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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ATORES, ENCENADORES - LVII

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MÁRIO DE SÁ CARNEIRO
DRAMATURGO, DOUTRINADOR, ENCENADOR

 

Neste ano de 2016, celebra-se o centenário da morte de Mário de Sá Carneiro, ocorrida em Paris nos 26 anos do poeta. Conhecem-se as circunstâncias trágicas deste desfecho auto-infligido a uma vida que se desenvolveu numa linha ímpar de criação e renovação, e numa perspetiva de extraordinário valor nos quadros de modernização determinados a partir do ORPHEU: mas nada disso prevaleceu, como bem se sabe.

Sabe-se menos que Sá Carneiro procurou desenvolver uma obra de criação dramatúrgica, de que até nós chegaram dois textos completos, ambos em coautoria: «Amizade» escrita com Tomaz Cabreira Junior e «Alma» esta escrita com Ponce de Leão. Não sabemos qual a intervenção criacional direta de Sá Carneiro, nem isso assume grande relevância: as peças ficam aquém da extraordinária criação poética. E há notícia concreta de outras peças eventualmente não escritas ou abandonadas: «O Vencido» (1905), «Gaiato de Lisboa» (1906), «Pesar de Estudante» (1907), «Feliz pela Infelicidade (1908), «A Farsa» e «Irmãos» (ambas de 1913), além de uma adaptação de «L’Aveugle» de Michel Provins.

Não vale a pena tentar imaginar o que seriam e o que valeriam estas peças, ou como se concretizaria a obra teatral de Sá Carneiro, se não tivesse posto termo à vida aos 26 anos de idade. O que delas resta abre pistas para uma dramaturgia angustiada, a partir de temas existenciais diretos: assim François Castex recorda que “em «O Vencido» Sá Carneiro põe o problema da fé e da conversão”. E «Amizade», tal como noutro local escrevi, “ao repisar a temática do adultério e do incesto, ao retratar o amor e a amizade sem ultrapassar certa mediania estética e literária, (…) assume alguma intensidade prejudicada no entanto pelas debilidades da estrutura propriamente teatral”.

Luis Francisco Rebello recorda que a «Amizade» foi representada em 1912 por amadores de uma Sociedade de Autores Dramáticos no Clube Estefânia de Lisboa com envolvimento direto de Sá Carneiro. E Rebello cita um artigo de Sá Carneiro publicado em 1913 no jornal “O Rebate” e transcrito por Fernando Pessoa:

“Uma obra dramática é uma obra plástica porque para lá das suas palavras existe qualquer outra coisa que é nela o principal: suscita um arcaboiço, uma arquitetura. A obra-prima teatral lança mesmo duas arquiteturas: uma exterior, mera armadura, outra interior”…

Ora bem: na sua vida fugaz, dramaturgo incerto, episodicamente diretor de uma companhia “experimental” como hoje diríamos, Mário de Sá Carneiro trouxe também para o teatro a genialidade subjacente a toda a sua obra, mesmo que cada uma das peças o não assuma integralmente.

Nestes 100 anos da morte prematura, haverá mais ocasiões de o recordar e analisar.

 

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Bibliografia citada:
– François Castex, “Mário de Sá Carneiro e a Génese da «Amizade»” - Ed. Almedina 1971;
- Duarte Ivo Cruz, “História do Teatro Português” - Ed. Verbo 2001;
- Luis Francisco Rebello, “Três Espelhos - Uma Visão Panorâmica do Teatro Português do Realismo à Ditadura (1820-1926)” - Ed. INCM 2010

 

DUARTE IVO CRUZ