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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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A FORÇA DO ATO CRIADOR

 

Gottfried Böhm e os Paços do Concelho de Bensberg.

 

'O mundo das formas levanta oposições que se desfazem à luz do entendimento.', Agostinho da Silva

 

O arquiteto

Apesar de vencedor do prestigiado Prémio Pritzker, em 1986, Gottfried Böhm (1920) sempre se manteve uma figura marginal nos debates da arquitetura dos últimos sessenta anos. Os historiadores e os críticos de arquitetura têm alguma dificuldade em categorizar a sua obra, por ser demasiado complexa, mutável, multifacetada, mas também específica e irrepetível. Talvez a sua obra se aproxime mais do trabalho de Häring, de Sharoun, de Asplund e de Aalto (porém Böhm admira também o trabalho de Mies). 

Böhm não escolheu nem a via teórica, nem a via da propaganda - sempre se referiu à sua arquitetura de maneira modesta e despretensiosa mas largamente descritiva. Böhm fala sim através da luz, da sensibilidade ao sítio, do moldar do betão, das formas esculpidas, do modo como se usam os espaços.

Apesar de professor, durante vários anos, em Aachen, Böhm não fundou nenhuma escola ou movimento, preferindo, sempre que possível, que a sua arquitetura falasse por ela própria. 

A influência do trabalho do seu pai - o arquiteto expressionista Dominikus Böhm - também contribuiu para a importância do 'espírito do lugar' (genius loci), do sentido do toque e do realismo da matéria. E Gottfried cresceu no meio das ideias do pai, que se relacionavam com a vontade em fazer uma arquitetura religiosa de atmosfera específica, sensível e concreta. 

Gottfried começou por estudar arquitetura mas estudou também belas artes e escultura. Trabalhou primeiramente com o seu pai e depois com Rudolf Schwarz. Em 1955, após uma breve estadia nos Estados Unidos, Gottfried herdou o escritório do seu pai e continuou assim o seu trabalho - nomeadamente na construção de igrejas e de edifícios sociais. 

 

'New buildings should fit naturally into their surroundings, both architecturally and historically, without denying or prettifying the concerns of our time.', G. Böhm

 

O Castelo
Ora, sem a presença do castelo, a solução criada por Böhm, para Bensberg, seria impensável. Bensberg cresceu e desenvolveu-se à volta do castelo, que data do séc. XIII. A partir do séc. XVII ficou abandonado e em ruínas e no séc. XIX, o castelo foi convertido num mosteiro e num hospital. Em 1961, o município decidiu reunir no castelo todos os seus vários departamentos. A proposta de Gottfried Böhm ganhou o concurso. A decisão chave do seu projeto, além de apresentar uma rara sensibilidade ao lugar, propunha a demolição do volume construído no séc. XIX, de maneira a expor as muralhas originais do castelo e assim clarificar a reinterpretação do arquiteto. A solução igualmente exponencia, em certa medida, as teorias de Camillo Sitte - ao prolongar linhas existentes, ao preservar a memória de gerações anteriores, ao enfatizar a irregularidade das cidades antigas, ao aceitar mutações constantes e ao transformar os problemas em vantagens. 

 

A torre
A solução de Böhm ao concentrar-se imensamente numa torre anti-funcional vai contra o seu tempo - não nos esqueçamos que a simplicidade e a racionalidade de Seagram tinha acabado de ser construída e os blocos modernistas afirmavam ainda a 'máquina de habitar'. A torre de Böhm em betão sólido, explora afinidades com a pedra e a máxima capacidade das cofragens. O material simples e monolítico é trabalhado de forma complexa, sendo reflexo da geometria das torres antigas, ou mesmo sugerindo a formação de uma rocha que se eleva a uma pirâmide pura. As aberturas mesmo abaixo do seu término, sugerem a presença humana, mas a torre permanece um espaço misterioso, impossível de visitar e inacessível. Os esquissos e as maquetes de Böhm, mostram que a torre sempre se desenhou multifacetada, elevando-se a partir da escada em espiral. A forma teve variadas versões. A luz e a sombra mudam constantemente durante o dia. O seu sucesso formal muito se deve aos projetos que Böhm fazia em paralelo - igreja de St. Gertrud, igreja de St. Matthew e Catedral de Neviges - porque todas também apresentavam coberturas multifacetadas, imensamente exploradas em esquissos e maquetes. Em Bensberg, Böhm teve a capacidade expressiva para criar um momento culminante (a torre) e combinar a marcação modernista através das fenestrações horizontais corridas - aqui fazendo referência ao universo corbusiano. 

 

'History has a natural continuity which must be respected.', Gottfried Böhm

 

Mas Böhm, consegue quebrar a monotonia da horizontalidade, nos cantos ora côncavos ora convexos, introduzindo diferentes alturas e níveis. A solução volumétrica tem uma presença formal e mássica muito determinante no castelo e na cidade. Existem algumas semelhanças com a torre Einstein de Mendelsohn, e com a ideia de StadtKrone de Bruno Taut e as torres cristalinas expressionista. Porém Böhm estava interessado em algo muito maior do que uma simples forma escultural - como arquiteto, Böhm sempre se interessou por uma arquitetura que apresentasse caminhos e direções legíveis e um sentido extremo de progressão espacial. 

 

Em Bensberg, Böhm deu assim uma vida vibrante ao que restava do antigo castelo. E sem ostentação, nem domínio, nem qualquer demonstração de poder inseriu um grande e potencialmente complexo e aborrecido programa burocrático no centro da cidade antiga. Permitiu assim criar uma nova identidade no centro de uma pequena vila. Os volumes construídos não se veem de uma só vez e não se apresentam monoliticamente distribuídos - Böhm  demonstrou habilidade em trabalhar com o assimétrico, o não-retangular, o complexo, o irregular, o novo e o velho. O material, o extenso vocabulário, a imaginação poderosa, a visualização das potencialidades, o controlo intuitivo, o máximo de respeito e o constante diálogo com o existente, em muito contribuíram para o seu sucesso.

 

(ver CANNIFFE, Eamonn e JONES, Peter Blundell, 'Modern Architecture Through Case Studies, 1945-1990.', Architectural Press, Oxford, 2007.) 

Ana Ruepp

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