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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A LÍNGUA PORTUGUESA NO MUNDO

 

 

   IX - O REGIME LINGUÍSTICO NA UNIÃO EUROPEIA

 

   O Regime Linguístico vigente na União Europeia (UE) baseia-se no princípio da igualdade linguística, segundo o qual todos os países que a integram veem consagradas as respetivas línguas oficiais como línguas comunitárias. Reconhece como línguas oficiais e de trabalho as línguas de Estado de todos os seus membros consagrando, em termos normativos, a igualdade linguística de direito. Consagrou-se um regime plurilingue, de pluralismo linguístico geral ou de não discriminação, em conjugação com o princípio da igualdade das línguas, tendo todas a mesma dignidade, em paralelo com a sobrevivência das culturas, como defende a UNESCO. Este princípio de plurilinguismo teve como antecedente o tratado fundador da Comunidade Económica Europeia, de 1957, que reconheceu como idiomas oficiais e de trabalho os quatro idiomas oficiais dos quatro países fundadores. Apesar de tida como uma solução avançada apresenta, para outros, um défice via discriminação das línguas usualmente tidas como minoritárias ou menos usadas na UE, como o catalão, o gaelo-irlandês, o basco, o suomi (finlandês) e o saami ou lapão.

 

   Factualmente, porém, a proclamada igualdade linguística, tem-se confrontado com uma bipolarização de interesses: por um lado, o denso e incessante intercâmbio internacional de pessoas, bens, capitais, ideias e serviços, faz progredir a compreensão internacional, promovendo o respeito pela diversidade cultural e linguística; por outro lado, o desenvolvimento daí resultante propicia a tendência para uma uniformização cultural e linguística, agredindo ou ameaçando a sua diversidade, numa tendência para o glosso-centralismo. Resultado de uma dinâmica velocista num mundo globalizado, defende-se uma língua hegemónica nas relações comunicacionais e internacionais globais, levando à hegemonia de uma sobre as outras, atualmente o inglês, ou à de três ou quatro, excluindo as demais como idiomas oficiais ou de trabalho.

 

   A um critério formal fundado na igualdade linguística, contrapõe-se um baseado numa relação de custos/benefício de natureza funcional, numa opção dilemática entre um regime de pluralismo linguístico geral ou de não-discriminação, com alegados encargos de custos, atrasos, burocracias, complicações e, em alternativa, um regime de plurilinguismo restrito, invocando poupanças e maior simplicidade, à custa de uma discriminação negativa.

 

   Para uns, o sacrifício do princípio da igualdade linguística é uma violência inaceitável ao nível da soberania dos Estados-membros, para outros, o agravamento dos custos e manutenção de tal situação conduzirão ao colapso da UE.

 

   Reduz-se, em síntese, a um dilema cuja opção está entre a igualdade e a operacionalidade.

 

   Têm-se apontado várias alternativas quanto ao futuro linguístico da UE, desde a exclusão do regime vigente por alegadamente economicamente insustentável, passando pela defesa de uma discriminação em função da antiguidade dos Estados-membros por referência à sua adesão e alargamento, vigência de todas as línguas oficiais e seu reconhecimento como idiomas de trabalho (mesmo que só caso a caso e em razão do contexto), até à criação de um clube de línguas dominante, de uma língua neutra ou de propor como único idioma de trabalho e de comunicação global internacional o inglês. Invocando despesas e dificuldades reforçadas com os mecanismos de tradução dos idiomas oficiais resultantes do alargamento da União, tem-se caminhado para a vigência prática de um regime de plurilinguismo restrito, um clube trilingue restrito de línguas, apostatado no inglês, francês e alemão. Este clube trilingue de línguas hegemónicas europeias consagra, factual e progressivamente, a solução da unidade sem diversidade.

   

   Fala-se em línguas dominantes e dominadas, estando entre as últimas a língua portuguesa.

 

   Como indagar, neste contexto, o papel que cabe, ou pode ser reservado, ao nosso idioma?

 

   É o que se tentará perscrutar, sem prejuízo de se observar, desde já, que a não se alterar a atual tendência, tudo indica que o futuro dos idiomas factualmente subalternizados, como o português, será o de uma crescente secundarização factual, a que se poderá seguir, ou seguirá, uma secundarização de direito, operando-se a discriminação jurídica pela substituição do princípio da unanimidade, de momento o eixo do regime linguístico da UE, pelo da maioria qualificada.

 

27 de Junho de 2016
Joaquim Miguel De Morgado Patrício

 

Honoré de Balzac

 

 

 

 

"Il y a deux histoires: l´histoire officielle, menteuse,
puis l´histoire secrète, òu sont les véritables causes
des événements."

H.B.

 

 

 

 

 

 

 


Eugénie Grandet é tido como o primeiro grande romance de Honoré de Balzac, escrito em 1833 e publicado em forma de livro em 1834, pela editora de Madame Charles-Béchet.

 

Na revisitação a Balzac encontrámos neste livro um desfecho que engana a curiosidade ainda que, quem sabe, se assim não são todos os desfechos.

 

Aqui Eugénie é talhada do puro granito e no entanto, matéria dúctil, matéria transitória, forte como o homem e delicada como um anjo. Eugénie Grandet afinal lançada à tempestade das realidades do mundo, durante um transporte em que se supunha apoiada no braço de seu pai, desce as escadas inexistentes da sua segurança e cai num mar onde para sempre ficará ignorada.

 

“Tal é a história dessa mulher, alheia ao mundo no meio do mundo; e que, feita para ser uma excelente esposa e mãe, não tem marido, nem filhos, nem família.”

 

Eugénie é filha de um rico e avarento vinhateiro, que passara dificuldades antes de iniciar a sua fortuna com auxílio da herança da sua esposa. Para se apossarem da fortuna de Eugénie, muitos são os que disputam a sua mão, visando apenas o seu dinheiro. Charles Grandet, seu pai, fá-la sofrer jogando ele próprio o futuro da filha sem qualquer compreensão pelos seus sentires, e, confinando-a mesmo ao seu quarto quando se apercebe que ela nutre amores por alguém sem a conveniente estatura de dinheiros que enriqueceria duas famílias numa só.

 

Grandet é muito avarento, e ele e a sua família vivem numa velha casa em condições precárias.

E diz Balzac:

Os avarentos não acreditam numa vida futura, o presente é tudo para eles. Esta reflexão joga uma horrível clareza sobre a época atual em que, mais que em qualquer outro tempo, o dinheiro domina as leis, a política e os costumes. Instituições, livros, homens e doutrinas, tudo conspiram contra a crença numa vida futura, sobre a qual o edifício social se apoia há mil e oitocentos anos. Atualmente, a sepultura é uma transição pouco temida. O amanhã que nos esperava além do Requiem foi transportado para o presente. Chegar por todos os meios ao paraíso terrestre do luxo e das vaidosas alegrias, petrificar o coração e macerar o corpo em busca de bens passageiros como outrora se suportava o martírio em busca dos bens eternos, eis o pensamento geral. Pensamento que, aliás, está escrito em toda parte, até nas leis, que perguntam ao legislador: "Que pagas?" em vez de indagar: "Que pensas?"

 

Este romance da série La Comédie Humaine alcançou êxito excepcional. Dostoiévski traduziu a obra para o russo em 1843. Émile Zola considerou Balzac o naturalista que via o mundo através de um vidro transparente. Eça de Queirós, admirava a Comédie tanto quanto Camilo Castelo Branco. Aliás Camilo escreveu um conjunto de oito narrativas a que deu o nome de Novelas do Minho, influenciado por Balzac. Flaubert que o criticara severamente não lhe despegava a atenção. O romancista norte-americano Henry James escreveu vários ensaios elogiando o "Grande Balzac”, e muitos foram os que Balzac marcou pela capacidade da sua escrita, reveladora de um espírito de unidade que marcou o seu significado.

 

De notar que não há espaço para uma visão romanceada do mundo nesta obra Eugénie Grandet já que ela nunca nega a existência da sinceridade dos sentimentos nem se afunda num pessimismo de exageros. Na nossa modesta opinião, Balzac pretendeu fundir no romance a omnipotência oculta de quem à margem da sociedade nela vivia e porventura por aqui Montecristos, Fantasmas da Ópera.

 

Neste romance a que nos referimos, sentimos que a era da multidão anónima ainda não começara. A grande curiosidade de Balzac surge na incubadora da grande cidade e esta será a sua Musa, aquela que promete um mistério enganando a curiosidade como mencionámos no início deste texto. A mulher, na sua obra, é em si uma solidão divina que acode às cabras e aos gatos nascidos nos porões dos navios por onde clandestinamente viaja. De si mesma, da sua pureza, um terceiro salvamento só lhe pode ser dado pelo leitor, capataz que a sente em generosas contradições ainda na vida de hoje.

 

"Il y a deux histoires: l´histoire officielle, menteuse, puis l´histoire secrète, òu sont les véritables causes des événements."
H.B.

 

Teresa Bracinha Vieira
Junho 2016