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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

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O Clube de Ténis de Monsanto de Francisco Keil do Amaral.

 

O Clube de Ténis de Monsanto (1945-49) é um equipamento construído no Parque Florestal de Monsanto, em Lisboa.

Em 1939, Keil do Amaral foi convidado a integrar a equipa de arquitetos do Município de Lisboa para apoiar as iniciativas de Duarte Pacheco – que incluíam a expansão urbana de Lisboa e a qualificação funcional da cidade (iniciativas associadas à comemoração dos oito séculos da tomada de Lisboa aos mouros).

Keil do Amaral inicia assim, a sua atividade, a projetar diversos equipamentos e espaços verdes na cidade – entre eles o Aeroporto; a Feira Internacional de Lisboa; o arranjo das estações-tipo e o projecto da Sub-Estação principal do Metropolitano; a Estação do Parque; o Parque Eduardo VII (a Estufa Fria e as três versões nunca concretizadas do Palácio da Cidade); o Campo Grande (a sala de chá, o lago com esplanada e a piscina infantil) e o Parque Florestal de Monsanto.

O projecto do Parque Florestal de Monsanto consistiu na florestação de toda a serra e na implantação de diversos equipamentos de maneira integrada, explorando os diversos pontos de vista sobre o estuário do rio Tejo e de modo a garantir a articulação do Parque com as áreas urbanas envolventes, o viaduto e a Auto-Estrada Lisboa-Cascais.

Juntamente com o engenheiro silvicultor e pintor Joaquim Rodrigo, fez surgir em Monsanto arvoredos, estradas, sinalizações, candeeiros, bancos, bebedouros, miradouros, restaurantes, courts de ténis, o parque infantil e o teatro ao ar livre.

Ora, Keil do Amaral fez parte da segunda geração de arquitetos modernos (nascidos em 1910) que procuravam uma conceção da arquitetura diferente da geração anterior – porque agora ser moderno exigia uma luta pela liberdade, ser moderno significava descobrir que a força do portuguesismo vem das profundas raízes e não de ‘bonitos’ conceitos e exortações.

Para Keil do Amaral arquitetura é vida. A favor de uma arquitetura séria e coerente, Keil pretendia servir vontades reais e funcionais – mais do que agradar Keil aplicava uma visão humanista, porque a arquitetura não é só expressão plástica. A favor de uma arquitetura que vem da raiz dos tempos, Keil tentava entender o fenómeno da casa portuguesa, não através de uma leitura imaginada e nacionalista, mas através de uma abordagem objetiva e necessária – por isso, impulsionou empenhadamente a elaboração do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, desmistificando assim a arquitetura portuguesa propagandeada pelo regime oficial.

O moderno de Keil passa a ser entendido como uma verdade elementar, uma serenidade, um despojamento, sem utopia, sem vanguarda, sem manifestos. Keil do Amaral abriu caminho a uma revisão da arquitetura moderna, através da prática de uma arquitetura social e de um tradicionalismo comunicante com a vida local.

O Clube de Ténis, integrado no plano do Parque de Monsanto inclui o projecto do pavilhão de apoio aos courts de ténis, que apresenta uma organização do espaço clara e funcionalista.

Ao desenhar o Clube de Ténis, Keil trás Willelm Dudok e a arquitetura de Frank Lloyd Wright.

A obra de Dudok impressionou Keil pelo método de trabalho adotado, que se iniciava com um estudo atento do sítio e da envolvente para construir o bem-estar e a felicidade do homem. Igualmente Keil, no Clube de Ténis de Monsanto, assume uma abordagem associada à exploração do sítio através de um desenho orgânico e sensível.

No Clube de Ténis, Keil aproxima singularmente o pavilhão à natureza e à paisagem. De um modo natural a construção pertence e continua o sítio. Trazendo à memória Wright, Keil integra totalmente o objeto na paisagem – a implantação, o encaixe, as vistas, os percursos. O sítio é criador das condições programáticas, funcionais e formais. O sítio não é só entendido como um problema a resolver, é material de teorizações, é gerador morfológico e tipológico. A planta do pavilhão é retangular de planos cruzados, desenvolve-se em dois pisos para aproveitar o desnível e assim articular com o volume que distingue a entrada. O acidente do terreno, o modo de ocupar e a dimensão humana contrariam, interrompem e deformam as formas puras, ortogonais e abstratas determinadas pelos modelos modernos mais ortodoxos. O pavilhão ao situar-se no declive participa da sua circunstância geológica, no seu movimento natural. Para Keil o sítio não é um constrangimento ao desenho das formas. O projecto é um desenvolvimento geológico – erguem-se os muros de pedra que ligam o pavilhão do Clube de Ténis à terra, e acentuam a horizontalidade.

Teoricamente racional, Keil integra, numa lúcida e rigorosa interpretação a sabedoria das construções tradicionais e da arquitetura popular – a cobertura de uma só água encaixada em abas de madeira permite o generoso espaço único interno e o extenso envidraçado a sul.

Embora sendo um programa coletivo, Keil utilizou uma escala sólida e controlada, desenhando espaços de dimensão humana, recusando toda a arquitetura que se sobrepõe ao homem ou que é independente dele. A favor de um realismo, da autenticidade e da verdade, Keil preocupou-se em fazer no Clube de Ténis uma arquitetura certa, justa e adequada.

Ana Ruepp