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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

"CREDO"


6. ET VERITAS LIBERABIT VOS
 

Em meados dos anos 80 do século passado, a minha filha mais velha estudava na Columbia University, uma das universidades incluídas na prestigiosa Ivy League norte-americana. Apesar de morarmos em Scarsdale, ali à beirinha de Manhatan, entendemos que seria preferível a Teresa residir no campus universitário, participando otimamente nas atividades circum-escolares, e vindo a casa de sábado ao almoço até 2ª de manhã... Partilhava o apartamento que lhe fora atribuído na Columbia (dois quartos, uma sala, cozinha e casa de banho) com três colegas americanas: uma católica e duas judias ortodoxas, todas excelentes alunas, dando-se bem e distribuindo entre elas as tarefas domésticas. Aos sábados, as católicas preparavam o pequeno almoço e arrumavam tudo, antes de todas saírem para as respectivas famílias. E uma delas tocava ainda no botão de chamada do elevador, pois mesmo essa tarefa estava interdita às outras duas em dia de sábado. Por isso não me surpreendi quando, anos mais tarde, li numa revista internacional que, em Israel, o desenvolvimento da aplicação de sensores electrónicos facultara a instalação de "Sabath lifts " ou elevadores de sábado, que dispensam carregar em botões... Estas lembranças despertam-me para uma reflexão sobre as tradições religiosas, a autenticidade e a hipocrisia, o conservadorismo e o progressismo, a tolerância e a aculturação. Procurarei partilhar essa reflexão  -  que necessariamente se processará em vários registos  - com quem tiver paciência para me ler. O título cobertor que lhe dou (A Verdade vos libertará) não tem qualquer intuito apologético ou prosélito da minha ou outra fé religiosa : significa simplesmente que todos e cada um de nós  -  desde o ateu mais decidido a qualquer crente mais ortodoxo  -  quando se interroga sobre quem sou? donde venho? para onde vou? finalmente procura a Verdade que o libertará.  A sua verdade, independentemente de ele acreditar, ou não, que a sua verdade é ontológica. Acrescento que não pensarei aqui nas religiões como sistemas teóricos ou doutrinais, mas antes enquanto comunidades de crentes que, agora e ao longo da sua história, têm de co-habitar a terra dos homens. Delas podemos dizer, parafraseando Ortega, que cada fé é ela e a sua circunstância temporal e cultural. E já que não vamos olhar para elas como ideias abstractas, mas como existências nas e pelas comunidades que as suportam  -  ou seja, como profissões e confissões, organizações e comportamentos  -  teremos de atender, não só às respectivas evoluções , mas ao modo como estas são percebidas, por vezes diferente ou mesmo contraditoriamente, pelos seu próprios seguidores... E, ainda, à percepção de cada uma pelo outro, isto é, pelos que estão de fora. O que nos levará a propor, para este tempo de medos e aversões, em que se badalam fobias e choques de culturas e civilizações, o culto comum da interculturalidade, em que o diálogo religioso transcenda a mera verificação da multiculturalidade, pois esta tanto poderá resignar-se com a coexistência como conduzir a confrontos agressivos, logo que o sentimento de diferença levar à afirmação autista da superioridade de uma fé sobre as dos outros. É claro e natural que eu considere a minha religião (ou o meu ateísmo) como a verdadeira, acima de todas as outras, por isso mesmo a professo. Mas também devo reconhecer esse direito a cada um dos outros.  A verdade comum que nos deverá libertar a todos, é a da fé como substância das coisas que devemos esperar, a comunhão final do amor. Para um cristão, o Verbo de Deus incarnado, cheio de graça e de verdade é o amor de Deus entre os homens. Quando confesso crer na Igreja única, santa e católica, professo a minha pertença à comunidade dos crentes no corpo místico de Cristo, sabendo ainda que essa Igreja é também sacramento da humanidade inteira  -  passada, presente, vindoura  -  abraçada pelo amor universal de Deus... Todas as tradições religiosas se desenrolam sob tensões entre o fundamentalismo e o vanguardismo, o conservadorismo e o progressismo, que tanto podem gerar uma dialéctica legível por critérios hegelianos (tese-antítese-síntese, etc.), como originar cismas, seitas e heresias. Basta pensarmos, como nos recorda Odon Vallet, doutorado em ciência das religiões e professor na universidade de Paris (Panthéon e Diderot), que, de um ponto de vista histórico objectivo, não teológico e confessional, o Buda, Jesus ou Maomé surgem mais como reformadores do que como fundadores de religiões...  ... O Buda era um reformador do vedismo. Achava excessivo o poder dos brâmanes, tal como Jesus teve de discutir com os sacerdotes do templo de Jerusalém...  ... Este foi um judeu que quis reformar a sua religião, sem todavia a renegar...  ... Maomé situa-se na filiação de Abraão, de Moisés e de Jesus, e penso que a religião muçulmana nada tem de revolucionário...  ... com a sua ética moderada... seduz pela simplicidade... exigindo orações e jejum, adapta-se todavia à fraqueza humana...  ... Quanto a Moisés, pouco se sabe, nem sequer a época em que viveu, se é que realmente existiu...  ... A personagem de Moisés surge, antes de mais, na Bíblia, como libertador do povo hebreu, mais do que como fundador de religião, dado que o texto sagrado o situa num tempo bem posterior a Abraão... Seja como for, o judaísmo aparece sobretudo como religião de um povo e, apesar de nas suas escrituras incorporar mitos e relatos procedentes de outras regiões, como o Egipto ou a Mesopotâmia, funciona como aliança de uma nação com o seu Deus, percorrendo uma história cheia de vicissitudes, que, curiosamente, o torna simultaneamente nacionalista e portador de uma vocação universal. Só regressando às origens do povo de Israel poderemos entender o nacionalismo feroz do nosso contemporâneo movimento sionista e a sua concomitância com uma diáspora que, mesmo quando não se converte a outras confissões religiosas, se acomoda de outras nacionalidades e culturas. Em conversas correntes, quando hoje dizemos de alguém que "ele é judeu", tanto podemos estar a falar de um cidadão israelita, como de qualquer outra pessoa que professe a religião judaica  -  seja esta um judaísmo ortodoxo ou reformado, neo-ortodoxo ou simplesmente conservador, ou ainda o hassidismo, incluindo o movimento habad, etc...  - ou que seja ateu ou agnóstico, católico ou protestante, mas de família judia... Até acontece apelidarmos de judeu alguém que nasceu e cresceu fora da esfera religiosa do judaísmo, longe de qualquer comunidade judia, só porque o nome que usa se encontra em registos seculares de cristãos-novos, como se estes, ao serem baptizados, não tivessem recebido também, além do seu onomástico, um apelido de família escolhido de entre os de cristãos-velhos... Todavia, não chamamos portugueses aos milhões de cingaleses, indianos, malaios, indonésios, africanos, americanos que, mesmo não tendo qualquer ascendência lusitana, e pertencendo a várias etnias, em virtude da conversão, simples adopção, ou ainda emancipação da condição de escravo, de quaisquer antepassados, hoje são portadores de apelidos, por vezes ilustres, de famílias portuguesas.  Também pensamos repetidamente nos judeus como sendo uma raça, um grupo étnico : mas não são, pois há judeus de origens distintas, e talvez entre eles se encontrem hoje tantos ou mais de origem caucasiana do que semitas... Contudo, o conceito de anti-semitismo aplica-se ao repúdio ou perseguição de judeus, nunca de árabes que, esses sim, são também uma etnia semita. Mas também não confundimos muçulmanos com árabes, apesar de o islamismo ter nascido na Arábia ; sabemos bem que o islão abraça muitos outros povos, desde eslavos a egípcios, sírios e persas, de turcos a malaios e indonésios, de beduínos a fulas e outros da África sub-sahariana, etc... E se as mesquitas e orações muçulmanas em todo o mundo se fazem viradas para a Meca  -  tal como na tradição judaica as sinagogas (casas de reunião, leitura da Bíblia hebraica e oração) se orientam para Jerusalém  -  e apesar de o  islamismo se ter erguido na circunstância de uma guerra de conquista cujo objectivo era constituir um estado político, a ideia que dele temos não é, como no caso do judaísmo, essa de uma união  - que eu diria ontológica  -  de uma religião e um povo. Que se verifica em Israel como na diáspora... Muito embora a tentação de tornar o estado de direito democrático em teocracia se faça sentir em certos sectores mais "sionistas" da sociedade israelita, tal não parece possível, dada a cultura política de uma população que veio de experiências ditatoriais no leste europeu, isto é, negativas, ou de democracias ocidentais em regimes não confessionais. Nem tampouco se inscreve na história e tradição do povo hebreu, pois muito embora a religião judaica fosse nacional, não se confundiam as funções políticas com as sacerdotais. Nos países islâmicos, todavia, o debate, até ao afrontamento violento, entre correntes teocráticas e laicas, não parece ter um resultado unanimemente  previsível. Curiosamente, o estado mais teocrático (Irão), de tradição chiíta , que remonta aos califas descendentes do Profeta, opõe-se ao propósito (utopia?) de constituição de um califado expansionista, sendo que este é promovido por sunitas marginais....cujo centro geopolítico são franjas da Síria e do Iraque. Não cabe nesta reflexão qualquer análise política do que por aí se vai passando, nem sequer tocar na violação de determinações das Nações Unidas por Israel...   Estamos, por agora, noutro registo, mais virados para a vontade de entendimento  do que nos diferencia, para melhor compreendermos  -  como ensina S. Tomás de Aquino  - aquilo que nos aproxima.  Não será fácil definir sempre com clareza as fronteiras de um povo, um reino, uma civilização, visto que se desenrolam no decurso da história : mudam-se os tempos, mudam-se as vontades...  ...todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades. As religiões existem em sociedades humanas que se vão transformando no tempo, as palavras que as dizem sofrem evoluções semânticas, os conceitos que as sustentam vão sendo circunstancialmente entendidos e proclamados. Assim essa ideia de povo de Deus  -  Israel, Igreja, Umma  -  é inicialmente diferente para judeus, cristãos e muçulmanos, mas para cada uma dessas categorias de fiéis também não significou sempre o mesmo, sendo ainda certo que, em qualquer dessas religiões, sofreu apelos nacionalistas e universalistas, primitivistas e evolucionistas.

Para entendermos o que é o goy kadosh, o Povo Eleito, talvez tenhamos de olhar pela perspectiva, profética e messiânica, do povo e do reino de Israel. Ou de refectir sobre o dilúvio universal e a arca de Noé, em que se salvam os que Yahvé escolheu da destruição que eliminará todos os outros descendentes de Adão e Eva. Mais tarde, Abraão será pai de todos os povos, mas a Terra Prometida caberá a Isaac, filho de sua mulher Sara, pai de Jacó-Israel. Ao filho da escrava Agar, Ismael, será atribuída a linhagem árabe... Assim, o reshit  --  origem e princípio do Povo Eleito  --  é separado do resto da humanidade e consagrado a Deus, e o que dele resta, o sheerit, pertencerá ao homem, muito embora venha a beneficiar da redenção adveniente nos tempos messiânicos, quando finalmente terminar o exílio de Israel. E este Israel, portanto, concebe-se como a parte da humanidade que Deus escolheu para se revelar e manifestar, sendo ,simultaneamente, acima dos outros, o povo sacerdotal, que está entre Deus e os homens todos. Shmuel Trigano, professor de sociologia na Universidade de Paris-Nanterre e director-fundador do Colégio de Estudos Judeus da Aliança Israelita Universal defende, no seu Le judaïsme et l´esprit du monde (Grasset, Paris, 2011), que o cristianismo e o islão se erigiram em outros Israel, como seus substitutos, seus sucessores, e edificaram monoteísmos libertos do interdito de representação que comandava o lugar vazio ao lado de Israel real. Dessas construções nasceram universos fronteiros a Israel, não contrários, mas antitéticos. Jesus é Deus, Maomé o único representante de Deus. O poder decorre deles. O seu interesse vai ao outro mundo e a verdade absoluta que representam. O messias ou o profeta são hierarquicamente colocados acima dos homens, e consigo necessariamente trazem impérios. A sua autoridade, todavia de Deus, não decorre de uma aliança  -  no sentido político do termo  -  mas de um elo metafísico, não textual nem deliberado : a fé em Jesus que morre para salvar o homem é o modo de entrar na aliança. A submissão (que se diz islão) à mensagem de Maomé governa a entrada na verdadeira umma... Eu diria que o cristianismo surge como sucessor do judaísmo, mas no sentido de seu continuador no cumprimento da promessa messiânica : a Igreja de Cristo é o novo Israel. Porque o próprio Deus tomou a condição humana, o povo eleito já não é separado, nem pode ser percebido como sectário, mas é testemunha da Boa Nova, sacramento da redenção e vida em Jesus Cristo e por Cristo oferecidas à humanidade inteira. É facto que, desde Constantino, a Igreja nem sempre resistiu à tentação mundanal do poder temporal, quer concebido como direito divino dos soberanos cristãos submetidos ao papa (que aliás a sujeitou a guerras intestinas, entre guelfos e gibelinos, p. ex., e muitas outras, durante séculos), quer na soberania directamente exercida nos estados pontifícios, quer na motivação de cruzadas e outras expedições militares e políticas... Esquecia-se de que "o meu reino não é deste mundo"... E, concomitantemente, refugiava-se  -  à moda de Lutero, p. ex.  -  na teologia dos dois mundos, dessa vez esquecendo que a Igreja é anúncio, fermento e sal da terra, que o testemunho da Jerusalém celeste, da cidade de Deus, também é devido pela pregação e acção pela justiça e a paz na cidade dos homens.

É certo que o Corão chama grande jihad ao esforço que o crente deve fazer como peregrinação interior de conversão, sendo a jihad menor (al-jihad al- asghar) a guerra defensiva, aquela que se move em nome e defesa de Alá, em legítima defesa do seu culto ou dos estados muçulmanos, em caso de violação de juramentos e acordos, de recusa do pagamento dos tributos devidos pelos infiéis que neles vivem... A guerra de agressão é condenada, sobretudo se feita com vista ao enriquecimento temporal e material. Seja como for, o muçulmano, aquele que se submete à vontade de Alá, tem o direito e o dever de combater os seus inimigos, em caso de agressão ou desrespeito. Há, portanto uma justificação religiosa para a guerra. Talvez por isso, o nome de Deus seja sempre invocado para o efeito, mesmo no confronto entre filhos e reinos do Islão. Até em curiosas situações de alianças entre muçulmanos e cristãos, contra...muçulmanos e cristãos! Pense-se, p. ex., no califa Abássida Harum al-Rachid que, de Bagdad, cidade capital ordenou a igualdade de todos os muçulmanos, pelo que a umma deixou de se limitar aos árabes, e era aliado do imperador Carlos Magno, opondo-se, por amizade a este, ao império cristão de Constantinopla, enquanto o imperador franco do ocidente se opunha aos Omíadas, rivais dos Abássidas, instalados na Península Ibérica... Todavia, a ideia de Islão, mesmo na vigência de regimes políticos muçulmanos tolerantes de outras religiões, tendeu sempre a abranger a religião e o estado.

Tal conceito cripto teocrático também não foi estranho à cristandade que, já no sec. VIII instaurava um estado no Vaticano, que ainda hoje existe, que chegou a atingir alguma expressão territorial e, durante séculos, não só manteve a afirmação da supremacia e primazia papal sobre os soberanos temporais, como participou em variadíssimos conflitos políticos. A surata primeira do Corão, como quase todas as outras, começa Em nome de Deus clemente e misericordioso, e continua assim:                          

  1. Louvor a Deus, soberano do universo,

                            2. O clemente, o misericordioso,

                            3. Soberano no dia da retribuição

                            4. É a tfi que adoramos, a ti que imploramos socorro

                            5. Guia-nos pelo caminho recto.

                            6. Pelo caminho daqueles que cumulaste de bens

                            7. Daqueles que não incorreram na tua cólera e não se perdem. Amen

Qualquer judeu ou cristão não hesitará em proferir esta oração. Como nenhum judeu ou muçulmano discordará de S. Tomás de Aquino quando escreve na sua Summa Theologiae:                     

     A misericórdia efectiva é o que de melhor podemos dizer de Deus.

Todos concordarão em que dar testemunho de Deus é praticar a misericórdia efectiva, que é justiça e paz. Para além de sobejos erros históricos e da permanente tentação da própria eleição de cada uma e da respectiva supremacia sobre as outras, cada religião sabe que a verdade única que nos libertará deve estar na fé de todos na misericórdia de Deus, uns com os outros partilhada.                     

                          
Camilo Martins de Oliveira

POSTAL QUARTO

Amigo querido:

Uma noiva tímida é um pássaro que sente que nada acontece que lhe faça chão já pisado, nem nada lhe chega que lhe acarinhe a imprudência.

Será isto meu afectuoso amigo ? Poderá ser este o fulcro da sua carta ? A confirmação de que conhece as escuridões diurnas e a leitura que supera o lugar que afinal já adivinha?

Não sei. Defendo que as crianças trazem partidas e pelo meio partem de vez.

Hoje vi um vale no cimo de uma colina. Não se pode dizer que nada acontece.

Até breve, breve.

Teresa Bracinha Vieira

O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (V)

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HERCULANO, AUTOR DE UMA OPERETA

Comecemos por um ponto prévio de análise dramático-musical, perdoe-se o tom enfático da expressão. É que, em rigor, não haverá uma distinção absoluta entre géneros de espetáculo: até que ponto uma peça de teatro musicado é ópera, é opereta ou revista? Quantas óperas existem, ao longo de séculos de criação e produção, em que as cenas declamadas alternam com as cenas cantadas? Quantos números de revista alternam o carácter cómico com o trágico? E mais: Eça de Queiroz, e é só uma referência que veremos em próximo artigo, não escreveu o texto de uma opereta? E quantas revistas introduzem, no conjunto de cenas e números cómicos, pequenas dramatização de teor crítico claramente e assumidamente dramático?

A questão põe-se muito especificamente com um autor de quem não se esperam ligações ao teatro musicado – e referimo-nos a Alexandre Herculano. Desde logo se diga que a produção dramática de Herculano é escassa, três textos apenas, e logo a primeira, “Tinteiro não é Caçarola” (1838) não passa da tradução/adaptação de um vaudeville de Scribe e Duveyrier, a que se seguiu “O Fronteiro de África ou Três Noites Aziagas” (1839) e finalmente “Os Infantes de Ceuta” (1844), libreto de uma peça musicada por António Luís Miró.

Mas mesmo assim: tudo o que Herculano escreveu tem óbvia relevância e qualidade. No caso de “Os Infantes de Ceuta”, estamos perante uma insólita paixão do Infante D. Henrique por uma serva moura. A qualidade e solidez do historiador emerge, tal como já escrevi na “História do Teatro Português”, “na minucia dos cenários, na terminologia militar rigorosa e em certa dimensão romântica da defesa da praça africana “ Transcrevo aí uma fala do Infante:

 “Quando ardente paixão tem a ternura/quantas fascinações há no amor virgem:/quanto meigo sorrir, quantas promessas!” E acrescento um comentário de Teófilo Braga: “poesia percebia-se pouco”… (in “História do Teatro Português” pág. 157).

Luciana Stegagno Picchio destaca a dramaturgia breve de Alexandre Herculano e integra-a num movimento geral de produção dramática que, na época tornou-se quase moda: “em meados de Oitocentos não havia em Portugal quem não fizesse teatro, e assim poderá ter interesse respigar do repertório desses anos, o nome do pai de historiografia romântica, Alexandre Herculano”. E cita ainda o “cândido romancista” Júlio Dinis, Rodrigo Paganino, hoje esquecido, João de Lemos  e Camilo, este “o mais sanguíneo, imaginativo e , no certo sentido o mais autêntico dos romancistas portugueses”, nada menos! (in “História do Teatro Português” pág. 261)

João de Freitas Branco, na “História da Música Portuguesa” assinala “Os Infantes de Ceuta” como obra de destaque na musicologia de António Luís Miró (1815 – 1853). Este compositor , hoje praticamente esquecido, nasceu em Granada e faleceu no Brasil, onde se fixara em 1850. Entretanto, antes dos 10 anos já vivia em Lisboa, onde fez a sua formação musical e iniciou uma na época brilhante e festejada carreira de maestro e compositor, designadamente de óperas e operetas: assumia-se como compositor e maestro português e como tal o refere Sousa Bastos no sempre citável “Diccionário do Theatro Português” (1908).

O certo é que Miró veio para Lisboa em criança, aqui fez a sua carreira, aqui estreou centenas de obras, entre elas, numerosas óperas e operetas. E o austero e exigente Alexandre Herculano não hesitou em colaborar com ele!…

Aliás, é caso para dizer que o teatro marcou a vida e obra de Herculano muito para lá da sua dramaturgia breve. Os estudos e pareceres recolhidos no volume V dos “Opúsculos” e a colaboração e docência no Conservatório, a colaboração atenta na imprensa, revelam uma participação direta no meio teatral do tempo. Chegou a dirigir o Teatro do Salitre com Castilho e César Perini (cfr. Jorge Custódio e José Manuel Garcia na edição dos “Opúsculo - V” pág. 63)

E no dramalhão ”O Fronteiro de África ou Três Noites Aziagas” introduz com eficácia um personagem cómico, o taberneiro Paio Rodrigues: quando o protagonista D. Pedro toma conhecimento do exilio do Prior do Crato, brada na boa tradição do drama romântico: “(D. Pedro) – Oh! Minha Pátria! Minha desgraçada Pátria!” ao que replica o taberneiro: “(Paio Rodrigues) – Oh! Minha estalagem, minha escavacada estalagem”!

DUARTE IVO CRUZ

LONDON LETTERS

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The financial ultimatum, 2014

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Colocar britânicos e italianos, gregos e cipriotas a financiar alemães e franceses é o alvitre que subjaz à fatura extraordinária de quase 2.000 milhões de euros agora apresentada por Brussels a London pela pertença ao euroclube. ‘Inaceitável,’ afirma o Prime Minister. ‘Injustificado,’ corrobora o Chairman of the Public Administration Select Committee na House of Commons. Surely Sir Humphrey Appleby informaria que “The Foreign Office is terribly pleased, it's just like old times." — Chérie, charité bien ordonnée commence par soi-même. O último ato da Barrroso’s European Commission tanto fratura as chancelarias no continente quanto favorece os separatistas no reino. Em causa está uma £1.7billion extra bill exigida a título de revisão histórica do crescimento segundo estimativas da economia negra. O No. 10 garante que não paga tal valor, nor a sum anything like that. Já o Berlaymont ameaça com multa caso Britain atrase a liquidação à data de December 1. — Hmm! To pay or not to pay, this is the 2015 general election question? Com o Ukip a disparar 4% nas intenções de voto em vésperas da Rochester and Strood by-election, o Labour Party embrulha-se na demissão de Mrs Johann Lamont como líder em Scotland. Já as últimas tropas no Afghanistan saem de Camp Bastion após os 13 anos da “long war.” Her Majesty envia do Science Museum o seu very first Tweet.

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Heavy rains and strong winds in the Channel nestes últimos dias de October que recordam o spirit of Fontainebleau, quando Mrs Margaret Thatcher clama pelo Britain’s money back. Ontem foi até um eventfull day para o líder de HM Government. Pela manhã, em Leeds, após a apresentação do speed rail to the North, ao atravessar o passeio em frente ao Civic Centre rumo ao carro oficial, RH David Cameron é literalmente atropelado por um jogger. Ainda que logo detido o atleta acidental, as imagens revelam um corpo de segurança distraído e um ágil PM por segundos abandonado às mãos de sinistra eventualidade. Isto, mesmo após a apresentação do dangerous dossier que é o HS3. À tarde, em Westminster aborda a sensível questão das UK’s contributions to the EU. O Premier formata o debate nos Commons: “I want to be clear with the House how the demand for the UK to repay money has come about, and why the scale and timing of this demand is unacceptable.” Os três itens para a recusa do cheque assemelham o PM a um clarividente homólogo em Yes, Prime Minister: “Although Jim Hacker is pro-Europe, he is definitely anti-Brussels in terms of bureaucracy. He thinks Sir Humphrey is in fact anti-Europe but pro-Brussels.” Uma diferença separa o presente da série da BBC para a qual Mrs T contribui com um script antes do histórico EU Summit. O establishment divide ali posições, mas hoje apresenta raro consenso: "The Berlaymont is a shambles."

Se Brussels age convencida que The UK in the EU não possui mãos seguras em Mr Cameron, tal é o embaraço eleitoral em que o coloca, desconhece-se. Nos media e nos pubs, ressoa comum exclamação: Just get out of it!  Afinal, tudo gira em torno de uma exigência de última hora decorrente de ajustamento técnico baseado em peculiar fórmula de crescimento sobre a marcha da economia real plus drugs & co. Por extenso: a equação envolve estranhos negócios e elenca categorias de rendimento em ramos ligados aos profits without honour. Ora, como o pecado não paga impostos, entende-se a fúria crescente. Ou seja, doar para o Brussels pot algo equivalente a 0,5% do GDP e mais 20% do que o Treasury enviou para a EU no ano passado: simplesmente € 2,1 billion extra bill que a European Commission exige a título de revisão histórica do GNI britânico desde o ano 2002. Mas o absurdo cresce a um ritmo ainda maior. Novas faturas são também enviadas a Rome, Athens e Nicosia, apesar da sua crise financeira. Picante: a fim de os dinheiros serem distribuídos por Berlin e Paris. A demonstrar, todavia, o nothing personal/just business, o ainda comissário-Presidente José Manuel Barroso oferece a Downing Street uma luxuosa edição sobre os 10 anos no Berlaymont. O livro de 600 páginas contém 84 largas fotografias do senhor com os grandes deste mundo, como o Pope ou o Prince de Wales.
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Uma publicação interessante é o Social Justice in the EU. A Cross-national Comparison, por Mr Daniel Schraad-Tischler e Ms Christian Kroll sobre “the growing European social divide.” A merecer leitura atenta, nomeadamente nos ever-new record highs of youth unemployment, destaque apenas para uma das conclusões maiores do euromonitor da inclusão: "The gap between participation opportunities in the still-wealthy countries of northern Europe and in the crisis-struck southern nations has thus significantly increased. This is a highly explosive situation with regard to societal cohesion and social stability within the European Union. Should these social divisions persist for some time, or even worsen further, this will endanger the future viability of the entire European integration project."

A gestão política dos riscos de pobreza e de coesão mede-se também noutros quadrantes. Madame Dilma Roussef é reeleita Presidente do Brasil e confirma-se a maioria pró-ocidental no sufrágio da Ukraine, com as US 2014 midterm elections right around the corner. Mrs Hilary Clinton, Mr Jeff Bush e ainda Mr Ted Kennedy afinam aqui as máquinas eleitorais para o seu day at the races. Além do all in the family, na bissetriz surge um dado já histórico segundo a Real Clear Politics: “there are five races where the margin between the two leading candidates is razor-thin — less than a single percentage point. If those narrow margins hold on election day — with the potential of a handful of other races joining them — then 2014 would join only a select few cycles since 1900 with so many tight races.” Uma visão política lida em Whitehall através de lentes humphreyanas: "Oh Minister, let's look at this objectively. It's a game played for national interests, it always was. Why do you suppose we went into it?"

St James, 28th October

Very sincerely yours,

V.

A VIDA DOS LIVROS

De 27 de outubro a 2 de novembro de 2014.

 

Ángel Marcos de Dios é autor de «Escritos de Unamuno sobre Portugal» (F.C. Gulbenkian, Paris, 1985), que nos serviu de bússola no percurso que o Centro Nacional de Cultura organizou, sob a inspiração do nosso saudoso amigo Mário Quartin Graça, que Pedro Roseta coordenou com a segurança, o conhecimento e a sabedoria que todos lhe conhecemos.

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NOBREZA E HOSPITALIDADE
Salamanca recebeu-nos com a nobreza e a hospitalidade que todos conhecemos. Apesar da hora tardia de chegada ainda houve tempo para um jantar no Hotel Alameda Palace, capaz de recordar alguém que um dia, num grupo de notoriedades, ao sentar-se à mesa por volta da meia-noite numa jantarada em Espanha disse que mais de que jantar ou ceia se tratava de um pequeno-almoço… Não foi o caso, já que todos vinham de um almoço tardio em Santa Cruz do Douro (a outra mítica Tormes) cheios de entusiasmo por terem recordado Camilo, Eça e Junqueiro, Teixeira de Pascoaes e Eugénio de Castro, sempre com a presença forte de D. Miguel de Unamuno. Chegados às margens do verdadeiro Tormes, afluente do Douro, todos se sentiram recompensados por estarem finalmente na celebrada cidade do autor de «Por Terras de Portugal e Espanha». A ceia foi frugal e sem subtilezas. E no dia seguinte, pelas 10, hora bem prazenteira para quem fizera a longa estirada da véspera, todos estavam preparados para a «ruta unamuniana». A manhã estava bastante fresca, o que causou apreensões, depois de uma semana portuguesa de calor do verão de S. Martinho. Mas mal começou a caminhada, a temperatura foi subindo paulatinamente naquele clima seco de planalto. O sol tornou-se acolhedor e simpático e o tempo ameno acompanhou-nos durante o dia inteiro. Rumámos ao centro, com a companhia de Jesus Maria, cicerone simpático, com humor e bons conhecimentos. Paseo de la Estación, Plaza de España, Toro, Plaza Mayor, Calle Prior, até Bordadores, para onde foi viver o Mestre depois do reitorado, fazendo as suas proverbiais caminhadas em Las Ursulas e no Campo de S. Francisco. Lá está a estátua da autoria de Pablo Serrano, com o pensador com atitude de permanente interrogador e inconformista. Perante uma afirmação, tomava por sistema uma atitude crítica, essa a força do seu prestígio. D. Miguel era um incansável caminhante, considerando que a verdadeira Universidade fazia-se junto das pessoas, nas ruas, popular e próxima. A Plaza Mayor era um «corazón henchido de sol y aire». E era bom encontrar lá todos, desde os estudantes aos mestres, mas sobretudo a gente comum que ensinava a razão de ser dos costumes e a força do viver… E pode dizer-se que Salamanca, de tão antigas tradições, desde 1218, com tão grandes glórias - Frei Luís de León, António de Nebrija, Juan de Encina, Francisco de Vitória, Abrãao Zacuto, Gongora – tornou-se com Unamuno uma referência superlativa. Pedro Roseta recordou-nos em frente à casa de Bordadores (ao lado da Casa dos Mortos) os encontros com Guerra Junqueiro, e a confissão deste, ali mesmo, sobre o regicídio, que ele não desejara. Sente-se a presença do inconformista, vindo do País Basco, que não apenas se tornou professor de línguas e culturas clássicas, mas que se dispôs a interrogar o «sentimento trágico da vida». E foi essa atitude semelhante à de um Maine de Biran ou de Kierkegaard, centrada na «agonia do cristianismo», sendo o «agón», na aceção grega o permanente combate connosco em busca de um misterioso e difícil sentido, de singularidade inolvidável. Ser profundamente contraditório, Unamuno proclamou a República em Salamanca, com a autoridade de indiscutível mestre, mas deixou-se arrastar pela ilusão ordeira dos nacionalistas, até que, no paraninfo da Universidade, foi protagonista do trágico episódio em que respondeu à provocação de Millán-Astray: «Abajo la Inteligencia! Viva la Muerte!»: «Este é o templo da inteligência e eu sou o seu sumo-sacerdote. Estais profanando este sagrado recinto. Vencereis por que não vos falta força bruta. Mas não convencereis. Para convencer há que persuadir. E para persuadir há algo que vos falta: razão e direito na luta. Parece-me inútil pedir-vos que penseis em Espanha». Foi esse o último discurso do filósofo, a 12 de outubro de 1936. Nunca mais seria autorizado a regressar à sua cátedra, morrendo destroçado no último dia desse ano, quando já se feria a guerra cega e sangrenta… Tudo poderá dizer-se do grande mestre, mas nada melhor do que lembrar esse discurso duro e sereno (como ele disse dos poemas de Antero) que ficará na memória de todos enquanto houver humanidade…

 

QUE PENSADOR?
Que pensador encontrámos nesta extraordinária peregrinação invocativa? Um amante de Portugal, como ponto de encontro entre o lirismo da beira-mar e a tragédia marítima. Como diz Ángel Marcos de Dios, Unamuno sempre considerou Portugal como entidade independente; o seu amor pelo nosso país levou-o a tratar Portugal, cultural e espiritualmente, com um destino unido a Espanha, num iberismo espiritual. Daí não ter tido interesse em debruçar-se sobre a cultura de outros povos vizinhos da Espanha. E esse facto deveu-se ao especial interesse na busca dos temas fundamentais que o preocuparam no domínio filosófico, precisando da experiência portuguesa para melhor entender a identidade complexa da Espanha. Houve, de facto, contrastes psicológicos e paradoxos culturais que levaram Unamuno a compreender melhor do que ninguém alguns dos dramas espanhóis do final do século XIX, à luz da complementaridade peninsular, que levou Antero de Quental a pronunciar a célebre conferência «Das Causas da Decadência dos Povos Peninsulares» e Oliveira Martins a escrever a «História da Civilização Ibérica». Miguel de Unamuno considerou o século XIX português como o século de ouro – com destaque para a geração de Antero de Quental e de 1870, para os românticos que os antecederam (Garrett e Herculano, Camilo e João de Deus) e para os simbolistas que vieram depois (Pascoaes e Eugénio de Andrade)… Vendo-nos de fora, o autor de «Tia Tula» pôde usar um espelho para projetar e interpretar o drama de Espanha de 1898. E, ao ver o caso português, o pensador antecipou a tragédia que iria corroer o seu próprio espírito nos últimos dias de vida, já em plena guerra civil. Se dúvidas houvesse, basta ler o poema Portugal, que escreveu em 1907: «Portugal, Portugal, terra descalça / acocorada junto ao mar, tua mãe. / Chorando saudades / de trágicos amores, / enquanto os teus pés nus se banham / nas ondas salgadas, / tua verde cabeleira solta ao vento / - cabeleira de pinheiros que rumorejam - / os cotovelos descansando nos joelhos, / e a face morena entre as mãos, / pões os teus olhos onde o sol se põe, / sozinho no mar imenso, / e assim meditas no lento naufrágio / das tuas glórias do Oriente, / cantando fados de queixume e lentidão». Relembrámos tudo isto (depois de passarmos o Palácio de Monterrey, a Casa de las Conchas de D. Rodrigo Arias Maldonado, em que as vieiras são o brasão de armas de sua mulher e a invocação da Ordem de Santiago, e o Pátio das Escolas) na Casa reitoral que Unamuno habitou na Calle de los Libreros. Em cada canto pudemos voltar a recordar que o tema português não foi marginal no seu percurso intelectual. E se dúvidas houvesse aí encontrámos alinhados numa prateleira, em lugar de honra, os seis portugueses, que elegeu como símbolo da sua interrogação peninsular: Herculano, Oliveira Martins, João de Deus, Antero de Quental, Camilo Castelo Branco e Soares dos Reis. E Ángel Marcos de Dios disse-nos com meridiana clareza como cada um deles, muito mais do que em qualquer derrotismo, souberam compreender a vida como tragédia, que o mesmo é dizer, como combate pela compreensão, pela razão e pelo entendimento do sentir. São afinal, «homens de carne e osso», como começa a interrogação fundamental em «Do Sentimento Trágico da Vida»: «soy hombre, a ningún outro hombre estimo extraño»…». Foi uma lembrança de D. Miguel e do nosso amigo Mário Quartin Graça…, continuada na Plaza del Mercado no restaurante, significativamente chamado «As Meninas», para lembrarmos Diego Rodriguez da Silva Velasquez – a que se seguiu a ida à Plaza de Anaya à Faculdade de Filologia, onde ensinou Unamuno e às Catedrais Velha e Nova, reunião única do românico, gótico e barroco – verdadeiras sentinelas de Salamanca… 

 

Guilherme d'Oliveira Martins

"CREDO"


5. SONETO PARA TODAS AS IDADES

Adiante falarei mais da minha fé, e mais dela no concerto das pessoas e das sociedades. A fé, como a razão, são apanágio dos seres humanos que somos. E este ser humano é necessariamente um ser em relação, função de uma cultura. E deverá ser, dentro e fora dela, participante num diálogo. Sinto-me, muitas vezes, mais próximo dos outros do que dos "meus". Quiçá porque não tenho clube nem classe, e sou simplesmente um marginal, irritam-me as pretensões dos que sabem tudo e nada querem interrogar, tanto ou mais do que as dos que pouco sabendo tudo entendem igualmente. A Summa Theologiae de frei Tomás de Aquino estará hoje, em vários pontos, antiquada, até no método da sua construção. Mas continua a ser uma escola primária do pensamento. Sobretudo quando sentimos que o pensamento deve ser humilde, interrogador. Ser insistente na interrogação é ser infinitamente humilde... Humilde ao ponto de, concluindo uma obra gigantesca, em que nada é afirmado sem antes ser analisado, confrontado e debatido, o seu autor dizer que é palha tudo o que escreveu. A 6ª memória deste meu «No Princípio era o Verbo» será a de um passeio pelos povos das religiões monoteístas, suas vocações universais e tentações nacionalistas e sectárias. Mas esta manhã, acordei a pensarsentir as fúrias que me assaltam quando vejo que, na minha própria igreja, que sempre amei e desejei universal e acolhedora, tantas vezes se levantam dogmas e normas como muralhas ou armas de arremesso para a exclusão de outros... Não é fácil ser fiel e aberto ao abraço, e ser católico passa também por ser-se quem se refugia para abrir mais... Rezei assim:


Vim, meu Senhor, buscar o teu resguardo,

recolher-me ao silêncio de que és feito,

calado apagar as fúrias em que ardo,

e adormecer no escuro do teu peito...

 

Violentos são os lumes que ardem fora

da pura luz que a tua paz acende

no cantinho de mim onde já mora

a mansidão que dás e que me prende...

 

Em tua prisão fico e me aconchego :

menino já tão lindo de sossego,

descanso no calor da tua mão...

 

Esqueço males e raivas que ferveram

dentro de mim, mas por meu bem fizeram

que em Ti por fim pousasse o coração...

 

Camilo Martins de Oliveira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

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Thomas Nozkoswki e a pintura da vida real

‘There is so much that crosses our minds as we paint, so much I think it’s folly to imagine another person being able to even come close to the richness we create for ourselves in our work.’, Thomas Nozkowski, 2009
 

Na conversa de Thomas Nozkowski (1944) com Garth Lewis para a revista Turps Banana, em 2009 (Issue 7), Nozkowski revela que nos últimos trinta e cinco anos tenta sempre criar algo novo, através de uma apertada disciplina de trabalho e através do trabalho exaustivo da ideia que existe por trás de uma pintura. Embora acredite na possibilidade de concretização através de uma perspectiva sempre diferente, Nozkowski não anseia produzir um trabalho provocador.

‘I’m trying to translate complicated personal and even spiritual experiences into an abstract form.’

No trabalho de Nozkowski, existe uma necessidade permanente em escavar memórias, ideias e gostos subjectivos. Em contraste ou continuação com os expressionistas abstractos (com quem aprendeu na Cooper Union), o trabalho de Nozkowski encerra um processo profundamente conceptualizado, sistemático, orientado e metodológico. Nozkowski estabelece regras para o acto de pintar (nos anos setenta determinou duas regras cruciais: o tamanho reduzido das telas, 50x70cm, para assim ‘fazer do modesto algo ambicioso.’; e o facto de todas as telas terem génese conceptual na sua vida real). Esta visão pragmática está associada a uma necessidade de produzir pinturas com uma carga subjectiva e pessoal, sem recorrer preconceitos formais. Tudo o que Nozkowski faz vem do seu mundo real e não está só limitado a um determinado objecto ou espaço mas igualmente aberto a experiências interiores e exteriores. E revela que no domínio do pensamento, as ideias são sempre perfeitas e exequíveis, porém assim que confrontadas com o mundo físico todo o tipo de dificuldades aparece. Alguns dos seus constrangimentos mais práticos passam por trabalhar, do princípio ao fim de uma pintura, com um pincel muito mais pequeno do que o necessário – e esta estratégia revela-se muito útil para Nozkowski, porque vê aqui uma oportunidade para construir vagarosamente uma pintura. Nozkowski deseja ter controlo, consciência e responsabilidade sobre tudo o que dispõe sobre a tela – até porque o entendimento e a modificação de um mínimo detalhe pode modificar o todo significativamente. O tamanho reduzido, que estabeleceu para as suas telas, foi inspirado numa pintura que viu, em 1975 na National Gallery em Londres, ‘The Vision of Saint Eustace’ (1438-42), de Pisanello – ‘I saw the painting in London in 1975. I don’t know how to describe the feeling, but it was as if I knew why every stroke was made. Every color, every shape. I thought it profoundly moving, and in fact the first paintings I made in the format I now work in.’

Na sua opinião, uma vez decidido a usar como fonte de inspiração o mundo que o rodeia, Nozkowski viu-se confrontado com o grande mistério da individualidade – ‘These objects, whether they’re books or paintings, have to compete with the real world. That’s tough.’

Sendo assim abstracção, para Nozkowski, manifesta-se pela necessidade de convidar à contemplação mais do que forçar confrontação – ‘I believe that what I am doing is actually very close to our normal way of looking at and thinking about the world’. O seu trabalho deseja criar um real impacto sem impor uma presença, sem a necessidade de recorrer a um grande formato, honrando a variabilidade contínua da experiência vivida – apesar de acreditar que a linguagem criada deve ser passível de ser desvendada, deve também ser um veículo de reconhecimento da diferença. No decorrer do seu trabalho, Nozkowski afirma que se alguém é capaz de imaginar um problema, também é capaz de encontrar uma solução. E Nozkowski recusa-se a desistir de uma pintura – o que significa que alguns trabalhos demoram, por vezes, anos a terminar- ‘I come from the working class. I know that working is a pain. Believe me if I could do these things in five minutes, I would.’


Ana Ruepp

"CREDO"


«Ecce Homo» Nuno Gonçalves


4. MAGNIFICAT ANIMA MEA DOMINUM
 

No 1º Livro de Samuel, conta-se como a mãe deste assim o chamara porque, sendo ela estéril, Yahvé todavia lho dera. E quando, com seu marido Elqana, ela, Ana de seu nome, consagra a Deus o  filho do casal, recita uma oração de acção de graças que começa assim: O meu coração exulta em Yahvé! E a razão dessa alegria é o poder de Deus que inverte a ordem mundana das coisas, tira os fracos do pó, e do fumeiro levanta os pobres, e lhes dá um lugar de honra... Semelhante será o tema do hino de Maria, Mãe de Jesus, que S. Lucas inclui no seu relato da visitação a Sta. Isabel, e cujo primeiro verso serve de título a esta minha confissão: A minha alma exalta o Senhor e o meu espírito estremece de alegria em Deus meu salvador, porque se dignou olhar para a sua humilde serva... Santo é o seu nome, e a sua misericórdia estende-se de idade em idade sobre aqueles que o temem. Exerceu a força do seu braço e dispersou os homens de coração soberbo. Derrubou os potentados dos seus tronos e levantou os humildes. Saciou de bens os famintos e despediu os ricos de mãos vazias... Tal como Samuel, Isaac, filho que Abraão tem de Sara, e João Baptista, o menino que exulta no ventre de Isabel, quando esta percebe que sua prima Maria, que a visita, espera Jesus, o Salvador, são também filhos de mães estéreis. E o próprio Cristo nasce de uma virgem. E a vontade poderosa de Deus - que assim contraria a ordem conhecida - anuncia por tais sinais uma ordem nova, em que tudo o que consideramos valoroso e superior - o dinheiro, o poder, a glória deste mundo - será substituído pelas coisas humildes que menosprezamos. No evangelho dos sinais messiânicos, o de S. João, a narrativa da paixão de Cristo - conducente à sua morte e ressurreição, que dão todo o sentido ao Credo cristão - começa por nos contar a lavagem dos pés que Jesus faz aos seus discípulos, sinal dessa subversão dos valores do mundo. Sinal bem forte: o próprio Deus se humilha perante os homens, e por aí lhes diz que assim também eles deverão proceder uns para com os outros. Nos evangelhos de Mateus e Lucas, quando as multidões vão crescendo a seguir Jesus, para assistirem e, quiçá, beneficiarem dos seus milagres, Ele ensina-lhes as bem-aventuranças: Felizes os pobres, porque deles é o reino dos céus! Felizes os mansos, porque possuirão a terra, os aflitos, porque serão consolados, os famintos e sedentos de justiça, porque serão saciados, os misericordiosos, porque obterão misericórdia, os corações puros porque verão a Deus, os artesãos da paz porque serão chamados filhos de Deus, os perseguidos por amor da justiça porque deles é o reino dos céus... E se S. Lucas regista, a seguir, a maldição dos que são ricos e poderosos pela ordem deste mundo, logo insiste no apelo ao amor, até dos próprios inimigos... E S. Mateus mostra como os chamados à bem-aventurança devem ser, desde já, o sal da terra, a luz do mundo. Estes textos - o Magnificat e os outros que acima refiro - são outros tantos textos fundadores de uma reflexão mais profunda sobre a minha fé. Já antes disse que quando, perante a existência do mal, sinto angústia e revolta, recuso pensar o absurdo como logos, pois a explicação ou o entendimento não pode esgotar-se na perplexidade; perante o absurdo e a minha incapacidade de o entender, recorro ao Logos, Verbo de Deus, para iniciar um caminho de contemplação do mistério de tudo. Que logo me leva a entender, com S. Tomás de Aquino, que a vida contemplativa consiste numa certa liberdade da alma : "A vida contemplativa, diz S. Gregório, porque não se aplica às coisas temporais, mas às eternas, faz-nos entrar na liberdade do espírito." E também Boécio: "As almas humanas tornam-se necessariamente mais livres quando se põem na contemplação da inteligência divina, do que quando se dispersam pelo mundo corporal"... Assim entrego ao pensamento de Deus aquilo que não entendo ainda, mas sobre isto e a revelação divina, não posso nem devo deixar de me interrogar. Também o Ser Amor -  como Deus se revela  -  me deverá conduzir desde já às tarefas de justiça, bem-querer e paz com que se construirá na terra, nem que apenas ainda como sinal, a substância das coisas que esperamos. E ocorre-me citar Santo Agostinho nas Enarrationes in Psalmos : Dois amores fizeram duas cidades: o amor de Deus cria Jerusalém; o amor do século cria Babilónia. No livro XIV, 28, de A Cidade de Deus, escreve: Dois amores construíram, pois, duas cidades: a da terra, pelo amor de si até ao desprezo de Deus; a do céu, pelo amor de Deus até ao desprezo de si... E dirá mais tarde, quase na hora da morte: Assim, estes vinte e dois livros têm todos por assunto ambas as cidades, mas o título de todos eles vem da melhor  delas : por isso lhes chamei A Cidade de Deus... Pessoalmente, sintopenso esta cidade de deus fora do contexto maniqueu, donde muitas vezes parte o Bispo de Hipona. Antes a situo na perspectiva da vocação cristã à procura do Reino de Deus, que pressupõe o entendimento de que a ordem terrena da grandeza, poder e riqueza, tudo aquilo de que nos queremos apropriar - pelo amor de nós até ao desprezo de Deus - deverá ser subvertida pelo amor de Deus que é, necessariamente, amor dos outros, justiça e paz: a fé é a substância das coisas que esperamos. Esta nossa conversão leva-nos à denúncia da injustiça entre os homens, à comunhão no sofrimento dos desvalidos, como a de Cristo na nossa condição. Princípio de vida, que não pode nem deve ser esquecido, muito embora sejam múltiplos os dons e as opções de cada um na busca da caridade, esta sendo , não uma esmola, mas justiça para todos. Assim também, se pensar em revoluções sangrentas ou geradoras de novas injustiças, deverei lembrar-me do que frei Tomás de Aquino escreveu - em texto da Summa que já citei e aqui acrescento: ... a prudência, ou virtude política, é serva da sabedoria, porque lhe prepara o caminho, como um servo ao seu rei... a prudência considera os meios de chegar à felicidade, enquanto que a sabedoria considera o próprio objecto da felicidade, que é o supremo inteligível . Assim, se o conhecimento que a sabedoria dirige para o seu objecto fosse perfeito, a felicidade perfeita consistiria no exercício da sabedoria; mas como o exercício da sabedoria nesta vida é sempre imperfeito relativamente ao seu principal objecto, que é Deus, o acto da sabedoria é uma espécie de esboço ou de participação da felicidade por vir, que, enquanto tal, se aproxima mais da felicidade do que a prudência. Quando atrás fiz referência ao maniqueísmo, lembrava-me da ideia de pecado originalque, vezes demais, serviu para que se generalizasse o equívoco de que, para o cristianismo, o ser humano é inerentemente mau e só um qualquer castigo, sobretudo auto infligido, o libertará do maligno. Costumo dizer que, na recitação do Credo, confesso que creio na remissão dos pecados, e não que o pecado seja fé minha... Quero com isto significar que o amor de Deus - que praticamos na caridade entre os homens - não é, nem pode ser, desprezo ou menosprezo da nossa humanidade, antes pelo contrário: esta tem o valor divino que o Verbo incarnado e ressuscitado lhe trouxe. A minha fé está no evangelho (boa nova!) da alegria. Sejam pois sempre interpretadas a esta luz expressões que contrastem o amor de Deus com o amor humano. Até para não cairmos nas tentações de Nietzsche... Retenho apenas alguns dos seus juízos sobre (ou contra) o cristianismo, que me parecem ter mais relação com o que nesta folha trato. Na sua última obra, Ecce Homo, o filósofo da "morte de Deus" explica assim a acusação que, no seu O Anticristo, ao cristianismo faz de arrogância idealista: até onde for a fabricação de um mundo ideal, se vai retirando à realidade o seu significado, valor e verdade... É nessa diatribe anterior que Nietzsche acusa a religião cristã - tal como ela decorre da apresentação feita pelo clero das diversas igrejas - de promover o horror e ódio de si, e à natureza, seus instintos e pulsões (designadamente sexuais), ameaçando de castigos eternos os pecadores que não se queiram redimir através dos padres ou pastores... Tendo morrido, já louco e confinado à Villa Silberblick, em Weimar, em 1900, ele não terá tido vida e reflexão sobre os movimentos sociais cristãos subsequentes à pregação de Lacordaire e à Rerum Novarum de Leão XIII, nem sei se isso serviria outras ideias de um filósofo que também acusava o cristianismo de destruir o espírito aristocrático que diferencia as pessoas, já que o evangelho dos humildes torna as coisas mais baixas. E que lhe apontava a hipocrisia da mensagem fundadora de Jesus, que chamaria amor à ameaça do escravo contra os poderosos que correm o risco de serem condenados ao fogo do inferno... Pessoalmente, sempre me desgostou a obsessiva insistência eclesiástica no chamado pecado da carne (sexo), e sempre me sentipensei com pouco mérito mas grande alegria na comunhão de uma Igreja, em que tantos fiéis, pela sua acção, testemunham a boa nova anunciada aos pobres, cuja substância são as coisas que esperamos.


Camilo Martins de Oliveira

POSTAL TERCEIRO

 

Amigo, querido amigo:

Sei que a correspondência vem também com o puxão do nascer. Nasce uma carta e um postal que não teriam nascido se não houvesse esperança. E pode aparecer um Deus que fecunda.

Tal como o meu amigo, gosto da verdade humana, e, sobretudo, daquela que me não diz o que uma revolução quer de mim.

Afectuosamente,

Teresa Bracinha Vieira

O TEATRO DE REVISTA EM PORTUGAL (IV)

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André Brun, caricatura de Francisco Valença 

 

ANDRÉ BRUN, DA COMÉDIA E DA REVISTA À TRAGÉDIA DA GUERRA

Há um paradoxo, e não é pequeno, nesta evocação das comédias e das revistas de André Brun: é que a oportunidade e a calendarização surge no contexto das comemorações do início da Primeira Grande Guerra: e no livro de recordações intitulado “A Malta das Trincheira - Migalhas da Grande Guerra – 1917-1918”, o capitão André Brun descreve, num realismo simultaneamente cómico e trágico, os dois anos que passou no Norte de França, nas trincheiras do Corpo Expedicionário Português.

Desde logo se diga que esta narrativa, sempre dura, tantas vezes cruel nos factos vividos que descreve, não raro irónica mas sempre humaníssima, concilia-se bem com a extraordinária obra teatral do autor, que nos deixou para cima de trinta peças, sobretudo comédias e revistas. E praticamente em todos esses textos, dos mais cómicos aos mais sensíveis, o que ressalta é um substrato humaníssimo de observação de comportamentos, de situações, geralmente cómicas mas sempre com um substrato que conduz à observação e compreensão psicológica - e isto, tanto nas formidáveis comédias, como “A Vizinha do Lado” (1913) que António Lopes Ribeiro transpôs para o cinema em 1945, ou sobretudo “A Maluquinha de Arroios” (1916) que constituiu, mais de 50 anos passados, um dos maiores sucessos do Teatro Experimental de Cascais: de ambas escrevi, na “História do Teatro Português” (2001), que  “são modelares dessa textura do primeiro quartel do século XX português, com a problemática que a I Guerra reforçou”…

Ora precisamente: as memórias da guerra, vividas e descritas por Brun, transmitem um sentido simultaneamente trágico, condoído, irónico tantas vezes mas sempre solidário, da tragédia individual e coletiva da guerra. E sente-se, nestas descrições vividas, o sentido de dramaticidade, abrangendo situações trágicas mas também “cómicas” se tal se pode dizer na guerra…

Os exemplos sucedem-se, mas veja-se esta transcrição:  

«Entrevisto a minha gente.-Ah! Meu capitão! Eles mandaram aí umas “garrafas de litro”; mas cá a gente não “cortou prego”…

A quem queira fixar o português da zona de guerra, direi que os projeteis eram então divididos, conforme o tamanho, em “barris de almude, garrafas de litro e copos de meio litro”. “Cortar prego” ficou sendo ”sem medo”». (André Brun, ob. cit. Pag.41)

Ora bem: o que aqui e agora quero salientar é este extraordinário talento que permite passar da tragédia da guerra, diretamente vivida, para a exuberância espetacular da ”revista à portuguesa” como enão se dizia, para já não falar das comédias. “Se é certo que fala do medo, do sofrimento e da morte, também é certo que procurou nas condições da natureza e da condição humana aquilo que um humorista sempre procura quando admite que o riso seja temperado com o sal das lágrimas” escreveu José Jorge Letria na reedição de “A Malta das Trincheiras”. E não será por acaso que Brun a certa altura escreve, na obra citada, que “ o grande Q. G. (Quartel General), tendo acordado em que um dos meios de promover as tropas do que se chama um bom senso moral é facilitar-lhes quanto possível o bom humor, organizou a Repartição dos Humoristas com delegações nas várias estâncias da papelândia”… 

“Talento enorme de humorista,” refere Vítor Pavão dos Santos: e cita um diálogo entre a “Avenida da Liberdade” e as “Avenidas Novas”, na revista “Fado de Maxixe” (1909):

«AL – Eu sou desta aldeola em ponto grande/Desta Lisboa toda presumida/ Onde a tolice com rumor de expande/ A via mais seleta e concorrida.

“AN - Nós, Avenidas Novas/Meninas petulantes/ damos sobejas provas/ de ser- mos elegantes» …( cit. in “A Revista à Portuguesa” -   1978).

E Luís Francisco Rebello transcreve, da revista “O País do Vinho” (1909), uma “Cega – Rega do Ministério” em que o Diretor Geral, os oficiais e amanuenses, o contínuo, o porteiro, abandonam a repartição porque “O ministro foi a paço/Com certeza não vem cá/Portanto também me passo/ Que é mesmo um ar que me dá”…( in” História do Teatro de Revista em Portugal” vol. I – 1984.

DUARTE IVO CRUZ

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