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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Evocação de uma atriz e de um teatro histórico

 

Não será exagero qualificar de “histórico” um Teatro que corresponde à época em que se aproveitaram edifícios históricos para os transformar em teatros: e isto, no caso concreto, reportando ao início do século XX. Trata-se do hoje denominado Teatro Ester de Carvalho de Montemor-o-Velho, fundado em 1901-02 com o nome de Teatro D. Manuel, homenagem ao então futuro D. Manuel II.

 

O Teatro é pois como tal inaugurado nessa temporada, mas o edifício vinha de séculos atrás, o que na época não é caso único: trata-se da adaptação da antiga Igreja de São Pedro dos Clérigos, implantada no centro urbano. A transformação do edifício em teatro não é inédita na época. E a adaptação da designação surge como homenagem à atriz Ester de Carvalho, nascida em Montemor-o-Velho no ano de 1858 e falecida no Rio de Janeiro em 1881.

 

E vale a pena então recordar que a carreira de Ester de Carvalho no Rio esteve longe de ser sólida e tranquila, tal aliás refere Sousa Bastos no “Dicionario do Theatro Português” (1903), aqui muitas vezes citado.

 

Sousa Bastos recorda que Ester se estreou no Teatro da Trindade em 1880 como atriz - cantora de opereta. Desde logo marcou a cena portuguesa: “Era inteligentíssima, tinha uma voz deliciosa, grande desembaraço, olhar vivo e penetrante, enfim, todos os dotes requeridos para um grande sucesso no teatro”. Mas acrescenta que “o pior é que tinha tanto de talentosa e de atraente como de desequilibrada. (...) Era turbulenta e não havia meio de a fazer cumprir com os seus deveres.” (pág. 191)

 

Muito embora: a mudança da designação do teatro, ocorrida a partir de 1910, acaba por consagrar, na denominação, o prestígio que na época a memória de Estar de Carvalho mantinha sobretudo na terra onde nasceu.

 

No livro sobre “Teatros de Portugal” (ed. INAPA-2005) tive ensejo de escrever sobre o Teatro Ester de Carvalho que a topografia determinou um relacionamento heterodoxo da sala e do palco, mas a fachada, ostentando os medalhões de Garrett e do ator Taborda, não recorda a antiga função do edifício.  E designadamente, citei a recuperação da sala impulsionada pela Centro de Iniciação Teatral de Montemor- Citemor, ainda hoje responsável pela manutenção e atividade do Teatro.

 

Montemor-o-Velho é a terra natal de figuras como Diogo de Azambuja, Fernão Mendes Pinto ou Jorge de Montemor.

 

Importa então evocar a relevância da tradição histórico-cultural de Montemor-o-Velho e não apenas na conservação de um teatro-edifício em atividade e documentando uma época de arquitetura teatral relevante mas infelizmente tão pouco conservada entre nós, no que respeita a edifícios da época deste. Mas, insista-se, o que quero agora novamente referir é a tradição histórico-cultural também mas não só consagrada no edifício de teatro em si: e bem sabemos quantos têm sido demolidos para aproveitamento das zonas urbanas.

 

Sem entrar em comparações, importa ter presente que esta geração de teatros do século XIX/início do século XX, desaparece. E no entanto, Montemor-o-Velho mantem a coerência das sucessivas expressões epocais urbanas.

 

Vejamos, para terminar, algumas referências.

 

Desde logo Jorge de Montemor (1520/24-1541) na clássica “Diana”:

“Chamava-se em língua portuguesa: Montemor-o-Velho. Aí as memórias do engenho, da fé e do valor haviam ficado por troféus das antigas façanhas dos seus guerreiros. E ainda agora florescia nas grandes virtudes das senhoras e dos cavaleiros que o habitavam”.

 

Afonso Duarte (1884-1958) no poema denominado “Montemor” na “Obra Poética”:

“Onde nasceu o Fernão Mendes Pinto?/Jorge de Montemor onde nasceu?/A mesma terra, o mesmo céu que eu pinto/ Castelo velho, o que foi deles é meu”.

 

E Jaime Cortezão, em “Daquém e Dalém Mar”, descrevendo o Mosteiro de São Marcos:

“Situado no alto ermos e solitário, a meio de outeiros e colinas de uma profunda seriedade, dá-lhe mais profunda vida ainda o largo horizonte que o circunda – os suaves campos do Mondego, de Coimbra a Montemor, fechados além pelo baluarte vagamente crenelado das serranias”.

 

Assim é Montemor-o-Velho. E a tradição concilia-se com a modernidade do espetáculo.  

 

DUARTE IVO CRUZ

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

 

 

9. INTUIÇÃO E EMOÇÃO NO PROCESSO CRIATIVO

 

“Mas no preciso instante em que o gole com migalhas de bolo misturadas me tocou no céu-da-boca, estremeci, atento ao que de extraordinário estava a passar-se em mim. Fora invadido por um prazer delicioso, um prazer isolado, sem a noção da sua causa. (…) Deixara de me sentir medíocre, contingente, mortal. Donde poderia ter vindo aquela poderosa alegria? Sentia-a ligada ao gosto do chá e do bolo, mas ultrapassava-o infinitamente, não devia ser da mesma natureza. Donde vinha? Que significava? Onde agarrá-la?   

 

Bebo um segundo gole, no qual nada encontro a mais que no primeiro, e um terceiro que me traz um pouco menos que o segundo. É tempo de parar, a virtude da bebida parece estar a diminuir. É evidente que a verdade que procuro não está nela, mas em mim.”  

MARCEL PROUST

 

É exemplar esta passagem de Proust na sua obra Em Busca do Tempo Perdido, em que um gole de chá e um bolo amanteigado e aromatizado com raspa de limão, uma afamada madalena, através dos quais a mente se revela, são reduzidos aos seus elementos psicológicos na sua estrutura mental, espiritual, imaterial e impalpável, recuperando o tempo perdido através de aromas e sabores que dão causa a lembranças de momentos passados.

 

Acreditando que só nos podíamos compreender a nós mesmos pela intuição, celebrando-a na literatura, Proust foi um dos primeiros artistas a interiorizar a filosofia de Begson, segundo a qual tendo nós consciência, uma memória e um ser, tal realidade não pode ser dissecada experimentalmente, só nos podendo conhecer a nós próprios intuitivamente, via introspeção e meditação, podendo as leis mecanicistas da ciência ser boas para a matéria inerte, mas não para nós, seres humanos.

 

A sensação é para Proust o que a experimentação é para o cientista.

 

Trata-se de um processo criativo que ocorre no âmbito da intuição.

 

Os processos de criação ocorrem primordial e essencialmente por via intuitiva, o que é corroborado, aperfeiçoado e enriquecido pela neurociência, onde a emoção também faz parte da razão, pois um cérebro que não sente não decide, sendo o olfato e o paladar tidos como sentidos singularmente sentimentais, uma vez ligados ao hipocampo, o centro de memória cerebral de longo prazo.     

 

A literatura, o teatro, o cinema, a música, são metáforas poderosas e intensas em relação ao que se passa na nossa mente. Adequam-se e adaptam-se bem ao espírito e cérebro humano, mas são suas representações, dada a maior complexidade do ser humano, que é corpo e mente que funcionam como um todo.   

 

Já não basta a razão pura, havendo que valorizar o corpo em termos neurofisiológicos, aceitando as emoções e educando-as, dado que estas, além de imprescindíveis, não são sempre más e de resultados negativos, rejeitando a ideia de que as emoções e os sentimentos são incapazes (ou menos capazes) de boas decisões, tidas como emocionais e impulsivas, ao invés das reais boas decisões, tomadas racionalmente de cabeça fria.

 

Esta nova valorização do papel da intuição e da emoção no âmbito da criatividade e do núcleo duro do pensamento científico, onde se destaca o neurocientista português António Damásio e sua mulher (Hanna) é crucial para a partilha e interligação das ciências, um meio para a integração das chamadas ciências “duras” e tradicionais com as ciências sociais e humanas via emergência e criação de um novo paradigma de conhecimento, em que intuição e emoção fazem parte da razão.

 

08.05.2018
Joaquim Miguel de Morgado Patrício 

CRÓNICA DA CULTURA

 

A casa da Rosinha 25

 

A Rosinha 25 era a costureira da aldeia. Fazia todos os vestidos das raparigas solteiras que os levavam à festa anual da vila próxima. Os dias da prova dos ditos eram dias cheios de muita confusão na pequena casa. Vinham as raparigas, as amigas e as mães de todas para terem a certeza que a altura das saias era pela barriga da perna e que não existiam decotes para além da largura do pescoço de cada uma. A Rosinha 25, nestes dias, sentava-se nas escadas da casa que davam para a rua e com os vestidos num banco, ali provas e cores eram feitas e vistas com clareza.

 

O João Pataca pai da Rosinha 25 e filho do Manel Meio Tostão tinha dado à Rosinha 25 uma máquina de costura, joia única na aldeia, e que justificava a bebedeira do dia do nascimento do neto. A partir daí a Rosinha 25 bem sabia que tinha de fazer a lida do campo, mas vocação, vocação era a de costureira que rompia os alinhavos com os dentes que lhe restavam e a dar ao pé, lá iam as costuras por ali fora, como se um comboio a horas por elas passasse e não parasse. E vinham uns tostões a mais pois então, havia sempre uma vaca que os comia em palha no longo inverno.

 

Mas impressionava-me mesmo era com a casa da Rosinha 25. A cozinha em chão de terra húmida e bem calcada tinha forno de lenha de onde saía o delicioso pão quinzenal amassado por ela e uns suspiros feitos com as claras de ovos das galinhas que, na cozinha, depenicavam no chão o pão que o já muito velho João Pataca lhes atirava da velha cadeira onde se sentava desde as 7h da manhã e depois de beber a caneca de leite que tirava à vaca e que logo tomava como desjejum com um pouco de água ardente. Depois ali ficava à espera do almoço.

 

Recordo-me a comer os quentes suspiros dados pela generosa mão da Rosinha e a olhar para o formato da cadeira do João Pataca. A cadeira só tinha um fundo de cabedal roto e chamava-se cadeira porque encostada à parede dava para dormitar, enquanto se fora tratada como banco, o normal era o Pataca ao adormecer cair dele abaixo. Depois, da cozinha, via-se uma escada que, na altura, achava imensa e vertiginosa e que ia dar a dois quartos: o da Rosinha 25 e marido e filho e o do Pataca que o herdara do Manel Meio Tostão seu pai: e era este quarto que me despertava a atenção quando a Rosinha me deixava subir as escadas e ir vê-lo.

 

Cama de ferro com colchão de maçarocas de milho aos altos e baixos, lençol grosso e cor de terra clara embrulhado numa manta e tudo amontoado ao Deus dará em cima da cama e, debaixo dela, batatas e maçãs espalhadas com critério. O quarto cheirava a despensa ou a mercearia, não sei, mas muito me espantava quando depois de contar as batatas e as maçãs que a terra deles lhes dava, passavam-se duas semanas e o número era o mesmo. Rastejava de novo, e de novo contava as peças e de novo os números eram os mesmos.

 

Um dia vim escadas abaixo e disse para a Rosinha 25. Eu já sei contar e debaixo da cama do Ti Pataca estão o mesmo número de batatas e de maçãs. Então ó Rosinha, o que comeram estas semanas?

 

Ó menina respondia-me a Rosinha 25 no seu mais compreensivo olhar

Comemos pão e suspiros.

 

Teresa Bracinha Vieira

A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Lacaton & Vassal e a renúncia à forma.

 

A arquitetura de Lacaton & Vassal vai para além da forma. Custa imaginar, nos dias de hoje, uma arquitetura que não esteja comprometida com uma ambiciosa experimentação formal.

 

A forma para Lacaton & Vassal não é um problema arquitetónico mas um simples agregar de condições que respondam a uma situação específica e particular. A forma aparece então por si mesma - como um resultado de uma análise aturada, como uma consciente e crítica submissão programática e regulamentar, como um esculpir de fatores estimulantes. A forma não é assim forçada a ser formada. 

 

Lacaton & Vassal evitam grandes, exagerados e polémicos gestos. Talvez construam a favor de um contextualismo vernacular (Casa Latapie, Floirac, 1993), ou a favor de uma equilibrada intersecção de um volume construído com natureza (Casa em Lège, Cap Ferret, 1998).

 

'This square is beautiful because it is authentic. It processes the beauty of what is obvious, necessary, adequate. Its meaning emerges directly. People seem at home there. This square is fragile. It's delicate place in which there exists a balance.', Anne Lacaton & Jean Philippe Vassal.

 

O projeto de reformulação da Praça Léon Aucoc, em Bordéus (1996) concretiza um muito necessário desejo purificado de manter uma determinada autenticidade, uma intenção clara de evitar soluções dispensáveis e uma vontade em sublinhar ativamente as condições já existentes de vida. Lacaton & Vassal para este projeto propõem somente trabalhos de manutenção como a substituição da gravilha, a limpeza local frequente, e o podar dos limoeiros. 

 

Para que a formação aconteça sem a inevitável sedução formal, Lacaton & Vassal preferem usar materiais já usados e pobres (painéis de madeira e painéis ondulados de policarbonato e alumínio). O material com que se constrói a arquitetura mantém sempre um diálogo aberto e constante com o utilizador e a homenagem que, Lacaton & Vassal, fazem ao barato submete-se sobretudo a uma tão necessária lógica de usos e também indo contra uma cultura pré-estabelecida. Porém Lacaton & Vassal não se debatem por uma imposição estética e moral. A dupla de arquitetos deseja sobretudo eleger um material pelas suas características específicas, dando sobretudo valor (espacial e material) ao que já tem valor. A análise cuidada do existente e a sua permanente valorização gera a forma da sua arquitetura.

 

Ana Ruepp

LONDON LETTERS

 

The English Dream, Local elections and, A customs partnership, 2018

 

Muda o dignatário e suavizam-se as políticas de emigração. RH Sajid Javid é o novíssimo Home Secretary e é também o primeiro governante de raíz asiática e extração muçulmana a ocupar um dos quatro Great Offices of State. RH Amber Rudd resigna do cargo após resistir uma semana a revelações no Guardian sobre o titânico Windrush Affair, tropeçando finalmente nas respostas a comité parlamentar e cai por ter “inadvertently mislead the House.” O May Cabinet perde assim o quarto ministro e uma voz feminina liberal nas trincheiras da Brexit. — Chérie! Tant va la cruche à l’eau qu’à la fin elle se casse!

Os Tories acomodam a crise étnica e sobrevivem no adverso terreno das eleições locais de 4 May, em England, ao beneficiar do colapso do voto Ukip, com os Liberal Democrats a recuperar municipalidades e o Labour a ficar aquém das húbricas expetativas nos círculos de London. — Well. Never sell the fur before shooting the bear. Além mares é o trumpismo em todas as latitudes. Após o male’s friendship show do French President Emmanuel Macron na White House e o professional meeting com a Bundeskanzlerin Angela Merkel, o US President Donald J Trump confirma visita ao reino a 13 June. No entretanto avistar-se-á com Mr Kim Jong Un, com o objetivo da desnuclearização peninsular e os créditos do abraço histórico dos líderes das duas Koreas na zona desmilitarizada. Já o Foreign Secretary Boris Johnson está de visita a Washington DC para persuadir a administração norte americana da virtuosidade do acordo nuclear do West com o Iran. Em Spain, ao dissolver-se, a ETA pede públicas desculpas pelo sangue que por lá derramou durante décadas.

 

Glorious sunshine in this Monday Bank Holiday at St James, with almost everyone at the garden. O longo fim de semana e a quente atmosfera entrecruzam os quadros de veraneio com o rescaldo das eleições locais pelos média e ainda com tristes notícias sobre uma onda de violência juvenil. Não menos temível que estas batalhas entre gangs, anda de novo a Brexit War. A Prime Minister Theresa May tem em discussão a new EU-UK customs partnership no seio do HMaj Government. O modelo híbrido surge na sequência das derrotas sofrida pela European Union (Withdrawal) Bill na House of Lords, cujos debates em sede de matéria amiúde roçam o surrealismo, não faltando sequer o fantasma do ‘Uncle Adolph’ na fundamentação de série longa de emendas legislativas. Especialmente significativa é a que introduz autorização parlamentar para obrigar o executivo a regressar a Brussels para mais negociações, caso das atuais resulte acordo insatisfatório ou o famigerado no-deal. Empolgados pela ousadia dos pares, no apagar do referendo popular de 2016, os usuais suspeitos em Whitehall murmuram “the need of five more years” para implementar a saída do reino do clube continental. Em tudo isto movem-se discrete & Unhappy Brexiteers, ainda com October como data flutuante para encerrar o processo nas Houses of Parliament e contando os fuzis nas bancadas – talvez insuficientes para dar luz verde ao livre ajuste com a Other Union; bastantes, todavia, para lançar os Tories em corrida à liderança de Downing Street.

 

Se o Hitler claxon logo esfuma a efémera europeleja retórica na câmara dos pares e desnuda a guerra friccional todo o terreno entre Remainers e Leavers, o cenário de derrube da PM em modo thatcheriano ganha poderoso barítono, O honorável acaba de receber as chaves do Home Office, um sabido cemitério de políticos ambiciosos mas também uma prancha de lançamento para o 10. De lá sai, aliás, Mrs May; e de lá esperavam os centristas conservadores projetar RH Amber Rudd. A expetativa em torno da MP de Hastings and Rye (East Sussex) fica agora em mar de sargaços, não obstantes a resiliência da senhora ter ficado provada: caída como ministra no domingo à noite, no dia seguinte ergue-se na House of Commons com questão à PM sobre o controlo do terrorismo – pasta que geria. Seja como seja, uma eventual disputa pelo leme primoministerial tem um novo candidato potencial, cujo perfil, currículo e rol de serviços soma vantagens na geopolítica interna do Conservative Party e ainda na constelação britânica de eleitorado multicultural.

 

Por cá é falado entre portas como “The Coconut,” dado o sincretismo. Assumido “2nd-generation immigrant” e jurado em funções com promessa de “do right,” o ministro da administração interna é casado com uma católica e é flho de um muçulmano condutor de autocarros– um paquistanês, chegado ao UK em 1961 com 1£ no bolso. Nascido em Rochdale (Lancashire), cresce com 4 irmãos num 2-bedroom flat de bairro pobre em Bristol onde a família abre uma loja comercial. Ido do Filton Technical College, conquista lugar na University of Exeter e ruma licenciado à City. Aos 20 anos participa em primeva conferência partidária, como thatcherite, não se coibindo de desalinhar da Iron Lady quando esta decide a adesão de Britain ao EU Exchange Rate Mechanism. Aos 25 anos vai para o Chase Manhattan Bank e torna-se o seu youngest ever vice-president em New York. Regressa a London como diretor do Deutsche Bank, sendo recolocado em Singapore. Em 2009, com alguns milhões na bolsa, empenha-se na vida política por inteiro. Em 2010 é eleito como MP de Bromsgrove (Worcestershire). Entra para o Cameron Cabinet dois anos depois, como Economic Secretary to the Treasury (2012), Financial Secretary to the Treasury & City Minister (2013), Minister for Equalities (2014) até Secretary of State for Culture, Media and Sport (2014, com a supervisão da BBC). O trilho ascensional perdura no May Govt, como  Secretary of State for Business, Innovation & Skills (2015, e President of the Board of Trade). Aos 48 anos de idade, if anything else. o Home Secretary RH Sajid Javid é um ilustre exemplar do English dream.

 

O mais jovem casal da Royal Family apronta o matrimónio agendado para 19th May na refrescante reverência pelas ancestrais tradições do reino unido. O último detalhe relativo à boda de Harry of Wales e Meghan Markle é a escolha da modalidade de transporte para St George’s Chapel, em Windsor.

Kensigton Palace revela que os nubentes escolheram um Ascot landau, isto é; uma carruagem descoberta, urbana, convertível, de dois bancos e quatro rodas, que desde já transmite nota romântica ao cerimonial. O fiacre será puxado por quatro dos famosos Windsor Grey Horses, bem humoradamente classificados como um “quartet of good-looking, hard-working royalists:” o Milford Haven, o Storm, o Plymouth e o Tyrone. Os Royal Mews possuem uma dúzia destes coches para uso em celebrações especiais como os jubileus régios, bem como para acontecimentos como a ida para Westminster e a vinda para Buckingham da monarca aquando do State Opening of Parliament. Espera-se um evento pautado por todas as marcas da realeza, pois, com os convidados menos uniformizados entre a pageantry e os trumpeters.

 

Nestes dias liquídos há aqui vincado traço de continuidade na linha de sucessão da coroa. Aliás, tais sinais somam-se em torno da House of Windsor. Após Elizabeth II indicar ser seu desejo que HRH The Prince Charles of Wales lhe suceda na Commonwealth, gosto imediatamente correspondido pelo G53, aquele recebe um outro singular tributo familiar ao saber o novo neto como Louis Arthur Charles. O Prince Lou-ee of Cambridge, nato a 23 April 2018, a par do middle-name do King George VI, tem o denominativo de alguém que o herdeiro do trono um dia descreve como “the grandfather I never had,” Lord Mountbatten, assassinado pelo IRA em 1979. Como bem escreve em português um amigo em belíssimo livro cujas páginas ainda me deliciam, ter memória é respeitarmo-nos.  — Well. Keep in mind how Master Will plays in Macbeth with the human mind and the perils of some exotic amnesia: — “That memory, the warder of the brain, Shall be a fume, and the receipt of reason.”

 

St James, 7th May 2018

Very sincerely yours,

V.

A VIDA DOS LIVROS

 

De 7 a 13 de maio de 2018

 

«Os Portugueses – De Onde Vimos, o que Somos, para onde Vamos» de Manuel Sobrinho Simões (Gradiva, 2017) é uma reflexão que merece leitura atenta, revelando agudeza de espírito, oportunidade e lucidez.

 

 

ESPÍRITO DE EQUIPA
Nunca esquecerei a genuína admiração, eu direi mesmo, gratidão, que encontrei no Hospital Central de Maputo em resultado da cooperação realizada na capital moçambicana com a Fundação Calouste Gulbenkian, graças ao empenhamento pessoal de Manuel Sobrinho Simões, envolvendo o IPATIMUP (Instituto de Patolologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto). Trata-se da demonstração da importância da entreajuda, do diálogo, do intercâmbio e do espírito de equipa quando falamos do mundo da ciência e do conhecimento. E quando falamos com o Professor Sobrinho Simões notamos nos seus olhos o brilho especial do entusiasmo na procura e na descoberta, no encontro e na aventura criativa. Por isso mesmo falei de gratidão por parte de toda a equipa daquele «hospital de campanha» de Moçambique, a precisar como todos os projetos verdadeiramente humanos de um esforço constante, generoso, rigoroso, persistente e sem descanso das diferentes valências numa instituição que contribui com dificuldades e dramas para que a ciência possa ser posta ao serviço da vida e de todos. Que é o humanismo senão uma confluência fecunda de fatores e vontades? Mesmo quando o cientista nos dá informação sobre os progressos extraordinários alcançados, põe-nos de sobreaviso perante os novos desafios. Afinal, se estamos a controlar melhor determinadas doenças, há bem pouco consideradas invencíveis, não podendo esquecer que, ao aumentar a esperança média de vida, vemo-nos confrontados com a necessidade de garantir a qualidade de vida para as pessoas que sobrevivem e que nos países mais desenvolvidos vão atingir em breve os 100 ou 120 anos de esperança de vida. Há pouco mais de um século a falta de antibióticos, a mortalidade infantil, a ausência de higiene ou a falta de conhecimentos científicos deixava nos 40 anos a esperança média de vida nos países mais desenvolvidos. Hoje ultrapassámos os 80 anos de idade – mas a grande questão é saber como lidar com o envelhecimento e com a falta de sustentabilidade dos sistemas de segurança social. Fala-se de eutanásia, porque vivemos uma sociedade envelhecida, sem respostas para as novas circunstâncias decorrentes dos avanços científicos. O caso do Hospital Central do Maputo é muito diferente da situação dos países europeus, mas essa extraordinária cooperação está a contribuir não só para dar passos positivos naquele país irmão, mas também por estarmos a progredir globalmente em contacto com situações de emergência e de dificuldade extrema. 

 

A ADMIRAÇÃO PELA INTELIGÊNCIA
Numa entrevista a Anabela Mota Ribeiro, o homem de ciência põe os pontos no ii: «Uma pessoa inteligente é uma pessoa com quem aprendo quando estou a falar com ela. Tenho pouco tempo. Se tiver que identificar o meu grande problema, hoje, é o tempo. (…) Aqui, a inteligência não é num registo de avaliação de quociente de inteligência, é num registo da pessoa que mostra ao outro que há outras realidades, outras formas de ver o mundo, outras formas de se comportar perante o mundo. Para mim, isso é aprendizagem. Tenho uma curiosidade brutal. Pela televisão, pela literatura... Se soubesse mexer no computador, teria uma curiosidade brutal pela informação. (…) O problema maior da nossa cultura científica é a explosão dos conhecimentos. Realmente o genoma e os seus sucedâneos rebentaram com isto tudo... A minha aspiração máxima é aprender aos bocadinhos». De facto, é a aprendizagem que constitui a chave do desenvolvimento. Impõe-se transformar a informação em conhecimento, e garantir que esse conhecimento se traduza em sabedoria. De novo vem à baila a afirmação de T. S. Eliot, já várias vezes aqui lembrada. E é assim que encontramos a chave de uma cultura humanista – que articula necessariamente a educação, a ciência e a cultura como criação. Não esquecemos os extraordinários avanços das neurociências, que ligam incindivelmente o processo criativo do cientista e do poeta, do músico e do artesão, do matemático ou do jurista, do pintor ou do engenheiro, do escultor ou do arquiteto…

 

HUMANISMO VIVO
Rita Levi Montalcini demonstrou a importância crucial dessa visão humanista, através da sua vida longa, feita desde a resistência num campo de concentração até às descobertas fantásticas sobre as sinapses cerebrais. No fundo, trata-se de compreender que temos sempre de partir da imperfeição (Eduardo Lourenço usa a expressão fantástica de “maravilhosa imperfeição”) para a perfectibilidade, que pressupõe o exemplo, o cuidado e a atenção. E, num momento de imediatismos, temos de valorizar o tempo e a reflexão – chaves essenciais no mundo da ciência, mas também na vida social e política. Ora, Manuel Sobrinho Simões é um excelente exemplo para os dias de hoje do homem de ciência que nos obriga a todos a pensar e a assumir a liberdade e a responsabilidade. Ainda na referida entrevista, afirma: «Os filhos, os discípulos, são muito mais importantes que a obra. É um legado. Vivi toda a minha vida para criar condições de desenvolvimento das pessoas que, ou nasceram comigo, ou vivem comigo, ou trabalham comigo. Não sei porquê. O sucesso de um miúdo meu, seja filho, seja discípulo, seja colaborador, deixa-me muito realizado». Eis a valorização do essencial, as relações pessoais, o progresso como uma evolução em que vamos, de geração em geração, transmitindo conhecimento e sabedoria. E neste ponto chegamos à reflexão de Manuel Sobrinho Simões sobre a preocupante falta de instituições com que nos deparamos, um pouco por toda a parte. A demagogia, o populismo e o chauvinismo são o resultado desse vazio de instituições e dessa ausência humanismo – pelo culto de valores abstratos, mas como enraizamento social da responsabilidade e da partilha. E fala com entusiasmo do IPATIMUP: «A instituição tem um aspeto muito interessante que é estar num segmento de partilha. As pessoas aqui têm amor à camisola e gostam disto. Mas não é pelo aspeto simbólico. É porque o pertencer a isto é uma chancela de que a pessoa é capaz e está a fazer coisas». Falar com Manuel Sobrinho Simões é um prazer inaudito. Sente-se a proximidade humana e o conhecimento em estado puro, generoso e atento. O patologista torna-se antropólogo, o médico assume-se como alguém que fala da vida e das pessoas de carne osso, em vez de se reportar a teorias ou abstrações. Um dia falávamos de Alcácer do Sal, da forte incidência das sezões ou da malária para quem se encarregava da colheita do arroz… Falei-lhe da forte presença de africanos, mais resistentes à doença – e logo ali o mestre me falou de tudo aquilo que eu sabia, e do muito mais que ele conhecia desse tema e que devia acrescentar-se. O que encontramos tem a ver com o conhecimento, a curiosidade, a aplicação prática do que se sabe… Estamos no cerne do conhecimento e da vida, numa palavra, na essência da cultura. A ciência hoje precisa de todos, mais do que nunca – mas especialmente de quantos têm os olhos abertos para todos os sinais que podem tornar a vida melhor e a dignidade humana mais respeitada.

 

Guilherme d'Oliveira Martins
Oiça aqui as minhas sugestões - Ensaio Geral, Rádio Renascença

CARTAS DE CAMILO MARIA DE SAROLEA

 

Minha Princesa de mim:

 

   Soube, cedo pela manhã, que o Fidesz de Viktor Orban terá obtido quase 50% dos votos nas legislativas húngaras, os quais lhe darão uma maioria absoluta (ou seja, de 2/3 dos lugares) no Parlamento. A sua campanha assentou fundamentalmente na política anti imigração, evocando razões de segurança interna e a preservação da identidade nacional.

 

   Mas, ao talho da fouce lúdico-grave com que temos cortado em efemérides e mitos, na nossa correspondência recente, Princesa, calha mais a jeito o "Viva!" gritado por um jovem apoiante do Fidesz, chamado Lehel: Orban é um visionário, o maior homem político da Europa. A sua política é que é a boa! Viva Trump, viva Putin e viva Orban!

 

   Uma política trindade, que dispensa comentários. Qualquer "populismo" é trágico-cómico, revela sobretudo, hoje, uma carência cultural - que nada ou pouco tem a ver com esses debates acerca da atribuição de subsídios a um universo vário de iniciativas "culturais" - mas é indigência de educação básica da descoberta das raízes e desenvolvimento da nossa natureza ou ecossistema espiritual, e de espírito crítico. Os providencialismos surgem quando já não sabemos bem intimamente quem somos, e deixámos de pensarsentir por nossa cabeça-coração.     

 

   De tanto te falar de curiosidades "imperatoriais", lembrei-me de um dos últimos títulos da série Lucky Luke, daquela em que o desenhador Morris, que inventara a personagem do cowboy solitário nos anos 40, teve como parceiro guionista o também inolvidável Goscinny, trabalhando juntos de 1955 a 1972. A história aos quadradinhos (ou quadrinhos) que ora te recordo é a de L´Empereur Smith (Dargaud, 1976), conto impagável, em que, aliás, também é posto em cena um colega e amigo dos dois autores, o desenhador Uderzo, brevemente anunciado, num baile da corte imperial de Smith, como Sua Excelência Giovanni Uderzo, Embaixador de Sua Majestade Vítor Manuel II, Rei de Itália!... O verdadeiro nome do Uderzo (desenhador de Asterix e Umpapá) era Alberto. Tudo aquilo é uma paródia de qualquer corte napoleónica, esta recriada numa imaginária cidade do Oeste americano, Grass Town. Não te digo mais, apenas te aconselho leitura muito divertida e... instrutiva!

 

  A ficção do conto, ainda por cima, tem raízes históricas. Citando os autores, traduzo: Por inverosímil que pareça, a aventura de Dean Smith, "imperador dos Estados Unidos" baseia-se em factos históricos.

 

   Na verdade, algumas personagens excêntricas sonharam transformar em monarquia a jovem e grande República americana. A mais célebre persona foi um tal Joshua A. Norton, nascido na Grã-Bretanha a 4 de fevereiro de 1819. Chegado a São Francisco em 1849, lançou-se logo a negócios. Inteligente e manhoso, fez rapidamente fortuna no imobiliário e na importação. Mas, alguns anos depois, Norton arruinou-se num infeliz negócio de cereais: esse desastre financeiro fê-lo perder a razão.

 

   Foi então que uma obsessão ganhou corpo no seu espírito doente: decidiu que era Norton I, imperador dos Estados Unidos. Já não tendo dinheiro, não pôde levantar um exército, comprar armamento e rodear-se de fasto. Assim, era perfeitamente inofensivo. Os habitantes de São Francisco acharam divertido esse homenzinho ridículo que se arrogara os títulos sonoros de imperador dos Estados Unidos e protetor do México. Em breve se tornou chalaça corrente enviarem-lhe telegramas assinados por chefes de Estado, tal como publicarem-se proclamações fantasiosas por ele assinadas. O imperador Norton depressa se tornou popular: era um homem bom e cortês, e quando morreu, a 8 de janeiro de 1880, mais de 10.000 pessoas assistiram ao funeral. Tinha entrado, à sua maneira, e de pleno direito, no panteão dos excêntricos que contribuíram para forjar a formidável lenda do Oeste.

 

   O génio da escrita de Goscinny e do desenho de Morris tornaram tal história numa sátira divertida em que, a par de um olhar benevolente e de humana estima sobre o de per si inofensivo louco Dean Smith, e de uma acertada, ainda que sempre hílare, reprimenda dos malevolentes oportunistas que, à sombra do imperador, procuram riqueza e poder, se nos oferece o "show" de uma burguesia inchada de nada pelo vício gostoso de títulos e honrarias do império. Babados. Quiçá em evocação dos exércitos napoleónicos, os soldados de Smith justificam-se: é bem melhor andar fardado e bem pago do que correr planícies atrás das vacas...como quando éramos apenas esforçados cowboys!

 

   Mas, em 2ª feira de primavera chuvosa - que, todavia, vai tornando, dia a dia, mais viçosa a minha cerejeira do Japão - volto, Princesa de mim, à notícia de abertura desta carta (a brincar ao telejornal): a oposição húngara (talvez excluindo a extremíssima direita, que conquistou quase 20% dos votos) está dividida, e um pouco perplexa, entre liberais e socialistas, mais ou menos europeístas. Na linha do que vamos, tu e eu, Princesa, conversando, deu-me gosto e gozo ler um artigo no meu "Réveil" do Courrier International desta manhã, intitulado: En Pologne, rire des hommes politiques plutôt que déprimer. É melhor rirmo-nos dos homens políticos do que entrarmos em depressão.

 

   Referem-se vários espetáculos, programas televisivos e ditos humorísticos, numa Polónia governada pelo PiS, Partido Direito e Justiça. Desde o espetáculo de cabaré Pozar w Burdelu ("Há Fogo no Bordel") ao televisivo Make Poland Great Again! (lembro-me de já ter ouvido algo parecido...) ou, ainda, uma adaptação da série americana Saturday Night Live. Tudo modos de rir dos poderes e das oposições, assim desdramatizando situações e conflitos, reduzindo megalomanias imperiais à dimensão, pequena mas humana, dos Smith sem providencialismos. Tentativas de chamar o bom senso à ribalta, através do riso que, em minha opinião, é, muitas vezes, o remédio dos sábios: abre portas à sageza, ao sentido de justa proporção, ao espírito livremente crítico, à alegria da responsabilidade.

 

   [Gosto muito, no discurso do papa Francisco, dessa insistência em tudo referir à alegria: a da boa nova, a do amor, a da aprendizagem e, já agora, digo eu, porque não?, à da responsabilidade, isto é, do dever em consciência cumprido.]

 

   [Ucha Prezesa ("O Ouvido do Presidente"), de que vi um episódio pelo YouTube, brinca com uma presidência diáfana e inefável, mas tentacularmente presente, e com os seus respetivos sequazes e opositores. Este Presidente não é o da República, Andrezj Duda, mas a eminência parda, Jaroslaw Kaczynski, líder do Partido Direito e Justiça. Todos acabam por não saber bem a quantas andam...]

 

Camilo Maria

  
Camilo Martins de Oliveira

Os Primeiros Cineteatros de Lisboa

 

Faz-se aqui referência ao lançamento do excelente livro de Guilherme d’Oliveira Martins, intitulado “Ao Encontro da História – O Culto do Património Cultural” (Gradiva Ed. – 2018), onde, entre tantos mais temas, se efetua a análise histórica dos cinemas de Lisboa, a partir do início do século XX.

 

Efetivamente, no ponto de vista da infraestrutura do espetáculo cinematográfico e dos edifícios respetivos, Guilherme d’Oliveira Martins elenca uma série de cinemas ou espaços de espetáculo inaugurados em Lisboa, a saber:

 

O Salão São Carlos, na Rua Paiva de Andrade, próximo do então Real Theatro de São Carlos, em 1907; o Salão Chiado, também em 1907, este chamado “O Animatógrafo”, na Rua Nova do Almada; o Salão Trindade, na Rua Nova da Trindade, em 1909; o Salão “The Wonderful”, este instalados em 1911 no Jardim de Inverno do antigo Teatro D. Amélia, na época denominado Teatro Republica e mais tarde Cinema e hoje Teatro São Luis.

 

E mais esclarece Guilherme d’Oliveira Martins que “em boa verdade, o primeiro Salão, com direito a consideração especial, como espécie de caverna mágica, entre Platão e Alibabá, que aparece é o Salão Ideal ou Salão do Loreto...”

 

O livro evoca mais cinemas entretanto em funcionamento e ligados de uma forma ou de outra a estes movimentos de cultura e de espetáculo:  designadamente o Cinema Colossal da Rua da Palma que em 1916 estreou um filme de Ernesto de Albuquerque sobre a banda desenhada do “Quim e Manecas” criada um ano antes por Stuart Carvalhais.

 

E a esse respeito, Guilherme d’Oliveira Martins salienta “a ligação incindível entre o cinema e a BD”.

 

E acrescenta:

 

“Dir-se-á que as imagens em movimento motivam o traço da caricatura, superando o naturalismo, mas dando também um passo adiante do simbolismo. E pode dizer-se que o cinema não está longe desta motivação”. E cita o “Manifesto Anti-Dantas” de Almada, exatamente de 1915 e a propósito da estreia de uma peça de Julio Dantas, “Mariana Alcoforado”.  

 

Em resumo:  

 

Estamos perante o que poderemos chamar de primeira geração de salas de espetáculo especialmente vocacionadas para o cinema, mesmo que não   exclusivamente. Era uma época em que o cinema dava primeiros passos, o que torna a referência e elencagem ainda mais relevante: Lisboa revelava-se na época uma cidade de certo modo moderna no que respeita às artes do espetáculo!

 

Porque só mais tarde se generalizam pelo país fora os cineteatros. Mas aqui estamos numa primeira fase em que o cinema surge autonomizado e sobretudo extremamente inovador.

 

DUARTE IVO CRUZ

CRÓNICAS PLURICULTURAIS

 

8. A CURIOSIDADE E O NÃO SABER

 

O ser humano está formatado para a curiosidade. 

O que nos deve entusiasmar é o que não sabemos, não o que sabemos.

A ciência e as artes são a continuação da curiosidade, da criação, do que não sabemos. Esperamos que a ciência e a arte não respondam a todas as perguntas, se não deixariam de ser ciência e arte, acabaria a curiosidade e a criação.

O verdadeiro artista e cientista faz perguntas e tem poucas ou nenhumas respostas.  Querem descobrir ou saber, interessam-se por aquilo que não sabem e não por aquilo que sabem.   

Querer saber é também querer ter poder. Saber é poder e poder é saber.

A evolução faz-se por fraturas, na ciência, nas artes, na democracia, no direito à informação, na liberdade de expressão, em tudo, onde impera a dúvida, a curiosidade, o incerto, o impermanente, o imperfeito, que nos atrai e estimula a continuar, a criar, a inovar, a ir mais além do além. 

Mas a ciência e as artes não respondem a tudo. 

Não respondem ao mistério último das coisas e da nossa existência.

Por exemplo, a dimensão do infinito e do sagrado é de tal modo misteriosa que nos ultrapassa. São transcendentes, dado que não os conseguimos perceber. Não são demonstráveis, à semelhança de Deus, não sendo objeto de ciência.

Mas matando a curiosidade e o porquê formulador de outros porquês, apelamos à ditadura, expurgando a democracia, em benefício de um conservadorismo certo e permanente, com reflexos na ciência e nas artes, formatadas por regras fixas e limitadas, contrárias à criação e inovação contínua. 
Há quem prefira a liberdade à segurança e quem prefira a segurança à liberdade, tendo esta como um bem acessório. 
Ao longo da história da humanidade, da história de todos nós, a luta pela liberdade, pela curiosidade e pela sabedoria, tornou-se o símbolo da democracia e dos maiores progressos civilizacionais. 
Mas a História também nos ensina que feitos incríveis alcançados pelos antigos gregos e romanos, entre outros, se perderam, e que com a sua queda se conclui que a civilização não progride em linha reta, nem na direção de mais prosperidade, ordem, lei, ciência, saber e tecnologia.
Daí, de igual modo, ser importante encontrarmos algo de comum entre todos nós, como seres e pessoas humanas, em que não há raças, mas uma espécie humana, e uma só Terra, em conjugação de esforços e de interesses com a curiosidade permanente em busca do que não sabemos, com abertura ao outro, a par do bem comum, da ética, da ciência, da cultura e do saber.

 

01.05.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício

Marc Hendrickx: Cohen, uma linguagem que compreendo

 

Marc Hendrickx que desde 2005, preside à Associação de Escritores da Flandres propõe-nos um livro em que aposta no confronto da obra do cantor e poeta judaico-canadiano Leonard Cohen.

 

A problemática do pensar a felicidade, a fé, a consciência, o amor, a velhice e a morte, é-nos sugerida numa abertura de horizonte no caminho de um interpretar amplo da vida de Cohen, de onde se não arreda a sua passagem pelo mosteiro Zen da Califórnia que, constituiu refúgio do poeta, algumas vezes. O legado de Cohen é um legado de contínuo regresso à preocupação com as palavras e dentro destas a recordação da maturidade em crescimento de cada uma.

 

A proposta de Cohen no determinar quais as passagens das recordações a reter, enquanto paisagens íntegras, ao longo do caminho da vida, e, sem receios de que as escolhidas se encontrem em confronto com a corrente dominante, é temática não descurada por Marc Hendrickx, sobretudo quando descobre na obra de Cohen a curva da tensão no seu “nós” indefinido.

 

Quem somos e de onde vimos quando os nossos heróis estão vivos e depois de todos eles nos faltarem? Também nos poemas de Cohen, a solidez desta questão atravessa os tempos colocando o dedo na ferida da própria doença, da fealdade, da deslealdade, da decadência, da memória que nos ajuda a explicar quem somos afinal e quanto o distanciamento temporal e espacial são importantes ao relato correto também de nós próprios e do que vivemos. Da inveja, da falta de amor e da frustração enjaulada e encapotada resultam seres viciados em recordações tentaculares e de dramatismos das oportunidades perdidas, como se as suas atuais verdades tivessem uma só medida: a medida da sua interpretação, devidamente adaptada à importância que a si mesmo atribui o supostamente tê-las vivido assim, como a descrevem, num agora à medida de fato com pregas e bainhas q.b.

 

As histórias moldadas de cada um não determinam a paisagem da recordação, antes a enésima notícia que nos damos, homenageia a consciência que queremos ter, independentemente das circunstancias que se viveram não conseguirem lidar com essas imagens da verdade do agora.

 

Repara Marc Hendrickx que a teimosia do excesso acima descrito conduz ao que Cohen explica nas suas canções como sendo o caminho do vazio, mesmo que se tenha mão certeira às anotações da obra impossível, que, se diz e muito se transmite ter vivido.

 

E tudo nos conduz a Leonard quando comparou o ser humano na sua procura desesperada, a uma ave pousada no arame que tanto adverte como consola.

 

Que cada um encontre em si o despertar de um Cohen que não nos pertence, ou a viagem de cada um não fosse apenas a de cada um, numa relativização da verdade e não do seu dito sonho ou realidade polvilhada com a luz que reflete e que raramente se expressa como luz própria.

 

Numa edição da Guerra e Paz em 2008 eis a proposta.

 

Teresa Bracinha Vieira