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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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CRÓNICA DA CULTURA

 

A vaidade dos desejos

 

Recordo uma história profundamente absurda que incidia sobre uma enorme quantidade de pessoas que ao terem alcançado uma imaginação desalmadamente prolífera, tão logo mencionassem qualquer coisa, e, ela logo lhes surgia ali mesmo à frente dos narizes. Este particular poder conferia-lhes uma vanglória ao anseio que os enchia de ares de tudo ser.

 

E como é complicado determo-nos nesta componente dos poderes, desta feita associada ao orgulho! Assim, e por bizarro que pareça, Aladino estabeleceu com estas gentes uma estranha relação bem mais prática que qualquer ciência pagã.

 

Um dia, estando D. Fernando a passear pela sua longa vinha junto ao Douro eis que lhe surge Rosália a mulher de seu grande amigo Pedro que naquele fim-de-semana lhe faziam companhia no solar. Rosália fundamentava os seus olhares a D. Fernando, no prazer conferido pela verdade da sua beleza madura e, aos poucos, nunca distraídos um do outro, caminharam, a conversar, até à bela adega encerada e de belos sofás de recantos que possuía a quinta.

 

E se nós fossemos capazes de controlar o cosmos, ó Rosália, já pensou nisto? Alguma vez o desejou?

 

Sabe Fernando, os meus desejos são mais antiquados, mais quedos, diria; o meu marido é, como sabe, um homem que se preocupa sobretudo com a objetividade do estado de um fumeiro e tanto lhe basta para me contar com um largo sorriso que este ou aquele ano até o presunto de salmoura terá melhor gosto. Creia que esta ligação digamos, à terra, me faz não pensar no cosmos que, seguramente até um beijo me levaria!

 

Fernando, vendo e sentindo a aproximação do corpo de D. Rosália bem como a chama do seu desafio, rapidamente tornou os três desejos num, chamou por Aladino enquanto esfregava a garrafa de porto e baixinho desejou:

 

Tira-me já de mim este reumatismo maldito!

 

Aladino não cuidou que D. Fernando desperdiçava dois desejos e de imediato cumpriu aquele que seria afinal o desejo de dois breves amantes em tons de rosa.

 

Mas eis que a garrafa, de súbito, escaqueirou-se no chão em pedacinhos, já que as forças sem reumatismo desalinhavam-se para se realinharem no corpo todo e entenderem agora os pesos por ele seguros.

 

Rosália, boquiaberta, avistou de súbito a idade de D. Fernando e a sua e apressou-se:

 

Era tal a vaidade no seu vinho, era tal o desejo que eu o provasse na sua companhia que enfim, um certo comedimento se impôs. É natural, disse, já toda corada.

Não Rosália, não foi bem isso. Eu é que pedi um elefante branco que visse tudo azul.

 

E por temer uma recarga do reumatismo, atirou-se D. Fernando, um tanto sem jeito, para um dos sofás, onde, para seu espanto acabara caído sentado.

 

A partir daqui, diz-se, prevaleceu nos círculos literários um estilo simples e menos cheio de metáforas híbridas que tanto assustavam os leitores, afastando-os dos livros e que bem mais os apavorava, diz-se, do que o vislumbre de um centauro resmungando aos troianos contra o propósito da Guerra de Troia. 

 

Teresa Bracinha Vieira