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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

III - COMUNIDADE VERSUS SOCIEDADE

 

O sociólogo alemão Toennies, no século XIX, definiu comunidade como uma agregação espontânea, a expressão de uma vontade natural, orgânica, em que os elementos do grupo nela se integram por força dos laços emotivos que partilham. Na comunidade, com a sua carga afetiva e carácter natural, as normas e o controlo processam-se através da união, da tradição, do costume, em oposição à sociedade, consequência da modernidade e urbanidade, em que as normas são impostas pela lei e pela opinião pública, aí imperando a abstração e a ausência de calor humano.

 

Para Durkheim, a comunidade reporta-se mais a relações de “vizinhança” nascidas e moldadas por afetos, afinidades, amizades, emoções e cumplicidades, uma sociedade reporta-se essencialmente às relações de Estados na sua vertente racionalmente deliberada para atingir determinados fins.

 

Max Weber, defende que a noção de comunidade é uma relação social determinada essencialmente pela vontade subjetiva (afetiva ou tradicional) dos seus elementos constituírem um todo. A sociedade é uma relação social em que a “a atitude na ação social se inspira numa compensação de interesses por motivos nacionais (de fins ou de valores) ou também numa união de interesses com igual motivação”.

 

Posteriormente a Tonnies tais conceitos não são exclusivistas, dado que as relações sociais tanto têm caraterísticas de comunidade como de sociedade.

 

Todavia, sobressai primordialmente uma vontade natural e carga afetiva dos participantes na comunidade, por confronto com uma vontade preferencialmente mais artificial e norteada pela prossecução racional de certos interesses ou fins na sociedade.

 

Menciono, a propósito, as teses culturalistas que, no essencial, partem da distinção entre sociedade e comunidade, vendo no Estado uma sociedade e considerando a nação uma comunidade. 

 

Para aqueles que veem a nação como mais importante que o Estado, sendo este um mero instrumento da nação, dado ser tida como algo que existe antes daquele e que vive de modo espontâneo ou natural, tanto fazem depender uma nação da língua, da geografia ou da raça (objetivistas), como da prévia existência de uma cultura nacional (culturalistas). Entre os elementos determinantes da nação pode estar a unidade linguística, o “jus linguae” (teses linguísticas) e uma cultura prévia baseada numa comunidade de significações partilhadas (teses culturalistas).

 

Das teses objetivistas sobressaem as teorias culturalistas da nação, face às quais há uma cultura portuguesa, “um modo português de estar no mundo”. A lembrar Johann Herder, para quem a nação procura raízes no “conceito de Volk, como um povo orgânico, marcado por uma unidade de língua ou de cultura e consciente de constituir uma unidade”, aquele ente “a que se atribui uma alma coletiva, o Volksgeit, que faz dela uma entidade englobante, mas a que se dá uma raiz naturalista”.

 

Fazendo sobressair a nação, surge também o romantismo, o modelo romântico e vitalista do Estado Nacional, implicando, em termos jurídicos e políticos, uma reação contra o individualismo e o racionalismo contrapondo, ao primeiro, um sentido comunitário com a realização mais profunda na Idade Média, e ao segundo, o sentido dos fatores emocionais na vida social, como o amor à terra e a língua. A nação vai-se forjando com o decurso dos séculos e do tempo, só se admitindo reformas de acordo com a tradição do país, não havendo direitos naturais abstratos, mas direitos históricos concretos.

 

Este respeito pela História, cujo saber é superior ao dos Homens, vem a ser determinante na Escola Histórica do Direito, ramo possante do romantismo e também influenciada pelo idealismo alemão, tendo como maiores representantes Gustavo Hugo, Friedrich Puchta e, essencialmente, Savigny, em que a manifestação genuína do Direito é o costume, estando acima da lei e podendo derrogá-la se a ela se opuser. O costume é a expressão imediata da “consciência jurídica do povo”, ou do “espírito do povo” ou “espírito nacional”, à semelhança da língua, da arte, da moral.

 

Baseando-se a CPLP em laços de amizade histórica, num passado e língua comum, sendo esta a razão aglutinadora e imediata da sua criação, consoante princípios constantes da sua Declaração Constitutiva e Estatutos, trata-se, quanto a nós, de uma comunidade, uma comunidade internacional.

 

E embora, em rigor, possa haver quem defenda que é mais correto falar-se de sociedade, dado contemplar relações entre Estados, sendo estes os seus membros, entendemos que ela surgiu porque existia uma realidade pré-estadual, pré-jurídica e pré-política que se lhe antepunha e antepõe, nomeadamente um elemento do conceito de povo, a língua, expressão imediata de uma espécie de cidadania natural, que convida à união (e não à força), com base na qual a CPLP foi gerada. Mesmo para os que entendem que é mais sociedade do que comunidade, há nela a superioridade do que surgiu espontaneamente por obra do tempo.

06.03.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício