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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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VIAJAR E VER

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  1. MALDIVAS

Em pleno Oceano Índico, agrupadas em vinte e seis atóis, mais de mil pequenas ilhas de coral estendem-se de norte a sul, de oeste a leste, a sul da Índia e a sudoeste do Sri Lanka, no continente asiático. Habitadas, umas, tornadas estâncias turísticas, outras, a maioria são desabitadas, vivendo a população essencialmente da pesca e turismo.

Estas ilhas, conhecidas por Maldivas, são tidas como um destino tropical, um paraíso no coração do Índico que ainda conserva o seu estado natural, onde o profundo azul do mar se abraça com recifes turquesa, praias de areia branca e palmeiras, onde o sossego, desportos náuticos e subaquáticos campeiam. Eis o seu cartaz turístico por excelência, com clima convidativo todo o ano, mesmo em época baixa, haja chuva ou uma descarga tropical tempestuosa e concentrada.

Foi numa das suas ilhas, com resort e spa, que descansei e saboreei umas férias em família, contemplando e usufruindo a natureza, num espaço térreo com menos de mil metros de comprimento e duzentos de largura, de infraestruturas turísticas e de lazer com qualidade, onde o mar, na sua imensidão, domina, e o sol, na sua inacessível altitude, ilumina. Mar e sol conjugam-se e entreajudam-se numa infinidade que esmaga a pouca terra da terrinha em que sobrevive o ser humano. Antepõem-se, coagem, ditam as suas regras à pequenez terrestre que aí subsiste, até quererem, mesmo quando artificialmente prolongada, por obra humana, mar adentro, em apelativas habitações, pontes e passeios marítimos. Wellcome, Hello, Have a nice day, Enjoy it, são frases feitas, acolhedoras e simpáticas, que de tão repetitivas se tornam banais, dando azo a uma sensação de fuga, a um não querer ouvir mais, com efeito inverso ao desejado. Por maioria de razão num espaço insular, onde o excesso é mais sentido.

Eis-me, assim, neste mais mar que terra, rodeado pelo Índico que foi Mar Português, em tempos idos, aquando do achamento das Maldivas pelo primeiro europeu e navegador português Simão de Andrade.

Japoneses, chineses, sul-coreanos, de Taiwan e Singapura, eram as nacionalidades mais representativas, numa percentagem maioritariamente significativa de asianos (a que não é alheia a proximidade geográfica), por confronto com uma proporção menos relevante de ocidentais e uma minoria árabe.

Os turistas asiáticos avultam e diferenciam-se. Por mais discretos que sejam, há situações em que a sua propalada discrição os ultrapassa, não passando despercebidos. Lembro-me dos magotes de japoneses, chineses e sul-coreanos, entre outros, que aparecem e desaparecem de imprevisto, em cruzeiros, em grandes e pequenos grupos organizados, em família, quais pequenas formigas e bailarinas ambulantes, que vão e vêm, concentrando-se, deslocalizando-se, reunindo-se e dispersando-se, usualmente num coletivo, pequeno ou massificado. Mesmo se cautelosos a expressarem-se, fazendo o culto da reserva e do silêncio, são chamativos pela sua quantidade, por estarem sempre presentes com condutas programadas e previsíveis entre si, captando a atenção do outro, desde logo dos ocidentais. O que é reforçado com o serem useiros e vezeiros no uso de toda a panóplia de máquinas fotográficas, câmaras de filmar, tablets, iphones, ipads, ipods, telemóveis e similares, fotografando e filmando tudo, a começar pelos próprios, num rodopio constante, tantas vezes exaustivo, interrogando-me se é inerente à sua essência, ou se mais narcísico que agradável. Também aqui é flagrante o contraste entre uma aparente discrição no falar e passar entre os pingos da chuva e a indiscrição entre o uso e abuso de toda a gama de novas tecnologias, que de tão usadas, exibidas e fruídas, se tornam inconfidentes. Alguns modos e usos eram desproporcionalmente chamativos, dada a desproporção do tamanho dalgumas câmaras com a estatura dos donos, tendo o seu máximo chamariz num jovem casal de anões. Por vezes sucede o inverso, de tão minúsculas que são, tornando-se indiscretas para um observador que se preze. Em qualquer circunstância, filmam-se e fotografam-se exaustivamente, numa aparente verosímil e perene compensação do ego, o que factualmente se evidencia.
Qualquer caricatura que os caricature, não pode ocultar essa particularidade, dado que, por um lado, os individualiza, mas cuja mentalidade grupal, por outro lado, o permite, porque uma conduta aceite e universalizada por todos.

Sintomático que num dia meio chuvoso, cinzento, encoberto e não solar tenham exigido, em grupo, a feitura dum cruzeiro de barco para ver o pôr-do-sol, alegando ser parte integrante do pacote turístico, não aceitando adiamentos ou compensações, mesmo não surtindo efeito útil, dada a sua impossibilidade, ao invés doutros turistas, nomeadamente ocidentais. O que não impediu manifestações pontuais e inconfidentemente originais, à revelia da pressão do grupo e dos outros, revelando-se contra um comportamento geral tido como de postura e etiqueta social, como numa estudada e ostensiva sessão fotográfica duma meneante e sensual linguagem corporal recíproca, entre uma beldade nipónica e um impudico assistente driblador dos trópicos. Em analogia com uma sessão de modelos, num seleto espaço paisagístico, por entre reflexos cromáticos refletindo os efeitos solares incidindo no mar e águas de uma elegante piscina estrategicamente situada. Numa ousadia para os costumes, tradições e religião dos locais, mas não, ao que parece, sendo turistas estrangeiros, numa ilha desabitada por nativos.

Mas se a maioria destes orientais não se cumprimentavam com beijos na face, nem se abraçavam ou davam as mãos em público, essa quase inexistência de contacto físico é suprida, em opulência, com manifestações de afeição e carinho entre casais em viagem de núpcias e recém-casados, em condutas análogas às dos seus pares ocidentais, fazendo-se filmar e fotografar em poses alusivamente explícitas, que o ambiente natural e humano envolvente incentivam. Como que a desejarem prender e possuir a beleza do momento e do lugar. Estas paragens e paisagens são pródigas e propícias a esse nível, aliando à qualidade e limpidez do seu estado natural, uma intervenção humana amiga do descanso e sossego, para quem o queira apreciar e saiba experimentar.

Todavia, há em todos estes viajantes asiáticos uma ocidentalização no vestuário, desde a roupa diária, à de praia, piscinas, de desportos, corroborada pela adaptação ao modo funcional e prático das refeições, demais lazeres e relacionamentos.

Ao inverso dos turistas árabes, onde sobressai uma permissiva ocidentalização masculina no vestir e outras condutas, por oposição às proibições femininas. Embora em minoria, por mais discretos que sejam ou tentem sê-lo, também nunca passam por não notados. Em especial pelo flagrante contraste entre a informal maneira de estar dos homens, e as impositivas regras islâmicas no uso imperativo da burka, para as mulheres, sempre cobertas de negro, da cabeça aos pés, não frequentando praias ou piscinas em fato de banho, não conversando nem se relacionando com estranhos. Nos restaurantes a mesa era escolhida estrategicamente, o mais isolada possível, onde a mulher fica sentada de costas para os demais, com exceção do marido, em frente do qual, e tão só, destapa o rosto para comer, levantando o véu o estritamente necessário, protegendo-se de ser vista pelos outros. Viajando de barco, passeando ou sentando-se no areal, indo ao spa, iam sempre acompanhadas e de burka, apenas os olhos e pontualmente as mãos se visualizando. Curiosamente, não vi nenhum árabe fazer gala do seu vestuário tradicional, antes se vestindo à ocidental, não esquecendo o fato de banho.

Sendo os ocidentais mais liberais, e sendo todos os usos e costumes adaptados e filtrados consoante o lugar, as pessoas, o contexto situacional e o que é esperado pela sociedade, de igual modo as Maldivas não são exceção. Tendo como religião principal o islamismo, que proíbe vestuário feminino sensual e a venda de bebidas alcoólicas, constata-se que tais interdições não fazem lei para as não nativas, nestas estâncias turísticas construídas em ilhas inabitadas por locais. Os empregados são quase todos homens, na cozinha, restaurantes, bares, arrumação e limpeza de quartos, ruas, caminhos, piscinas. Mulheres laborando, só pontualmente, e não locais, pelo que vi. Por exemplo, de regresso, do resort até um aeroporto local, fomos auxiliados por uma jovem da Bielo-Rússia. Predominando jovens tailandesas no spa, aqui e ali uma ou outra indiana, filipina, ou quejanda. Em ilhas habitadas em permanência as autóctones laboram nos check-in/out de aeroportos, como hospedeiras de avião, etc, de roupa funcional e rosto descoberto. E apesar dos muitos emigrantes a trabalhar nas Maldivas, da Índia, Sri Lanka, Nepal, Bangladsh, em comunhão com trabalhadores locais, incluindo temporariamente estudantes-trabalhadores, são percetíveis alguns olhares arregalados, quando não lascivos, bem como comentários ininteligíveis a ocidentais.
Alguns, na sua presunçosa virilidade, são infantilmente ridículos, mesmo que não ofensivos. Proibir sim, mas só para as locais, guardando-as de contágios alheios.

Portugal, para os indígenas com que falei, equivale a Cristiano Ronaldo, prova consumada da globalização e popularidade megalómana do futebol. Só um interlocutor, emigrante nepalês, foi mais longe, revelando ténues conhecimentos das antigas estadias e heranças dos portugueses por aqueles mares e terras. Foi gratificante constatar numa listas seleta de vinhos, num restaurante selecionado, um tinto, um branco e um rosé de Portugal, além dos já clássicos vinho do Porto e da Madeira. Um produto com futuro, a que não é exógeno o facto de estarmos entre os dez maiores exportadores mundiais, com tendência ascendente. Refira-se, ainda, uma seleção diária, em folhas A4, de notícias em português, a par do inglês, francês, castelhano, alemão, italiano, chinês e japonês, atestando a internacionalização e universalidade do nosso idioma. Anote-se reagir-se com simpatia ao nosso país e à nossa nacionalidade.

Como país mais plano do mundo, tendo como capital Malé, pequena cidade incaraterística, tenta atrair investimentos, o que tem conseguido pelos baixos custos de implantação e de mão-de-obra, aliados às suas potencialidades turísticas, levando multinacionais do ramo a aí se instalarem, sendo marcante a diferença entre ilhas de turismo (despovoadas e apropriadas para turistas) e povoadas (por nativos, bem mais pobres e menos apelativas). Apesar do estado natural e sua preservação, descanso e sossego, não poluição e atmosfera pacífica, não vi aproveitamento energético via painéis solares, o que é um desperdício num local onde o sol é companhia permanente.

Para amantes de sol e praias exóticas e de um doce, pessoal e reservado sossego, são as Maldivas potenciadoras de uma experiência inesquecível. E uma atração e mais-valia para os apreciadores e profissionais de mergulho subaquático, dada a visibilidade e temperatura debaixo de água, vida marinha e suas mudanças, os afamados corais, sem omitir o snorkeling, jogos de pesca, lições de desportos aquáticos, entre outros eventos. Por entre mar e terra, paisagens puristas, habitações integradas em belíssimos cenários, muitas delas sedutoramente implantadas sobre o mar.

Pese embora algumas reclamações por ausência de uma certa agitação musical e social para jovens adultos, conjugada com alguma dificuldade em socializarem momentos em grupo, foram um privilégio estas férias em família, no mais pequeno país asiático, reforçado por possíveis em conjunto, mais um ano, tanto mais que, pela evolução natural das coisas, as gerações mais novas tendem a autonomizar-se, voando cada vez mais alto.

 

Impressões pessoais das Maldivas, em Agosto de 2014
Texto revisto em 01 de Dezembro de 2015
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

 

 

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA


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          Minha Princesa de mim:

Leio na Lapham´s Quarterly, reproduzido num artigo de Danielle Peterson Searls, este retrato  --  feito pelo monge Orderico Vital, autor também de uma história eclesiástica  --  do Réchin (o carrancudo, trombudo) que foi o conde Foulques d´Anjou (1043-1109), que calçava esses sapatos de ponta rebitada que, escreve Orderico, encorajam uma nova moda no Ocidente, para maior alegria de homens frívolos em busca de novidades. Para satisfazê-los, os sapateiros fabricam sapatos com as extremidades recurvadas como caudas de escorpião... E quase todos, ricos e pobres, querem hoje calçar-se assim. Dantes, os sapatos tinham sempre biqueiras redondas, ajustadas ao pé, e correspondiam às necessidades dos homens de todas as classes, fossem clérigos ou leigos. Mas doravante, os leigos, por vaidade, adoptam uma moda que traduz a sua corrupção moral. A moda dos sapatos afunilados, de bico revirado ou não, durou muito tempo, designadamente nos castelos e palácios das cortes feudais e reais. Tenho diante de mim uma iluminura de Jean de Wavrin que, na Chronique d´Angleterre, ilustra um banquete oferecido por D. João I de Portugal a John of Gand: os fidalgos que ali servem assim estão calçados, um deles até levanta alto um pé, no seu passo, com o outro quase pisando o igualmente longo sapato de um senhor... E julgo lembrar-me de um retrato, ainda no século XV, do Senhor Dom Afonso V "talqualmente" calçado.

Ao que parece  --  pelo menos assim afirma a Lapham´s na sua edição de Setembro deste ano, dedicada à moda (Fashion)  --  os cruzados, de regresso à pátria europeia, trouxeram dos califados do Médio Oriente novas razões de conceber o vestuário... Sabemos todos que, na Idade Média, e até mais tarde, o modo de vestir era regulamentado, quer no tocante aos materiais utilizados (sedas, linho, lã, etc.), como quanto aos ornamentos (joias e bordados) ou acessórios (capas, espadas), já que o vestuário correspondia à definição de um estatuto de classe, numa sociedade hierarquizada e com pouca mobilidade. A articulista, antes de contar a história da ruptura que as modas trazidas pelos cruzados impuseram aos códigos medievos do "parecer", sublinha bem que a rigidez do sistema medieval contrasta com a concepção moderna da moda, em que primam as aspirações e a mobilidade  --  seja quando uma condessa decida vestir-se como rainha, ou uma adolescente americana queira parecer-se com uma parisiense. Para maior clareza, transcrevo um parágrafo em que se recorre à opinião de Roland Barthes, expressa em La Mode et les Sciences Humaines (1966): ele estabelece uma distinção entre a prática universal do adereço e aquilo a que hoje chamamos moda. Moda não é só vestuário e acessórios, é também uma linguagem que se adapta a um tempo e um espaço. Independentemente das razões evidentes pelas quais o vestuário foi inventado, Barthes afirma que a moda desempenha uma função essencial: contar uma história. O porte de um vestido em vez de outro "é um acto de significação e, portanto, um acto profundamente social". Tudo isso que li me leva, Princesa também por vezes vaidosa ou sorridentemente coquette, a rever conceitos e funções do vestuário. Desde logo se impõe a ideia da sua necessária utilidade: os humanos vestem-se para se protegerem das condições meteorológicas, tal como se calçam em função das asperezas, consistências e temperaturas dos solos que pisam. Afinal, também cobrem o corpo para protecção contra animais e insectos, ou mesmo plantas. Para estes efeitos, começa por utilizar peles de animais, folhas, cascas e outros materiais de origem vegetal. Só mais tarde aprenderão a transformá-los, curtindo, tecendo, etc.. Já industriosos, inventam arranjos e combinações de materiais desenhos e cores, e assim concebem uma nova função para o vestuário: a função estética. O que nos cobre da cabeça aos pés, para nos proteger, começa então a ser também um enfeite que nos faz parecer assim ou assado, que evolui e muda conforme ao gosto de cada um ou aos cânones que regem as aparências e as relações num grupo social. Irá pois o vestuário ganhar uma nova função: a semiótica. Pela terra inteira, das mais diversas maneiras, vestuário e calçado vão significar condições de sexo e idade, de estatuto familiar, social, político e religioso, profissões e cargos, desde os mais humildes até à realeza... As informações reunidas e transmitidas por esse modo podem, aliás, dizer mais do que só sobre a pessoa que assim se veste e calça: culturas houve em que vestidos de mulher chegavam a indicar a diferença de idade relativamente ao marido. Na Suécia, lenços de viúva evoluíam, ao longo dos anos de viuvez, do negro liso até menos negro e outros desenhos, significando sempre o tempo decorrido. Os kimono das senhoras japonesas, pelo comprimento e folga das mangas, como pelo modo de enlaçar o obi (faixa de seda à cintura) aponta serem solteiras ou casadas, e mesmo, por mais livres e decotados, se se trata de cortesãs. Além disso, o padrão ou estampa dos tecidos, conforme o tipo de flores ou folhas desenhados e as suas cores, informa-nos das respetivas idades ou geração... No ocidente europeu, também se simbolizaram motivos e cores. Os paramentos litúrgicos da Igreja Católica, por exemplo, vão cambiando as cores, de acordo com os tempos litúrgicos (Advento, Natal, Quaresma, Páscoa, Tempo Comum) ou os santos festejados (mártires, confessores, virgens, etc.). Nesse caso, a utilização das cores foi canonicamente fixada. Mas, alhures, o significado cromático variou bastante: no século XVI, por exemplo, vermelho era orgulho, violeta traição, cinzento esperança, enquanto no século XV esta ainda se vestia de verde, em memória da Primavera, e, quiçá por lembrar a púrpura romana, o vermelho era manto da realeza e hábito de festa, como nos vestidos de noiva. Estes tornaram-se brancos  --  que é cor de luto noutras culturas, e até o foi para rainhas de França  --  mas que, antes de significar virgindade ou pureza, já quis dizer fé e humildade. Se os bispos e cardeais se vestem de púrpura, que é cor de prelado (o prae latus, aquele que tem precedência, que é levado à frente), já o papa se veste de branco, em sinal de humildade: foi S. Pio V, papa do século XVI, que quis conservar o seu hábito branco de dominicano, frade pregador e mendicante, o fundador dessa "moda" papal. O preto é, para nós, tom de luto. Mas Filipe o Bom, duque de Borgonha, marido de Isabel de Portugal e Lencastre, filha do nosso D. João I, pai de Carlos o Temerário e avô do imperador Carlos V, este casado também com uma Isabel de Portugal, filha de D. Manuel I, vestia-se de negro, para melhor realçar o brilho das joias que trazia. A partir daí, de negro se vestiram soberanos espanhóis, como os conhecemos por retratos de Filipe II, seu filho, e até os nobres e burgueses dos Países Baixos, os muitos  que vemos na pintura holandesa do século XVII... talvez por desafio ou emulação do "papista espanhol"! Com tanto desfiar de conversa, minha Princesa de mim, já me esquecia dos sapatos arrebitados e da oriental moda dos cruzados, por estes trazida até cá desde o califado fatimita: tecidos e adornos variados, bordados e coloridos, sedas e pedrarias, eu sei lá quanta vaidade e luxo... Refere, no seu artigo, a Danielle Searls que Geoffrey de Vinsauf, poeta e escritor inglês do século XII-XIII, conta que, em 1192, o exército de Ricardo Coração de Leão atacou uma caravana turca e se apropriou de ouro e prata, de capas de seda, de vestidos violeta e escarlates,  de vestuário com diversos enfeites... E eu, Princesa, aqui estou, de robe de chambre simples, no meu gabinete forrado de livros, terminando esta carta com que espero distrair-te de outras vaidades e coisas menos bonitas ainda... Fecha os olhos e vê-me, que te sorrio

 

                                        Camilo Maria

 

Camilo Martins de Oliveira