Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

A Casa Lincoln e o movimento livre do espaço construído. 

 

'The curves were throwing you out rather than holding you in. Each projected its energy into nature. We used the invisible power of the concave walls to relate the building beyond its site to the woods and fields of rural Lincoln — and beyond to the universe itself.', Mary Otis Stevens

 

Em 1965, a casa Lincoln, em Massachussets estava completa. Mary Otis Stevens (1928) e Thomas F. McNulty (1919-1984) conceberam este projeto único e experimental com o objetivo claro de aproximar o interior e o exterior, e eliminar a tradicional divisão doméstica, que separa as zonas sociais das zonas mais privadas. 

 

Tal como Charles e Ray Eames, também o casal Stevens/MacNulty se propôs conceber uma casa para a sua família de maneira a viver e trabalhar num mesmo espaço. 

 

A singularidade da casa Lincoln é construtiva, formal e social.

 

Construída com betão à vista, traz à memória obras de Le Corbusier, Smithsons, Giancarlo di Carlo, Louis Kahn e Paul Rudolph. 

 

A cor do betão varia do branco a diversos tons de cinzento: 'The variation in the wall was closer to that of stone. It had highlights. It was very natural looking, not uniform like normal concrete.', Mary O. Stephens

 

Ao usar o betão, Stephens revela que houve uma vontade em alcançar um efeito semelhante à arquitetura grega e romana - porque relaciona a estrutura monolítica com a escala humana. Cada uma das paredes curvas é um elemento independente, e liga-se a outra parede através de um painel de vidro.

 

Formalmente a casa desenha-se através de sucessivas concavidades que envolvem a paisagem. O propósito das curvas, segundo Stephens, concretiza o desejo em criar um ambiente extrovertido. O objeto construído pretende alcançar e fazer parte da ordem natural do lugar. As curvas não são regulares e variam em comprimento e abertura - de modo a prevenir fechamentos e a permitir que se estendam indefinidamente na paisagem.

 

Como se de uma escultura viva se tratasse, Buckminster Fuller chegou mesmo a afirmar que a Casa Lincoln é o negativo do seu próprio positivo. 

 

No entanto, o interior da casa contém também intencionalmente zonas introvertidas:

'In our daily living, we wanted experiences of both kinds - the inner and the outer life. The play and living areas were strongly tied to the outside. On the other hand, in the most private parts of the house - the sleeping areas, studio, and the library - the architecture reflected the need for intimacy.', M. O. Stephens 

 

A procura pela intimidade explica movimentos e transições no interior, tal como acontece nas casas de Frank Lloyd Wright. Stephens concebeu a casa Lincoln como um microcosmos que associa intimidade a ideais de democracia, igualdade e liberdade. Cria-se assim uma nova definição para a vida doméstica, e por conseguinte para toda a vida em comunidade (nomeadamente a vida urbana), que associa espaços de movimento a espaços de hesitação (que promovem encontros nas intersecções). Por exemplo, o longo corredor que liga o quarto das crianças ao resto da casa, incentiva o fluir e a ligação livre e ininterrupta. Mas os pontos de intersecção do corredor com a entrada, com a sala de estar, com a sala de jantar e com as escadas que ligam ao quarto dos pais, são designados por pontos de hesitação, onde há possibilidade de escolha.

 

A casa não tem portas, só aberturas. Desenha-se através de uma constante continuidade entre os vários espaços do interior e entre o interior e o espaço exterior. Esta extrema mobilidade imparável permite ao homem deslocar-se em diferentes direções e caminhos, tal como acontece na cidade. 

 

'You needed to keep moving in order to take it all in. The inherent movement in the curvilinear geometry kept pushing you dinamically through the space, rather than confining you to one vantage point. You might want to be in the extroverted piazzas, you might want the introverted spaces of the side streets. The important thing is that you have the chance to choose.' Mary O. Stephens

 

Ora, Stephens e McNulty sempre se interessaram pelo design como um meio com fins sócio-culturais - este interesse coincide com a exploração teórica que sempre  acompanhou o desenvolvimento dos seus projetos mais inovadores. A investigação de Stephens e McNulty culminou com a publicação, em 1970, do livro 'World of Variation' - os diagramas apresentados neste livro têm propósitos simultaneamente formais e sociais. E sobretudo existe uma forte vontade, na sua obra teórica e construída em encontrar o equilíbrio ideal entre a liberdade e a intimidade, entre o movimento e a hesitação, entre a individualidade e a comunidade.

 

'What we were interested in was not just movement per se. We wanted to make the house into a kind of miniature city. It was very urban. The idea was to bring people together, not isolate them in boxes on different floors. You had choices all the time.', Mary Otis Stephens 

 

Ana Ruepp