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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

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Na Véspera

 

Na véspera houve sempre esperança. Referimo-nos à esperança que ri dos fracassos da vida apoiando-se neles para os superar. Falamos da esperança que se opõe ao nada, aquela que é uma predisposição do espirito a realizar o que se deseja. Essa existiu sempre, ao menos na véspera, queremos crer. E na véspera a esperança quando existe é um mais, e só diminui com o tempo nos anos somados que os dias dão, ou seja com a idade, com os sofrimentos e as desilusões. Mas eis que ao diminuir pelas razões que referimos, ela ascende ao grau de virtude.

 

Assim, na véspera, numa véspera de agarrar de novo a vida, aprendemos a cultivar a esperança, aquela que segundo C. Péguy é uma pequena esperança que não tem ar de nada, nem de sperare ou de espera. Surge então e de véspera também, a necessidade de advertir, sobretudo os jovens, contra a ilusão e a euforia para que a esperança não condicione o êxito do espirito. E de novo na véspera de uma realidade desejada a esperança é, pois, um sonho acordado que se opõe à entropia.

 

A esperança, na véspera temporal de que uma lotaria será ganha, não é virtude, já que para nós a esperança semeia e vai ao fundo da tristeza colher as sementes que transforma. E é a partir daqui que a véspera tem um conteúdo diferente, como impulsionadora da uma esperança que se expõe nas dificuldades, no ser feliz agora, na essência do presente.

 

Contudo, recorde-se, na véspera de Hiroxima, a esperança mudou de natureza, perdeu a espera. De repente todos fomos feitos para uma outra coisa. De repente começamos a desfrutar da incerteza que semeia uma esperança. Lembramo-nos das palavras de Malraux: «o século vinte e um será religioso ou não o será?», acode entre outros G. Bernanos, A liberdade para quê? Sartre e a sua escolha recaída no nada.

 

E de novo, na véspera.

 

Regressados.

 

Cultivar a mola da resistência, do tesouro da precisão, da justiça e da fidelidade, e sobretudo antes ou depois da véspera, chegar à hora precisa e prevista para que não sinta o coração aquele vago mal-estar que tudo mina.

 

E quem sabe, quem sente que no último instante da véspera vai vencer a liberdade? Aquela que faz da esperança não uma realidade dormente, mas uma luz que vai abrir porta à penumbra deste mundo. 

 

Teresa Bracinha Vieira

NA CRUZ DO TEMPO

 

O pesado andar do lavrador

É também um cansaço

Coberto de orvalho

Para que água não lhe falte até ao fim

 

Seja o terminar

Um Tempo que dele se esquecerá

Uma dor branca ou grisalha

Que devagar

Desperta em mim

 

Que um outrora teve olhos

Peregrinos

E amou mágoas

Escondendo o rosto

 

Que se aproximou de mim, vem

Indefeso

Numa imensidão de estrelas

Pousadas nos campos

Que para ti plantei

Lavrador

 

E depois solitária

Aguardei

 

No lugar onde o grilo cantava

Que tu

Lavrador

Chegasses não triste

Rosa

Dos meus dias

Caminhando com sandálias de prata

Tão errante de beleza e de cansaço

 

Tão abraço que labuta e morre

E seja eu quem recorde

Estranhas coisas ditas

 

Tu. 

 

Teresa Bracinha Vieira