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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A poesia holandesa deste século

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Um pequeno país, mas não uma “pequena” literatura

Um Mundo Claro, Um Dia Escuro” (Limiar, Porto, 1988), de August Willemsen, tradutor holandês, importantíssimo mediador cultural, numa selecção de oito poetas holandeses que traduziu com Egito Gonçalves: obra a reter.

Curiosamente algumas traduções, também de uma outra vasta selecção de poesia dos Países Baixos, não foram alheias às mãos de Carlos Drummond de Andrade que, pouco tempo antes de falecer, trabalhou com August.

August Willemsen, tradutor de Fernando Pessoa e grande responsável pelo estudo e divulgação no espaço holandês das literaturas de língua portuguesa e que neste livro nos diz: « Sendo Fernando Pessoa do conhecimento quase geral na Holanda, já é tempo de alguém retribuir a gentileza, dando a conhecer ao público português alguns dos pontos culminantes da poesia deste século.»

A verdade é que se a pintura holandesa de Vermeer e Rembrandt e Van Gogh, entre outros, obteve fama mundial, a literatura holandesa, em parte devido ao desconhecimento da língua, levou a que poucos fossem, os que, fora dos seus limites linguísticos a conheceram. De resto as áreas de grande luz literária, tais como a inglesa, a francesa e a alemã criaram cerco ao espaço linguístico holandês.

Chama-nos August Willemsen a atenção para o ano de 1830, quando a Bélgica surge como nação independente e que faz emergir uma literatura holandesa e flamenga. Contudo, o sec. XVII, época dos grandes mestres da pintura e dos empórios de Antuérpia e Amsterdam, constituiu um tempo de ouro dos dramas clássicos da literatura holandesa dos quais se destaca Vondel, entre outros, que pertenciam ao chamado “Circulo de Muiden”, verdadeiro núcleo activo de cultura. O dramaturgo e poeta Joost van den Vondel (1587–1679), escreveu principalmente tragédias bíblicas, mas tornou-se conhecido por aquela que é considerada a melhor de suas obras, a tragédia de Lúcifer.

Muiderslot é um dos castelos mais visitados da Holanda e a bonita vila que fica ao lado do castelo chama-se Muiden. Assim “ o “Circulo de Muiden” que se reunia no castelo, e ao qual pertenciam escritores, cientistas, enfim, personalidades intelectuais marcantes, são ainda hoje mencionadas com minucia aquando das inúmeras visitas turisticas que o castelo recebe.

Até 1880 teve de esperar a poesia holandesa para que a chamada “Geração de 80” a levasse a nível europeu. “Le Miroir des Heures”, poesia holandesa de Jacques Bloem (1887-1966) foi-me emprestada por um colega da Sorbonne, escrita em folhas soltas retiradas de um livro muito usado, mas de cujas palavras resultava um poeta desencantado, doce, impressionista e de inegável qualidade. Fiquei à espera, curiosa de um dia poder ter mais poetas holandeses traduzidos e para a lingua portuguesa.

Enfim, os oito poetas holandeses desta pequena antologia que refiro “Um Mundo Claro, Um Dia Escuro”, e refiro-me a Bert Schierbeek, Gerrit Kouwenaar, Lucebert, Remco Campert, Hans Faverey, Cees Nooteboom, J. Bernlef, Arie Van Den Berg, trabalham a palavra, a comunicação e a incomunicabilidade, a voz e o silêncio, usando uma elegância que nos faz despertar o interesse perfeito pela poesia holandesa.

De Hans Faverey

O barco em que se deve

deixar baloiçar

um homem. Uma mulher


em que se pensa, em que o homem pensa,

 

até ao último momento, talvez.

devemos então fechar os olhos

 

para ver como, mar calmo

e vista clara, o barco uma vez

após outra, cada vez mais penetrante,

alcança o mesmo promontório.

 

Grata a August Willemsen, grata a quem nos não condene ao não conhecimento do fascínio da grande literatura de um pequeno país.

 

Teresa Bracinha Vieira
Dezembro 2015