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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

IV - NATURAL VERSUS ARTIFICIAL

 

O que não é natural é artificial, é produzido por mão humana e não pela natureza.

 

Coisas naturais são as que não foram feitas por seres humanos, antes pela natureza, estando aptas para crescer por elas próprias e em si mesmas, sem artifícios.

 

Do mesmo modo podemos distinguir entre comunidades naturais e comunidades convencionais ou artificiais, entre uma verdadeira comunidade de países ou povos ou uma comunidade baseada num mero arranjo político, estas últimas usualmente tidas como mais fracas, ao invés das primeiras, por natureza mais fortes e aptas a um futuro mais longo.   

 

No sentido mais antigo e clássico da distinção até agora feita, parece-nos que a CPLP é uma comunidade natural, uma vez baseada em objetivos comuns, como os afetos, a amizade recíproca e uma língua comum, que não são coisas feitas por convenção ou artificialmente, nem impostas por tratados internacionais. 

 

Numa aceção mais moderna, ser-se natural tem vários significados, consoante se aplique ao mundo físico ou à vida humana, nesta se incluindo as comunidades humanas.

 

No que toca à existência humana, natural significa, para os modernos, tudo o que permite uma vida racional de indivíduos iguais e livres, potenciando as possibilidades de uma existência humana autodeterminada, igual, livre, racional. Nesta perspetiva, uma comunidade natural será um lugar comum para indivíduos iguais e livres de forma a aí poderem viver uns com os outros alguma espécie de vida partilhada.

 

Consultando o tratado assinado pelos sete Estados fundadores da CPLP, em Lisboa, em 17.07.96, constatamos que o artigo 1.º dos Estatutos estabelece: “A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, doravante designada por CPLP, é o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros”. O art.º 3.º dos Estatutos, referente aos objetivos da Comunidade, enumera-os: a concertação polítco-diplomática; a cooperação em todos os domínios, desde a saúde, à educação, justiça, cultura, desporto, ciência e tecnologia, defesa, economia, comunicações, segurança pública e comunicação social; promoção e difusão da língua portuguesa.

 

São objetivos vagos, não contendo em si metas precisas, eventualmente porque os membros da CPLP têm interesses geoestratégicos diferentes em função da localização geográfica descontínua em que se inserem, o que dificulta terem um único interesse geoestratégico.

 

O que de primordial têm em comum são os afetos e a amizade mútua, a língua comum e a concomitante herança de um passado recíproco metas que, como já frisámos, são coisas que os tratados internacionais não podem fazer, sendo-lhes anteriores e pré-determinando-os, num certo sentido, razão pela qual uma comunidade baseada em tais princípios não pode prosseguir qualquer função convencional.

 

Mesmo para quem entenda que na atualidade faz cada vez menos sentido a oposição entre comunidade e sociedade, opinamos que na CPLP perduram características da comunidade inspirada em Tonnies, designadamente na sua carga e natureza afetiva, como também o pensam José Filipe Pinto e André Corsino Tolentino. Este último, exemplifica-o bem ao falar nesse “algo comum, que é uma espécie de capital social, que paira no ar e que a gente sente quando circula em qualquer dos nossos países ou em qualquer ambiente onde se fala a língua portuguesa, onde se veja um quadro de um dos nossos pintores ou se assista a um espetáculo em língua portuguesa ou em línguas parentes, esta reação instintiva que temos perante algo que nos pertence e ao qual pertencemos, isto é que é a alma da CPLP. Às vezes, é apenas emocional mas, na minha opinião, sintetiza e representa um capital precioso que foi passando através de gerações e que nos pertence a todos e ao futuro” (entrevista a Filipe Pinto, in “Do Império Colonial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa: Continuidades e Descontinuidades”, Coleção Biblioteca Diplomática, pp. 496, 497). 

 

A questão que agora se coloca é saber se a CPLP existe realmente como uma comunidade natural na aceção moderna de tal termo.   

 

Ainda existe um longo caminho a percorrer para se atingir tal objetivo, embora a lei, em geral, possa ajudar à consolidação de tais objetivos, particularmente, e desde logo, a lei constitucional, em especial a nível dos direitos de participação política dos indivíduos que pertencem a esta Comunidade, para o que será necessária uma harmonização das Constituições dos vários Estados, tarefa facilitada pela existência de uma linguagem jurídica comum a todos eles, o chamado jus commune no domínio do direito constitucional. 

 

Apesar da CPLP ser uma comunidade recente, ela terá de crescer como todas as coisas que são naturais, e que não são convencionadas ou feitas estritamente pelo homem num sentido acabado, sendo uma realidade ainda incompleta, em maturação.

 

Como consegui-lo em concreto, para além das declarações de princípios, sejam de natureza geral comum ou constitucional?   

 

Um exemplo foi dado pela Conferência dos Chefes de Estado e de Governo da CPLP, o órgão máximo desta organização, realizada em 1998, na Cidade da Praia, em Cabo Verde, onde os Sete Estados Membros Fundadores declararam que iriam estudar a possibilidade de estabelecer um Estatuto da Cidadania Lusófona, o qual poderia incluir direitos de igual participação política de todos os cidadãos dos Estados membros dentro da comunidade e medidas tendentes a facilitar a circulação de pessoas.

 

Poderia, à data, a ideia parecer um sonho impossível, mas foi assim que o sonho começou a ser uma pequena parte da realidade, o qual já se concretizou, até agora, na aprovação unilateral pela Assembleia Nacional da República de Cabo Verde do Estatuto do Cidadão Lusófono, tido, por muitos, como o ponto de referência futura para os demais países lusófonos, com as adaptações decorrentes das suas especificidades e compromissos internacionais, sem que isso, per si, impeça a aprovação de uma Convenção sobre o Estatuto do Cidadania Lusófona entre todos os membros da CPLP.         

 

13.03.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício