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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

4. À ELIS REGINA DE BOA MEMÓRIA

 

Deixou-nos cedo, com apenas 36 anos, em 19.01.1982, há 36 anos.

 

Dizem que tinha uma mágoa que não foi curada, finando ao fim da tarde, numa hora tramada, por conta da cocaína e bebidas alcoólicas.

 

Tida como um animal de palco, para muitos a melhor cantora brasileira de sempre, teve inúmeros e memoráveis sucessos: Arrastão, Falso Brilhante, Águas de Março, Cartomante, Romaria.

 

Pessoalmente sempre gostei muito de Casa no Campo. E permanece. 
Tenho-a como uma canção fetiche, mágica. Uma canção refúgio, de abrigo, nostálgica. De redenção, salvação, compensação, pacificação.   

 

Com frases admiráveis, espantosas, fascinantes. Que condensam, em si mesmas, o querer de um projeto de vida exequível, fazível, realizável. Com os amigos do peito, discos e livros, um filho de cuca legal, compondo rocks rurais, numa casa do tamanho ideal onde se possa ficar no tamanho da paz, pau-a-pique e sapê, com o silêncio das línguas cansadas e a esperança de óculos, com carneiros e cabras pastando solenes no meu jardim...   

 

Uma canção que idealiza como ideal a ideia de que idealmente deveríamos viver todos no campo, em liberdade, à solta, com os limites do corpo, os animais, as plantas, os nossos amigos, discos e livros e nada mais.
Uma casa no campo,  

 

Onde eu possa plantar meus amigos   
Meus discos e livros  
E nada mais.   

 

Amigos, discos e livros. Que síntese final tão feliz.   

 

Numa interação entre a natureza e o conhecimento, entre o viver no campo, o culto da amizade, a música e a literatura. Mesmo sem amigos, pode-se viver, rodeado de livros e música, vivendo-se só, mas não sozinho, com carneiros e cabras, plantando e colhendo a pimenta e o sal, embora o ideal seja com amigos e um filho de um cuca legal.

 

Mesmo quando a família, no seu esplendor, não regressa, porque os filhos voaram, fizeram-se à vida, mesmo que os netos não venham, ou mesmo vindo furtivamente, não os podemos ter perto, ou se a nossa amada (ou amado) finou, amigos, discos e livros podem ficar e superar o vazio.

 

Com a tua voz calma, serena, pacífica, que de repente se agudiza, é incisiva e cortante quanto basta e é preciso, amparada pelos compositores Rodrix e Tavito.

 

Obrigada Elis! 

 

16.01.2018
Joaquim Miguel De Morgado Patrício