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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

Roehampton_InaCasa.jpg
Roehampton_InaCasa

 

As New Towns Inglesas e os Bairros INA-Casa italianos.

 

‘The implied objective of this line of thought is a nightmare world in which the Leader or some ruling clique controls not only the future but the past. If the Leader says of such and such event, ‘It never happened’ – well, it never happened… This prospect frightens me much more than bombs – and after our experiences of the last few years, that is not a frivolous statement.’, George Orwell, ‘Looking back at the Spanish Civil War’(London, 1943)

 

A aplicação directa do estilo internacional e da Carta de Atenas na reconstrução das cidades logo após a Segunda Guerra Mundial poderia significar o apagar de memórias, o apagar de identidades. Já a convicção das New Towns Inglesas e dos bairros INA-CASA italianos evidenciam sobretudo o respeito pela orografia e história do local, conservando certas características rurais - a Rua assume-se como espaço canal e a Praça e o Pátio reaparecem.

Assim que a Segunda Guerra Mundial termina, a reconstrução de algumas cidades europeias devastadas foi urgente, nomeadamente em Inglaterra e em Itália. Para uma maior rapidez, economia e eficácia adoptou-se o racionalismo explícito do Estilo Internacional e da Carta de Atenas. Porém, esta difusão fugaz demonstrou-se frágil, sobretudo pelo racionalismo mecanicista que representou – as cidades que se desenvolveram de acordo com este modelo ficaram marcadas pelo Planeamento Funcionalista, ou seja pelo zonamento do seu tecido em funções especializadas, segregadas e controladas a partir da gestão e do investimento público (estas metrópoles modernas foram causa da suburbanização das periferias, da sobrepolarização dos centros e do crescimento vertiginoso dos sistemas de circulação).

Sendo assim, a crítica ao racionalismo mecanicista seguiu a partir de duas linhas de desenvolvimento. Por um lado, o vínculo ao lugar era procurado na cultura histórica e social, dando vida a inquéritos tipomorfológicos acerca das cidades e a uma maior adesão à problemática social. Por outro lado, uma tradição empírica, tendencialmente nórdica e anglo-saxónica, preferia um estudo da adaptação antropológica ao contexto físico sobretudo no que diz respeito aos aspectos topográficos e climáticos.

Em Inglaterra, a herança deixada pelas cidades-jardim, trouxe para este novo pensamento crítico, a vontade de desenhar a cidade através de traçados curvilíneos, da integração dos edifícios (unidades residenciais) em zonas verdes. Esta corrente criticava a Carta de Atenas, essencialmente, pela sua ruptura clara com o passado. Os planos de reconstrução ingleses (concretizados pelas New Towns - Harlow de Frederik Gibberd, 1947-48 e Roehampton de Hubert Bennet, 1952-55), pelo contrário, propunham a inclusão da diversidade que a própria cidade já possuía. Ora, as New Towns, organizam-se em células que permitem um maior contacto da população com os serviços. A humanização destes lugares passa pela adaptação do desenho urbano ao sítio, à topografia, dando  importância a questões qualitativas, pensando no cidadão como pessoa e num grupo de cidadãos como uma comunidade social. A construção destes espaços não advem de uma ideia abstracta, mas sim de um propósito social, de serviço, para melhorar a vida do homem comum. Estas inovações tiveram repercussões nos Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna (CIAM), levando à sua extinção em 1959.

Em Itália, a necessidade de reconstrução não era tão elevada. Havia, sim, enormes deficiências em edificações, falta de habitação e uma crise política a afirmar-se. Simultaneamente, surgia, neste clima de mudança, um movimento cultural novo – o movimento neo-realista. Este movimento permitia uma nova visão sobre a realidade, aceitando-a e denunciando-a na sua verdade pura. Esta nova visão desenvolveu-se no cinema de Vittorio de Sica, mas também na arquitectura – novas gerações de arquitectos exploravam temas respeitantes à realidade quotidiana, circunstancial, concreta, exprimindo, deste modo, a preferência por formas arquitectónicas populares. Os edifícios adaptavam-se ao sítio, à vivência tradicional, aos materiais mais reconhecíveis (a telha, o tijolo), ao clima (janelas mais pequenas). Estes novos interesses geraram novas referências – estudava-se, agora, atentamente os trabalhos de Wright e de Aalto. A arquitectura neo-realista não se manifestou meramente pontual – os seus mais importantes exemplos dizem respeito a iniciativas do estado coordenadas pelo INA (Instituto Nacional de Habitação). É o programa INA-CASA que origina bairros e unidades residenciais mais reais (por exmplo o bairro INA-CASA de Tiburtino em Roma de Ludovico Quaroni e Mario Ridolfi, 1949-54), construídos segundo ideias que usavam materiais e métodos de construção tradicionais, uma disposição urbana mais humana e uma adaptação climática adequada.

Ora, tanto o exemplo dos bairros ingleses como os italianos, construídos no pós-guerra, rejeitam a ideia de arquitectura baseada numa teoria, e acreditam sim na ideia de arquitectura como processo de transformação. Sempre numa tentativa de aproximar a arquitectura à terra, de a relacionar com o legado histórico e urbano, estabelecendo sempre o compromisso com o lugar.

 

Ana Ruepp

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