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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

LouisKahn_desenho.jpg

Acerca do desenho na obra de Louis Kahn.


‘Na verdade, eu busco a essência das coisas.’,
Louis Kahn

Na procura do que a construção deseja ser, Louis Kahn (1901-1974) afirma espírito antes da função, definindo o seu ciclo criativo deste modo: 1.Desafio; 2. História (como precedente); 3. Natureza do Espaço (Essência); 4. Ordem (Forma); 5. Projeto; 6. Edifício (como resultado). (Tyng, 1997)

‘If the concept is wrong, the design almost falls in place (…). As you progress and develop, the form will be modified, and you should welcome this, because the concept will be so strong that you cannot destroy it.‘ , Louis I. Kahn, 1953

Kahn esclarece e faz valer as suas reflexões ao buscar a essência e a verdade da disciplina da arquitetura, ao instruir e transmitir uma apreensão subjetiva – pela sua experiência, pelo estudo exaustivo dos propósitos sociais modernos, pelo New Deal americano, pela vida do Homem em comunidade e pelas formas do passado (que estudou nas viagens que realizou à Europa em 1928-29 e em 1951-52). Kahn ao ensinar na Escola de Yale, a partir de 1947, clarificava igualmente as suas ideias ao partilhá-las por todo o mundo, em aulas e em conferências. (F. Galiano, 2001)

Louis Kahn repete constantemente a importância da ideia na conceção da arquitetura e a procura pela intenção e pela luz faz-se concretamente pelo desenho.

‘Lou was destined for greatness. His father, who at times worked as a stained glass artist and whose graceful script made him a valuable scribe, encouraged his son to draw…’ (Tyng, 1997).

Kahn assistia às aulas gratuitas, nas manhãs de sábado no Graphic Sketch Club e ganhou diversos prémios de desenho da sua cidade. Porém, decidiu abandonar o seu objetivo de estudar pintura na Academia de Belas Artes da Pensilvânia. Kahn impressionou-se com a disciplina da arquitetura –porque a cidade era, para si, o lugar onde o Homem, ao caminhar pelas ruas, podia descobrir o que fazer o resto da sua vida. (Brownlee, 1998)

Durante os anos 20, Paul Cret formou Kahn, na Universidade da Pensilvânia, no rigor da geometria da École des Beaux-Arts de Paris. E Kahn destacou-se pelos seus trabalhos em aguarela e nos desenhos à mão levantada, requisito então indispensável para os estudantes de arquitetura, assim como nas disciplinas de História da Arquitetura, Pintura e Escultura. A formação académica Beaux-Arts e a colaboração no gabinete de Paul Cret, entre 1929 e 1930, contribuíram para que Kahn superasse uma conceção da arquitetura puramente funcional e atendesse ao espiritual, à história, ao passado, à axialidade, à geometria (que potencializa a aproximação da forma à estrutura), à centralidade, à articulação e à hierarquia (Anne Tyng recorda ‘Lou always wanted a distinction between things.’ – a hierarquia espacial faz esquecer a planta livre, indeterminada, porque para Kahn cada elemento tem uma identidade e uma autonomia própria).

Para Kahn, desenho significa:

  • Apreensão do objeto exterior por parte do sujeito: Em 1928-29, durante uma viagem realizada à Europa, Kahn desenvolveu uma nova expressão do desenho, baseado em parte pela sua familiaridade com as correntes contemporâneas da arte norte americana. Desenhava as paisagens com grossos contornos. Quando pintava com aguarelas, o efeito era mais próximo dos pintores da american scene e sempre que aplicava a cor de forma plana, assemelhava-se à obra de Charles Demuth e Georgia O’Keeffe (Brownlee, 1998). Em 1951-52, a viagem de Kahn a Roma, à Grécia e ao Egipto confirmou a infiltração da arquitetura monumental como fonte de inspiração principal em trabalhos futuros. Kahn desenhava para materializar impressões concretas – ‘O arquiteto deve ter sempre um olho posto na melhor arquitetura do passado. A nossa arquitetura é insignificante comparada com a arquitetura romana, na qual se experimentaram com todas as possíveis variações da forma pura. Devemos reinterpretar a arquitetura de Itália em relação ao nosso conhecimento de construção e às nossas necessidades. Porém é muito gratificante tomar como ponto de partida as construções existentes, para ler, e modificar debaixo desta luz, as minhas próprias aproximações à criação de espaços.’ (Kahn, 1951 em Brownlee, 1998)
  • Concretização de ‘feeling’ (intuição, essência, reflexão sensível) transformado em ‘thought’ (medida, matéria, ordem, hierarquia): Para Kahn o desenho aproxima a essência da matéria. E permite que as propriedades mais profundas do objeto não se alterem, sempre que a forma é submetida a deformações programáticas. Feeling ao associar-se a Thought, através do desenho permite a realização da forma. Forma para Kahn, é assim a concretização de uma vontade de existência universal e eterna que estabelece o equilíbrio com o mundo natural, onde as leis não mudam e que implica uma hierarquia dos elementos e das funções. Kahn diz ‘Form has an existence, but existence does have mental existence so you design to make things tangible.’ O processo de projeto não pode, para Kahn, trair a essência do desenho inicial, que depende da capacidade intuitiva do arquiteto e da sua apropriação do programa. Os primeiros desenhos devem procurar representar o sentido de projeto, isto é, um número ilimitado de modelos e padrões, que põem em relação os vários elementos de projeto. As figuras padrão, correntemente trabalhadas por Kahn, são o quadrado, o triângulo e o círculo – figuras com autonomia geométrica, formas arquetípicas por excelência, associadas às construções clássicas.  
  • Ao trazer mais uma vez Louis Kahn, reforça-se a importância de criar espaços eternos (na profundidade da ideia e na concretização do projeto), contrariando a ideologia racional e funcional do movimento moderno, valorizando sim a arquitetura como reflexão sensível - ‘É necessário, portanto, considerar os requisitos da essência do ambiente que inspira a atividade do Homem.’(Kahn em ‘Conversas com Estudantes’)

Ana Ruepp