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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES - LIV

 

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A DOUTRINA DE JOSÉ RÉGIO SOBRE ENCENAÇÃO

 

Faço hoje aqui uma breve evocação/citação de José Régio como doutrinador e teorizador da estética e até da técnica do espetáculo, na perspetiva expressa e assumida dos atores e encenadores. E vale a pena então lembrar que Régio, para além da qualidade, força poética da linguagem e sentido de espetáculo da sua dramaturgia, com os condicionantes da longa permanência em Portalegre, esteve sempre próximo da produção teatral a partir designadamente da encenação da sua primeira peça, “Sonho de Uma Véspera de Exame”, representada no Teatro Portalegrense em 30 de Março de 1936, fará em breve 80 anos, em récita de alunos do Liceu onde Régio lecionava.

António Braz Teixeira, no Prefácio à edição do Teatro Completo de José Régio (ed. INCM vol I- 2005) assinala a existência de umas cenas de “revista”- espetáculo musicado, escritas pelo jovem José Maria dos Reis Pereira, nos seus 16/17 anos, muito antes de adotar o pseudónimo do José Régio que o consagrou. Braz Teixeira resume a cena, comentando que aí se “revela já inegável talento, sentido espetacular e clara apreensão de algumas das exigências da revista”.  

Eu próprio me ocupei também dessas peças inéditas e/ou esquecidas de Régio. E ocorre uma curiosa convergência: no mesmo Teatro Portalegrense, inaugurado em 1858, projeto do arquiteto José de Sousa Larcher inspirado no primeiro Teatro Ginásio de Lisboa, Amélia Rey Colaço fez a sua última aparição em cena, em 1985, numa récita única de “El-Rei Sebastião” de Régio, no papel da Rainha Catarina.

Vale a pena transcrever parte do depoimento de Amélia acerca desta atuação, recolhida no recentíssimo livro de Vítor Pavão dos Santos de que já aqui falamos. Diz Amélia:

“Há quinze anos que não representava e num desses solilóquios, aqui sozinha, pensei: Mas que diabo, ainda havia uma personagem para a minha idade que eu podia fazer (…) A ideia era muito bonita mas uma coisa é o sonho e depois vem matéria. Pensei fazê-la com o João Perry, depois com o Sinde Filipe, e só pensava nisto, até de noite, sem poder dormir queria fazer El-Rei Sebastião, depois foi o José Wallenstein que fez e fez muito bem. (…) senti uma insistência que não era de mim”… (in Vítor Pavão dos Santos – “O Veneno do Teatro ou Conversas com Amélia Rey Colaço”- 1915).

E já agora: a “casa sinistra” onde Benilde ouve as suas vozes situa-se “em qualquer solidão do vasto Alentejo”, plausivelmente Portalegre… (”Benilde ou a Virgem Mãe” - 1947). E é de notar ainda que Portalegre terá tido algo como 16 teatros! (cf. José Martins dos Santos – “Teatro em Portalegre -1989”: Duarte Ivo Cruz “Teatros de Portugal” - 2005).

Ora bem: referimos hoje os conceitos de José Régio sobre a arte do ator/encenador, publicados pela primeira vez em 1949 no “Primeiro Volume de Teatro” e posteriormente retomados em sucessivas publicações e designadamente em “Vistas sobre o Teatro” publicada, na versão final de 1968, nos “Três Ensaios sobre Arte”. Vejamos, numa longa citação, o que Régio aí escreveu sobre aqueles criadores/executantes do espetáculo:

“A passividade do ator e do encenador perante o texto dramático nada tem de vexatória. Se me é permitido esta paradoxal, todavia justa, manifestação de me exprimir, é uma passividade ativa: pois, além das apontadas manifestações na sua atuação na realização cénica dum pensamento teatral expresso num texto, a verdade é que tanto o ator como o encenador podem, numa certa medida – medida tanto mais larga quanto mais inteligentes e sensíveis forem na sua arte e profissão próprias – enriquecer, completar, tornar comunicável esse texto. Alterando-o, desfigurando-o, traindo-o? De modo nenhum. Mas enchendo, pela simples mímica, os silêncios de que o poeta dramático não pôde senão sugerir o sentido; mas criando, quer pela marcação de toda a movimentação em cena, quer pela revelação dos vários elementos espetaculares, um ambiente ou meio que o poeta só interiormente vira, e pela palavra não conseguira senão fazer entrever; mas desenvolvendo, por apreensão da sua sensibilidade inteligente, por adequado e sensível emprego dos seus recursos técnicos, virtualidades e subentendidos do texto que o mesmo autor porventura não chegara a consciencializar. Nisto se revelam artistas o ator e o encenador e o papel tanto dum como doutro se torna muito importante. Tão importante que sem a sua apropriada ação, nenhuma obra dramática, por mais bela que literariamente seja, pode chegar a viver como teatro”.

Notável análise doutrinária do fenómeno e do espetáculo teatral. Coerente com a qualidade ímpar da criação literária de José Régio, em todos os géneros, mas sobretudo coerente com o sentido de dinâmica de espetáculo – e aí, tanto mais de registar quanto é certo vir ela de quem ao longo da vida esteve afastado dos grandes centros de produção de espetáculo, mesmo de Lisboa…Ora, o teatro de José Régio é eminentemente espetacular.

E para terminar: curiosamente, “Jacob e o Anjo”, traduzido em espanhol e em francês, estreou-se em Paris, no Studio des Champs-Elysées em 1952; em Lisboa, só em 1968! Mas, no seu conjunto, o teatro de José Régio acabaria por ser interpretado, ao longo dos anos e das peças, pelo melhor que existiu ou existe na cena nacional: entre tantos mais, nas diversas peças e produções, recordamos Eunice Muñoz, Madalena Souto, Maria Barroso, Amelia Rey Colaço, Lus Veloso, Linda Bringel, Fernanda Figueiredo, Maria de Jesus Aranda, Teresa Mónica, Maria Tavares, Maria João Galope, Augusto Figueiredo, João Mota, Carlos Duarte, Samwel Dinis, Assis Pacheco, Andrade e Silva, João Perry, Erico Braga, Álvaro Benamor, João Lourenço, Hugo Casais, Joaquim Rosa, Costa Ferreira, Carlos Cabral, Vitor de Sousa, Sinde Filipe, José Wallenstein, Batista Fernandes, Fernando Midões, Carlos Santos, Dário de Barros, Jorge Sousa Costa…

E encenações de Jacques Charpin, Orlando Vitorino, Amélia, Costa Ferreira, Norberto Barroca, Claude Henri Frèches, Pedro Martins.

Voltaremos ao teatro de José Régio, na perspetiva dos atores encenadores mas também, como temos feito, na análise da dramaturgia originária do espetáculo.

 

DUARTE IVO CRUZ