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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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AS ARTES E O PROCESSO CRIATIVO

 

II - VANGUARDA CUBISTA

 

1. O cubismo, com o seu vanguardismo, contribuiu decisivamente para uma abordagem inovadora da arte e para a extinção de velhos conceitos estéticos, ao escolher a via não figurativa ou abstrata, à semelhança do futurismo e do abstracionismo.

 

Nunca teve um manifesto, programa ou manifestações políticas, ao invés do futurismo.

 

Tem como antecedentes, entre outros, Lorenzetti e Piero de la Francesca na volumetria dos objetos, Gauguin no apelo ao exótico e ao primitivo da arte africana e da Oceânia. Mas é em Cézanne que reside a base do movimento cubista, ao tratar a natureza a partir de formas geométricas. Para Cézanne, tudo na natureza tem como suporte o cilindro, a esfera, o cone e o cubo. Quando olhamos para uma paisagem vemos na realidade formas e não pormenores. Cada objeto segue as constantes geométricas. Daí fazer sentido reduzir as árvores, as casas, as montanhas e até as pessoas a formas geométricas. Uma casa representada por um cubo, um campo por um retângulo verde e assim sucessivamente.

 

O que vai permitir ao cubismo revelar as faces ocultas dos objetos, quebrando e dissecando os seus contornos, interpretando intelectualmente o mundo visível numa tentativa de o tornarem mais real. Por uma geometria intelectual e mental, os cubistas opõem-se à sensibilidade dos impressionistas.

 

Guillaume Apollinaire, ao falar de Picasso, seu amigo, disse que ele dissecava um objeto do mesmo modo que um cirurgião dissecava um cadáver. Eis a verdadeira essência do cubismo: fazer uma dissecação dos objetos e da natureza, pegar nos objetos e desconstruí-los através de uma observação analítica, intelectual e mental intensa e permanente.

 

Procuram entender a estrutura dos objetos, tentando revelá-la, através do estilhaçar do espaço, da figura, do próprio objeto, decompondo os volumes naturais em planos que pelas diferenças de cor, iluminação, grandeza, situação, possibilizem, ao observador, reconstruí-las mentalmente, pondo de lado a pintura-pintura.

 

2. Demoiselles D`Avignon (As Meninas de Avignon), de Pablo Picasso, é a obra chave de arranque do cubismo. Além da pouca profundidade espacial e da natureza bidimensional do quadro, os cinco corpos femininos nus são reduzidos a grupos de triângulos e losangos, as cabeças das duas mulheres à direita foram substituídas por máscaras africanas, a da esquerda lembra uma estátua egípcia antiga, as duas centrais são tidas como caricaturas estilizadas, parecendo cortadas por um corta-papel de um papel cor de terracota. Após este início, estabelece-se uma espécie de duo entre Braque e Picasso, fundadores do cubismo, atingindo ambos uma arte verdadeiramente cubista, entrando no cubismo analítico de que As Meninas foram suas percursoras.

 

Na sua fase analítica, o cubismo é caraterizado pela decomposição dos objetos, do ponto de vista de quem observa, em que a figura é dissecada, estilhaçada, fazendo lembrar um vidro quebrado ou estilhaçado, permitindo a visão simultânea quer de frente, de perfil, de cima, de baixo, pelos seus contornos inferiores e posteriores, olhando e dissecando o objeto de todos os ângulos concebíveis. Interessa a estruturação e a maior informação dos objetos, em que a cor é reduzida ao mínimo, com gradação de cores. É como abrir e desmanchar uma casa a fim de fazer uma planta dela e de nos mostrar todos os lados ao mesmo tempo, numa análise obsessiva de um objeto e do espaço por ele ocupado, estimulando o nosso funcionamento mental. Introduz-se a quarta dimensão, olhando para lá do que é visível à superfície, retratando o que não pode necessariamente ser visto, mas que se sabe existir, à semelhança dos raios X. Violino e Palheta, de Braque, é um exemplo.

 

Segue-se o cubismo sintético, em que não há a decomposição do objeto mas a sua invenção. Surgem as primeiras colagens, letras, textos, na superfície dos quadros. Recorresse a colagens de papel de parede e de jornal, de pedaços de oleado, a acrescentos de areia, a misturas de areia e gesso para dar mais textura às tintas quando usadas na tela, fazendo experiências técnicas com pentes, em vez do pincel, cortando e colando, inventando a colagem, utilizando materiais do dia-a-dia, incluindo ganchos de cabelo e pautas de música. Enfim, um novo modo de fazer arte. A Garrafa do Velho Marco, de Picasso, exemplifica-o.

 

Com o orfismo, cubismo órfico ou cromático, há um reavivar da cor, com influências do fauvismo, uso de círculos cromáticos, cores puras, saturadas, onde imperam os Delaunay, Robert mais influenciado pelo cubismo. Sonia mais influenciada pelo fauvismo.

 

Com o cubismo e a decomposição, dissecação e desmontagem de objetos e figuras, sobreposição de planos, plano sobre plano, a pintura mudou radicalmente, em oposição à renascentista.

 

Ao nível da escultura, predomina a ausência de monolitismos, entrando o espaço nas peças escultóricas, chegando a ser perfuradas, por buracos, por onde as pessoas podem entrar e sair, ou decompondo e recompondo os vários planos do objeto, surgindo uma nova relação entre o espaço e a forma.

 

Aderiram ao cubismo pintores como Braque, Picasso, Gris, Delaunay, Léger, Gleizes, Herbin, Picabia e escultores como Archipenko, Lipchitiz, Henri Laurens e Raymond Duchomp-Villon.

 

Eis toda uma geração de contestação e de vanguarda, que rejeitou o ensino académico então vigente, que também influenciou, entre nós, Amadeo de Souza-Cardoso, um pintor de constante experimentação, com influências cubistas, entre outras.

 

04.04.2017
Joaquim Miguel De Morgado Patrício