ATORES, ENCENADORES - LV
REFERÊNCIA A ATORES CONSAGRADOS E INESPERADOS
Acaba de ser publicado um curioso e muito interessante livro contendo os depoimentos de 13 figuras determinantes da vida portuguesa contemporânea, das mais variadas áreas de criação/ação – da literatura à filosofia, à cultura em geral, à universidade, à indústria, à política, à religião e ao desporto: todos eles felizmente vivos, não obstante diferenças de idade, através de depoimentos diretos, recolhidos e coordenados por José Eduardo Franco, Rosa Fina e Susana Alves Jesus. “Portugal Vencedor – Vidas Empreendedoras em Entrevista” se chama a obra, (ed. Eranos -2015) e o título adequa-se totalmente ao conjunto dos depoimentos e às individualidades que os prestam.
No que toca ao teatro, assinala-se desde logo um aspeto interessante. Há quatro depoimentos com ligações diretas à criação teatral e ao espetáculo: Rui de Carvalho, Luís Miguel Cintra, Filipe La Feria e Rómulo de Carvalho, este referido por Guilherme d´Oliveira Martins, que foi seu aluno no Liceu Camões. E aí se recorda, como veremos adiante que se trata do dramaturgo António Gedeão. O depoimento de Luís Miguel Cintra constitui uma evocação do padre Manuel Antunes, de quem foi aluno na Faculdade de Letras de Lisboa. Dele e de Filipe La Feia falaremos noutro artigo.
Por seu lado, Rui de Carvalho fala da carreira de ator, que aliás outra não teve. Dela já aqui me ocupei com destaque para a sua intervenção em espetáculos musicais (crf. Atores, Encenadores - XVII – 10.06.15). Nessa crónica lembrei a abrangência cultural e profissional de Rui de Carvalho como ator. Não pode ser mais justa a designação que lhe aplica José Eduardo Franco. Rui de Carvalho é de fato um “mestre de teatro”, como refere o subtítulo do depoimento e muito bem: a careira em rigor inicia-se numa récita escolar, a que se seguiu o ingresso na então chamada Secção de Teatro do Conservatório Nacional. Daí para a frente, e até hoje, o ator evoca sua vida artística, com algumas referências destacadas: por exemplo a inauguração do teatro na televisão em 1957 com o vicentino “Monólogo do Vaqueiro”, o que em si mesmo envolve uma transversalidade de época e de expressão dramática que deve ser salientada: entre as duas “estreias” decorreram algo como 450 anos!
E ao longo do depoimento, Rui de Carvalho cita alguns espetáculos referenciais, com destaque para “O Render dos Heróis” de José Cardoso Pires, espetáculo de que bem me lembro. E explica por que “elege sempre ”essa personagem que interpretou, entre as muitas e muitas centenas a que deu vida, no teatro, no cinema, na televisão: “Elejo-a porque a minha personagem era o povo português, era o cego que era cego quando queria e que via quando queria”…
Mas vejamos o depoimento de Guilherme d´Oliveira Martins sobre Rómulo de Carvalho - António Gedeão no âmbito de um Clube da Ciência no Liceu Pedro Nunes, onde Rómulo era professor e Guilherme d´Oliveira Martins aluno e colega de Nuno Crato. Recorda então que Crato pediu a Rómulo para autografar um livro de António Gedeão. Para espanto de Crato. Rómulo diz: “Desculpe, mas esse não sou eu…” mas acrescenta “Deixa Ficar”. Leva o livro e no dia seguinte devolve-o dizendo – “Olha, o livro já foi autografado”. Mas acrescenta Oliveira Martins que “deixou no ar a dúvida sobre quem assinara”….
E recorda ainda Guilherme d´Oliveira Martins que Rómulo “não estava presente nas reuniões do Clube da Ciência (mas) orientava e dizia «pois bem sigam essa pista» e depois via os resultados. Dava-nos de facto uma grande autonomia, mas era muito exigente. Era um grande pedagogo. Dava essa liberdade para ver como é que cada um seguia os seus caminhos” (ob. cit. pag.113).
Ora bem: Rómulo de Carvalho – António Gedeão foi episodicamente ator, num tradição familiar que vinha do seu pai, José Avelino da Gama Carvalho, também músico-cantor na Sé de Lisboa, e do avô Sebastião Jaime, este, mestre de capela na Sé de Faro. Quem o recorda é Cristina Carvalho, filha de Rómulo, que assinala intervenções de Rómulo de Carvalho em espetáculos teatrais: designadamente numa récita de estudantes, com um texto escrito em parceria com um colega da Faculdade de Ciências, Carlos Bana, texto intitulado “Quod este, est” representado no Teatro de São Carlos em 1926, mas não só. (in “Rómulo de Carvalho/António Gedeão – Príncipe Perfeito” – ed. Estampa – 2012).
Vejamos pois o que nos diz Cristina do seu pai:
“Rómulo dançava e fazia de ator e cantava muito bem. A sua voz de barítono entoava as mais diversas áreas, as mais belas canções que, por aquela altura da sua vida, a juventude, eram canções amorosas. Chegou mesmo a cantar no Teatro Nacional D. Maria II, numa ocasião em que o senhor Gama, seu pai, adoeceu da garganta e não pôde cantar. E nesse dia, a coberto dos bastidores, Rómulo cantou, com muitos aplausos no final, uma serenata italiana”!... (ob. cit. pag.46).
DUARTE IVO CRUZ