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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

HENRIQUE NASCIMENTO RODRIGUES

 (1940-2010)

    

  

Conheci Henrique Nascimento Rodrigues há cerca de trinta e cinco anos no então PPD. Penso que foi através do meu amigo Mário Pinto. Era uma figura esguia, inconfundível, que aliava o sentido de humor a uma rigorosa consciência da justiça social. Era um social-democrata, profundo conhecedor das questões do mundo trabalho, e para nós jovens entusiasmados com a tradição trabalhista e social-democrata, leitores sôfregos dos documentos mais avançados sobre as novas gerações de direitos, tornou-se facilmente uma referência. Não podia, afinal, haver o “socialismo democrático”, de que Francisco Sá Carneiro falava desde a sua entrevista a Jaime Gama no “República”, sem a vivência do mundo do trabalho – e esse era o tempo em que procurávamos também ser fiéis à herança do Padre Abel Varzim e do combate do “Trabalhador”, silenciado em 1948, e do sindicalismo cristão da escola da JOC e de Monsenhor Cardijn, bem como do velho Centro de Cultura Operária, em ligação aberta com todo o sindicalismo democrático. Ao lado de Nascimento Rodrigues estavam, entre outros, na luta pela liberdade sindical, pelo diálogo e negociação tripartida, pela defesa dos direitos dos trabalhadores e de uma democracia política com participação permanente dos cidadãos, Mário Pinto, o primeiro ideólogo desses temas (de influência decisiva, com Maldonado Gonelha, na criação da UGT), Alfredo Morgado, José Teodoro da Silva, Carlos Augusto Fernandes de Almeida, Manuel Alpiarça, Furtado Fernandes, Ruben Raposo, Rui Oliveira e Costa, – falando dos primórdios dos primórdios…

Nascimento Rodrigues foi técnico do Fundo de Desenvolvimento da Mão-de-Obra, depois de se licenciar em Direito na Universidade de Lisboa (1964), conhecendo profundamente o Direito do Trabalho. Aliás, a sua carreira de jurista e jurisconsulto foi feita em estreita ligação com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a cuja Assembleia presidiu, tendo sido um consultor qualificado da organização. Foi deputado à Assembleia da República e presidente da Comissão parlamentar de Trabalho (1979-80), foi Ministro do Trabalho do VII Governo Constitucional (1981), de 1992 a 1996 foi Presidente do Conselho Económico e Social e de 2000 a 2009 foi Provedor de Justiça. Teve, assim, uma folha exemplar de servidor público. Conversámos longamente, ao longo de muitos anos, sempre nos encontrámos no essencial dos valores humanos e cívicos.

Depois de deixar as funções de Provedor de Justiça, num processo pessoalmente dramático, de que fui testemunha pessoal, e sobre o qual muito falámos, criou um blogue que alimentou até pouco antes de falecer. “O Ouvidor do Kimbo” invocava as origens africanas e as memórias riquíssimas desse tempo. Não resisto a citar um desses textos: «Aprendi (…) o que era o mato e fiquei a ama-lo para sempre, tanto que ainda hoje, mais de sessenta anos volvidos, sou capaz de fechar os olhos e de vislumbrar as árvores de porte majestoso, umas, ou de tronco delgado, outras, sou capaz de escutar os sons das ramadas, das folhas e dos galhos a tombar, de entender, enfim, os ruídos próprios desse mundo que só estava à espera, como uma mulher, de ser penetrado. E aprendi, sobretudo, a cheirar o cheiro penetrante da floresta, tal como mais tarde haveria de aprender que Angola é terra de mil cheiros: o cheiro da terra vermelha, o cheiro dos quimbos, o cheiro dos rios e das anharas, o cheiro dos bichos e dos pássaros e do céu alaranjado, o cheiro das chuvas que inseminavam os campos ou que deslizavam, mornas, pela cara, o cheiro dos frutos tropicais, a manga, a papaia, o maboque. Acreditem que aquela terra é um festival de cores e de cheiros».

A memória de Henrique Nascimento Rodrigues está bem presente. Era um amigo, um cidadão de serviço público, um exemplo, alguém que acreditava genuinamente na dignidade da pessoa humana.

                                                                                                                

  Guilherme d'Oliveira Martins

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