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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

COMUNIDADE DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA

 

I - ANTECEDENTES E GÉNESE (I) 

 

Com a fixação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro, esta cidade converteu-se em capital do Império e foi a sede do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, pelo que todas as decisões relevantes do Reino provinham de terras brasileiras, de onde passou a ser governado todo o mundo lusíada.

 

Com a independência do Brasil, em 1822, consagrou-se a separação, embora o Tratado de Paz e Aliança de 1825, disponha, no seu preâmbulo “os mais vivos desejos de restabelecer a Paz, Amizade, e boa harmonia entre Povos Irmãos, que os vínculos mais sagrados devem conciliar, e unir em perpétua aliança”.

 

A procura desse fator comum de união permaneceu presente até aos dias de hoje, traduzindo-se num conjunto de planos para unir os dois países, assim surgindo o interesse para a criação de uma Comunidade Luso-Brasileira. 

 

A recuperação da relação privilegiada entre Portugal e o Brasil ocorreu em 1922. Os acontecimentos mais marcantes foram a travessia aérea do Atlântico Sul pelos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral e, nesse mesmo ano, a visita ao Brasil do Presidente da República Portuguesa, António José de Almeida, coincidindo com o 1.º centenário da sua independência.

 

A ideia de uma Comunidade Luso-Brasileira recebeu um forte ímpeto de Gilberto Freyre, com destaque para as suas obras “Casa Grande & Sanzala” (1933) e “O Mundo que o Português Criou” (1940). Destacando e enaltecendo a ação dos portugueses nos trópicos e na formação do povo brasileiro, contribuiu decisivamente para uma reviravolta, pela positiva, da autoestima dos brasileiros e da sua visão da atividade portuguesa no Brasil. Depois de Freyre, o estudo da colonização portuguesa no Brasil passou a ser vista com maior interesse, o mesmo acontecendo em relação à génese e emergência do povo brasileiro, libertando a opinião pública brasileira de pessimismos e complexos de inferioridade, com os respetivos reflexos em Portugal.

 

Surge, neste contexto, um dos maiores entusiastas da aproximação entre os dois países, o embaixador do Brasil em Portugal, José Neves Fontoura, principal mentor do Tratado que foi a concretização inicial da Comunidade Luso-Brasileira.

 

Em 16 de novembro de 1953, no Rio de Janeiro, é assinado o Tratado de Amizade e Consulta, entre Portugal e o Brasil, em cuja introdução consta basear-se no mútuo reconhecimento “das afinidades espirituais, morais, étnicas e linguísticas que, após mais de três séculos de história comum, continuam a ligar a Nação Brasileira à Nação Portuguesa, do que resulta uma situação especialíssima para os interesses recíprocos dos dois povos”.   

 

Aspetos fundamentais dele resultante são o reconhecimento jurídico da Comunidade Luso-Brasileira, consulta recíproca relativa a problemas comuns da Comunidade, mesmo de âmbito internacional, e a criação de um estatuto especial para os cidadãos de ambos os países. 

 

O Tratado de Amizade e Consulta traduziu-se no primeiro projeto de uma comunidade de povos de língua portuguesa.

 

É imperioso referir que entre os eventos que podem ser vistos como antecedentes da CPLP, estão dois Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, feitos em Lisboa, em 1964, e na Ilha de Moçambique, em 1967, realizados sob a responsabilidade da Sociedade de Geografia de Lisboa, que tiveram como maior dinamizador Adriano Moreira, na sua qualidade de Presidente da União das Comunidades de Cultura Portuguesa.

 

Esta União tinha por fim “promover e assegurar as relações e a cooperação das associações, grupos e indivíduos que estejam ligados ou se interessem pela conservação e propagação da cultura portuguesa” (art.º 1.º). Para cumprir os seus objetivos, a União deveria servir “a cooperação entre os portugueses, descendentes de portugueses e pessoas filiadas na cultura portuguesa, tendo especialmente em vista os que residem habitualmente fora do território português” (art.º 2.º). 

 

No relatório geral do I Congresso das Comunidades Portuguesas, salienta-se a necessidade de um movimento destinado à salvaguarda da herança cultural portuguesa no mundo. Referem-se, enumerando-os, três grupos de fenómenos que os portugueses difundiram mundialmente: o achamento do mundo não europeu, a europeização dos trópicos e a formação do mestiço. Como seu resultado defende-se que os portugueses descobrem a unidade da espécie humana, aproximam da Europa novas civilizações e criam a antropologia cultural e física dos trópicos, exportando para os continentes mais distantes “os genes e os patterns culturais euro-mediterrânicos”.

 

Para além de notórias as influências de Freyre e do luso-tropicalismo, constata-se que tais realizações são também precursoras do atual conceito de Lusofonia. Antecipam-se mais à atual noção de Lusofonia que à da CPLP, pois agarram mais de perto aquela e são mais abrangentes no seu conteúdo, à semelhança da Lusofonia. É assim, desde logo, porque a CPLP é uma organização de vocação restrita quanto aos seus membros, de natureza interestadual e intergovernamental.

 

Outro avanço de grande importância, no âmbito da Comunidade Luso-Brasileira, foi a Convenção sobre a Igualdade de Direitos e Deveres entre Portugueses e Brasileiros, assinada em 07.09.1971, em Brasília. 

 

Desde o Tratado de Paz e Aliança de 1825 e o de Amizade e Consulta de 1953, existia uma ideia de tratamento especial concedido, em reciprocidade, aos cidadãos de Portugal e Brasil.

 

Com a Convenção de Brasília, à ideia de tratamento especial veio juntar-se a de igualdade de tratamento, estabelecendo aquela, no seu art.º 1.º: “Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respetivos nacionais”

 

Tal Convenção baseava-se em princípios constitucionais de igualdade das Constituições do Brasil e de Portugal, em obediência ao princípio da reciprocidade. Não era de aplicação automática, mas tão só após requerimento da parte interessada a quem de direito. 

 

Para a aquisição da igualdade de direitos civis exigiam-se como pré-requisitos a residência permanente e a capacidade civil em conformidade com as leis do país (art.º 5.º). Para os direitos políticos, a residência durante cinco anos no país e saber ler e escrever português (art.º 7.º da Convenção e art.º 5.º, n.º 3, Decreto-Lei n.º 126/72, de 22/04).   

 

Não se estabelecia uma dupla cidadania ou uma cidadania comum luso-brasileira.  Observa Jorge Miranda: “Os portugueses no Brasil continuam portugueses e os brasileiros em Portugal brasileiros. Simplesmente, uns e outros recebem, à margem ou para além da condição comum de estrangeiros, direitos que a priori poderiam apenas ser conferidos a cidadãos do país” (Manual de Direito Constitucional. Estrutura Constitucional do Estado, Tomo III, 2.ª edição, Coimbra Editora, 1988, p. 145).

 

Com o 25 de abril de 1974, novos horizontes e estratégias surgiriam.

 

20.02.2018

Joaquim Miguel De Morgado Patrício