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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

CRÓNICA DA CULTURA

 

Há que provar de tudo à mesa. Há que não se dizer não gosto disto ou daquilo, um dia, prometo-vos, irão comer os vossos próprios erros e entenderem que de todos se não safam sem prejuízo. Que muitos serão mesmo piores que os peixinhos da horta que agora vos causam repulsa.

 

E o olhar da Dulce tornava-se vago quando escutava estas palavras secas do pai, o mesmo pai que também a mimava.

 

Sabem, continuava o pai da Dulce, os madamos e as madamas ricas podem mudar de ideias, os e as pobres, é que não. Mesmo assim a estes de nada adiantava mudarem, por cima ficavam sempre os outros. Vá comam a sopa toda. Os ricos puxam as colchas até ao queixo para encobrirem os fios de ouro. Comam a sopa a toda! Mesmo que fossemos surdos podíamos ouvi-los, aos ricos, com o olhar a guardarem a caixa do dinheiro.

 

E vá comam a fruta que faz bem. Para uma certa maioria que visse essas maçãs, haveriam de ver como os olhos deles eram duas velas a derreter-se por elas.

 

Um dia saberão que nunca se deve beber água por nada de metal. Deve ser bebida por uma cabaça. Oram vejam, nós já usamos copos de vidro e os ricos usam de ouro! Limpem a boca e vá, vão brincar.

 

Depois destes almoços, ficávamos, nós crianças, todos tão velhos e tão desentendidos que a brincadeira era como uma professora boa que em tempos fugira da escola para não aprender de cor 7x8.

 

Olhávamos para as bicicletas como se pedalar nada fosse. Sentávamo-nos no chão ao lado delas e de calcanhares fincados, sorrateiramente, como se alguém nos espreitasse, deitávamos fora os peixinhos da horta que tanto detestávamos e que tínhamos enrolado nos lenços de assoar aquando da hora do almoço.

 

Tá quase dizia-me a Dulce. Tá quase e podemos brincar em paz. 

 

Teresa Bracinha Vieira

Maio 2017

NO SOPÉ DO MUNDO

 

No sopé do mundo

Contaram-me uma noite

Uma fábula verdadeira

Vinha ela dos afagos de uma alma

E de uma mão minha laçada à entrada de um deserto.

Disse-me o estrangeiro:

O teu início

Aquele que errou pelo meu peito durante toda a noite

Descobriu-me entre duas guerras:

A que me impediu que a respiração se unisse enquanto sonho

E a outra que em mim tu cantaste e em ti me quis

Solitário

Exposto à chegada de todos os exércitos

Antecipando a época

Da grande viuvez.

 

E eis-me assim e agora

A lavar com leite

As faces escarpadas

Dos recifes

Sem te aprisionar

Em mapa algum

 

Mas procurando-te 

 

 

Teresa Bracinha Vieira

Maio 2017