários Políticos» (1624) e, meio século depois da morte, o seu retrato surge na publicação em Madrid da obra épica, as «Lusíadas Comentadas», por quem pode ser considerado como o maior camonista de sempre, Manuel de Faria e Sousa (1639). A memória iconográfica e a tradição coletiva seguiram essa precoce representação… E o certo é que até aos anos 20 do século XX, só os retratos referidos eram conhecidos. Em 1924-23 Affonso Dornellas deu a conhecer dois outros retratos que tinham ficado ignorados até essa altura: o de Fernão Gomes e a chamada miniatura da Casa Rio Maior. Finalmente, em 1972, por ocasião do IV Centenário da publicação de «Os Lusíadas» surgiu uma nova representação, dita da prisão, dada a conhecer por Maria Antonieta Soares de Azevedo. Tudo indica que tanto o retrato da prisão como o de Fernão Gomes foram feitos em vida do poeta, enquanto o da Casa Rio Maior será de elaboração póstuma. A célebre figuração de Fernão Gomes (executada entre 1573 e 1576) só é conhecida através de uma cópia, do século XIX, feita a partir de um desenho que se encontrava na posse do marquês do Louriçal, que se terá perdido, apresentando dois adesivos, tendo sido achado depois do terramoto nas ruínas do Palácio da Anunciada, propriedade dos Louriçal. A miniatura da Casa Rio Maior é colorida e foi encomendada em Goa por Fernão Teles de Menezes, sendo o épico figurado com o símbolo da glória. O desenho tosco de Camões na prisão (Moçambique ou Goa?) - «preso e tendo aos pés quem quis perdê-lo. Pintado nas Índias e foi do próprio» - não deixa grandes pistas, mas merece atenção… É a partir destas referências que chega até nós a representação que Severim descreveu como «de meã estatura, grosso e cheio do rosto, e algum tanto carregado da fronte, tinha o nariz comprido levantado no meio, e grosso na ponta; afeava-o notavelmente a falta do olho direito, sendo mancebo teve cabelo tão louro, que tirava o açafroado; ainda que não era gracioso na aparência, era na conversação muito fácil, alegre e dizidor (…) posto que já sobre a idade deu algum tanto em melancólico». «Retratos de Camões» permite-nos, afinal, aproximar-nos do símbolo, superando-o… «Que se lhe redobre em memória / o que em vista lhe faltou»…

Guilherme d'Oliveira Martins

FOMOS EM BUSCA DO JAPÃO

 

 

14. CHA-NO-YU (I)

 

Cha-no-yu é a cerimónia do chá. Cha-no-yu-sha a pessoa que a executa e serve. Cha-no-yu-zashiki a sala ou casa para a cerimónia do chá. Cha-no-yu-dogu são os utensílios e recipientes da cerimónia do chá. Tudo isto nos ensina já o padre jesuíta João Rodrigues  - o Tçuzu ou intérprete, esse português de Sernancelhe que veio muito moço para o Japão (onde professou) e confessava que talvez fosse o seu japonês melhor do que o português  -  na sua História da Igreja de Japão que, escrita no primeiro quartel do sec. XVII, cobre a segunda metade do XVI. Serviu durante décadas como intérprete da corte e do shogun japonês, função em que foi definitivamente substituído por William Adams  -  o primeiro inglês a desembarcar no Japão  - em 1610, aquando da expulsão dos jesuítas. Mas ter-se-á encontrado com o angloprotestante Adams, e tido com este debates teológicos que em ambos provocaram estima e admiração mútuas... Seja como for, certo é que, hoje ainda, os capítulos 32 a 35 da sua História não só são traduzidos em várias línguas europeias, como largamente utilizados por estudiosos e curiosos das coisas do chá no Japão. É interessante observar também que a palavra cha provém de idêntico fonema chinês, de Nanquim (ou capital do sul, por oposição a Beijim, ou capital do norte) e da província de Fukien, onde também fomos buscar a pronúncia de Japão, como vimos. No mandarim, chinês do norte, língua oficial, diz-se tê. E deste vieram as designações usadas em todas as línguas europeias, do castelhano ao alemão, do francês ao inglês. Salvo erro, só em russo e em português se diz chá. Voltaremos ao nosso Tçuzu e, com ele, ao Ginkakuji (pavilhão de prata), seu jardim e casa de cerimónia do chá. Encontraremos Sen-no-Rikyu, o mestre do chá que Luís Froes e João Rodrigues conheceram, e que adaptou àquela cerimónia gestos da liturgia católica. Regressaremos ao Byodo-in, situado em Uji, que, diz-nos Wenceslau de Moraes  --  e, quatrocentos anos antes dele, já o notava o padre João Rodrigues  --   é a região onde melhor chá se cultiva. Por Wenceslau chegaremos a outro relance do culto do chá, este sentido por um português no sec.XX, mais popular pelo sentimento, mais feminino pela graça das mulheres japonesas. Não exactamente igual ao das cerimónias rituais tradicionais, essas que se realizavam em casas ou salas construídas para o efeito, com portas estreitas e baixas, de modo a impedir a entrada de vestuário e acessórios excessivos e das armas que os samurai às costas carregavam... Mas também a esta, e com graça, Moraes se refere: No tempo do generalíssimo do Império, chamado Toyitomi Hideyoshi, mais conhecido na história palo grande Taiko-sama, quase todos os generais eram chajin, isto é, ferventes apaixonados da ceimónia do cha-no-yu...   ... Relembrando o passado, justamente num período de efeverescências guerreiras culminantes no Japão, talvez pareça estranho, talvez pareça cómico, que esses rudes heróis de tão grandes façanhas, os indomáveis veteranos das guerras na China e na Coreia, despissem armaduras, tirassem os dois sabres da cintura, para virem votar horas quiméricas a aquecer a água sobre brasas e a preparar o chá... Mas o contraste, por si, explica o facto: era precisamente essa dura existência de batalhas e de lances sangrentos, de inclemências de vida nómada, de longo cogitar em estratagemas e em argúcias, que impunha aos homens dirigentes a doce trégua do cha-no-yu. O convívio com os partidários e os amigos, o desfilar do povo alegre e reverente, a verde paisagem de repoiso, a solenidade hipnótica dos gestos, tudo contribuía para oferecer um curto aprazimento àquela gente, que assim ia apagando da memória os amargores sofridos, estreitando simpatias,retemperando forças para as próximas lutas...

   ...   ... Não me peçam agora, a mim, profano na matéria e viageiro fatigado de tão multíplices impressões que tenho vindo colhendo por esse mundo fóra, uma opinião pessoal sobre o cha-no-yu. Estive uma vez,é certo, com dois ou três amigos, numa das cha-ya de mais fama da cidade de Kobe; e Tama-Guiku (O Malmequer Precioso) era a esplêndida sacerdotisa da cerimónia. A impressão que daquela noite guardo é indefinida, fugidia, como a de um vago sonho que tivesse. Ficaram-me reminiscências indecisas do luxo sóbrio e harmonioso e do asseio extremo das coisas impregnadas de exotismo onde pousou o meu olhar. Na meia luz do plácido aposento, amplo e silencioso como um templo, contornava-se, distante, um vulto de mulher, de joelhos, envolta em sedas magníficas .As atenções fixavam-se especialmente, como que por atracção hipnótica, nas suas mãos finíssimas, alvejando no espaço como se fossem de marfim, tomando de estranhos utensílios, preparando não sei que filtro de magia, poisando em mímicas hieráticas, quais mãos de mística oficiante de uma religião desconhecida. Por fim, convidado a partilhar no sacrifício, aceitava uma taça com chá que me era oferecida e levava-a aos lábios comovido, com não sei que súbitos escrúpulos de apóstata mal firme... «O Culto do Chá» foi pela primeira vez publicado em Kobe, em 1905. Para além do sentimento poético de Wenceslau, enfeitiçado pela graça delicada das mulheres japonesas (ou da Mulher Japonesa?), o livro contém informações pertinentes à história e cultura do chá, muitas delas, aliás, correspondentes às dadas pelo Tçuzu na sua História, obra que Moraes certamente não leu. Pessoalmente, a única publicação dela que conheço, em português, foi dada à estampa em Macau, nos anos de 1954-55, por J. Abranches Pinto. A edição mais divulgada  --  tanto quanto eu saiba  --  é a versão inglesa do padre Michael Cooper, com um título que este foi buscar a William Adams: This Island of Japon. Os capítulos referentes ao chá encontram-se traduzidos em castelhano por J.L.Alvarez-Taladriz (Arte del Cha, Tokyo, 1954). Adiante iremos visitar essa obra do século XVII. Voltemos agora ao nosso Wenceslau: Pouco depois, ainda mais outro bonzo (sempre os bonzos!), de nome Mioyé, colhendo de Eisei os vários segredos de cultura, novas sementes adquiriu, e em Toga-no-o e em Uji, lugares vizinhos de Kyoto, atentamente se entreteve em cultivar o chá; em Uji, de preferência, foram os resultados excelentes. Dois séculos depois, cerca de 1400, o shogun (generalíssimo) Asikawa (era Ashikaga) Yoshimitsu imprimiu vigoroso impulso às plantações de Uji, as quais tanto foram prosperando, mercê da riqueza do torrão, que de então até hoje o chá daquele sítio tem sido celebrado como o melhor de todo o Império; dele exclusivamente se serve o Imperador.

   Moraes tece várias e acertadas considerações sobre a cultura do chá e seus cuidados, e ainda nos leva, nos primeiros dias de Maio, quando as plantas começam a vicejar e se colhem as primícias, aré Uji: Depois segue-se o rio, de águas límpidas e frescas, rico de tradições de glória; galga-se a ponte em arco, entra-se no bairro das cha-yas, dos hotéis, em tal quadra povoados de fregueses galhofeiros e de gentis mulheres, as gueishas, que cantam ou dedilham no inseparável shamisen; e vêem depois os campos, vastos campos de chá a sucederem-se pelo horizonte fora, cuidados como jardins, em longos alinhamentos de arbustos, copados, arredondados, lembrando enormes manjericos, de delicada rama de um verde escuro bronzeado; no azul distante, alguns famosos templos confusamente se recortam. As moças de Uji estreiam kimonos novos para o caso, arregaçando as mangas com fitas escarlates; amarram em turbante em volta dos cabelos toalhas de cor azul e branca; e assim, esbeltas, graciosíssimas, em ranchos de dez, de doze companheiras, dirigem-se ao trabalho. É então um encanto para os olhos ir a gente surpreendê-las no afã do seu mister, dispersas pelas campinas fora, como borboletas; indo de um ramo a outro ramo, de um arbusto a outro arbusto, por vezes ocultando-se entre o verde mais denso da folhagem. Os dedos róseoa, miudinhos, a escorrerem de orvalho e multiplicando-se em gestos delicados, vão colhendo os rebentos tenros do chá e atirando-os a grandes ceiras dispostas pelo chão; as bocas vão sorrindo, patenteando as enfiadas alvas dos dentinhos; os olhos esbrazeam  em juvenis amores inconfessados; as vozes unem-se às vozes, em ritmos comoventes de velhas canções locais... O nosso grupo participou numa cerimónia do chá em Kyoto, na varanda sobre jardim de um templo. Deu para apreciar o rigor do ritual até ao ínfimo gesto, provar o matcha e os bolinhos de feijão doce. Aquela em que Wenceslau de Moraes esteve também não terá sido  --  a julgar pela narrativa acima transcrita  --  momento de comunhão na espiritualidade da cha-no-yu, nem de sentimento da sua solenidade. Compreenderemos melhor quando seguirmos o guia João Rodrigues. Em Uji estivémos no outono, não vimos a rebentação do chá. Mas recolhemo-nos no Byodo-in. Como, já antes, estivéramos no Ginkakuji, edificado pelo shogun Ashikaga Yoshimitsu, e aí vimos o jardim do chá, em que estreito caminho nos conduz à casa da cha-no-yu... O Byodo-in, dedicado ao Buda Amida, é um templo construído, em 1052-53, pelos sessenta anos de Fujiwara Yorimitsu, que assim transformou em lugar de culto a residência de Verão e lazer que herdara de seu pai, que foi regente do Império, e o mais poderoso representante dessa família com tantos laços de sangue com a família imperial,  Fujiwara Michinaga, na margem do rio Uji. Nessa região, um século e meio depois, iria o monge Eisei lançar as sementes de chá que trouxera da China, onde estagiara em mosteiros budistas, e que estão na origem do que no Japão se chama honcha, isto é verdadeiro chá, original. O mesmo Eisei iniciou no Japão a prática budista chinesa de ritualmente preparar e servir chá verde em pó, dando assim origem ao que mais tarde se divulgaria como cha-no-yu. Tal prática foi aperfeiçoada, já no século XV, no Ginkakuji, residência de recreio do shogun Ashikaga Yoshimasa, que este transformou em templo de Amida e dotou com um jardim e casa cerimonial de chá. Adiante veremos o que dele nos conta o Tçuzu.

Camilo Martins de Oliveira  

A FORÇA DO ATO CRIADOR


O sujeito artístico no final dos anos sessenta

 

O sujeito artístico no final dos anos sessenta

 

No final dos anos sessenta, uma nova vanguarda define-se ao afirmar o artista como homem comum que procura o momento, o agora, o local. É importante criar segundo as circunstâncias do momento. O momento, todo o momento, mais nada senão o momento. Criar implica um estado de espírito em que o aqui e o agora adquirem uma enorme importância (para a vida). A realidade é a construtora do eu. A circunstância transforma-se numa eterna surpresa em movimento perpétuo.

O artista é igual ao homem comum que lançado no turbilhão do tráfego da cidade é um homem sozinho que luta contra o aglomerado de massa e contra as energia pesadas, velozes e mortíferas. Quanto mais verdadeiro o artista é (expondo a sua vida, a sua moral, os seus hábito e os seus ideais) mais poético se torna. Tal como descrito no poema ‘A Perda do Halo’, Baudelaire revela o artista como um anti-herói, um homem banal com qualidades e defeitos.

O artista abandona assim o plano moral e metafísico para mergulhar no dia-a-dia – para dar a conhecer, depreciar, corroer ou atacar sem alterar a sua posição, a partir de dentro da causa. (Lefebvre: 2008)

No final dos anos sessenta, o sujeito fragmenta-se e os seus conceitos e sentimentos passam a estar expostos a uma indeterminação interminável. O sujeito passa definir-se como um ser inconstante que não se exprime através de uma só resposta - multiplicam-se os modos de expressão (um só artista pode variar na sua maneira de se exprimir). O sujeito submete-se aos estados infinitos do inconsciente, tratando sempre os problemas de acordo com a sua atualidade (circunstância e existência). (Ferry: 2003)

A aura de pureza já não faz sentido à arte – a poesia pode nascer do homem comum e dos objetos indiferentes (experiência neo-dada). A relação do indivíduo com o mundo conhece uma transformação profunda. A referência à ideia de um universo objetivo, que os supere e os reúna, tornou-se problemática. A emergência do individualismo significa a erosão do universo das tradições, dos critérios pré-estabelecidos. O sujeito passa a estar exposto à indeterminação. A dissolução dos pontos de referência herdados naturalmente do passado deixa o indivíduo sem resposta frente às vicissitudes mais simples e mais profundas da existência quotidiana. É dentro do indivíduo que estão as respostas às questões postas pelo progresso das ciências e até das técnicas. (Ferry: 2003)

O sujeito oferece o seu corpo e o seu espírito para poder criar e assim produzir objetos capazes de ser partes totais do sujeito que frui. O pensamento do sujeito materializa-se pronto a ser experimentado, transformado e produzido para ser colocado num local preciso e único.

 

Ana Ruepp

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