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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

O RENDIMENTO BÁSICO INCONDICIONAL: mero contributo à reflexão

 

De  facto há muito que um estado social devia ter estado atento à substituição do emprego dos homens pelas máquinas e que o trabalho não devia ser a fonte única de rendimento, nem o número de horas de trabalho fosse indicativo da produtividade e que quem não tem trabalho não é necessariamente o tal mandrião objeto de reprovação ética, ou o mérito não fosse por aqui, algo a deixar escondido de moeda que o pague sem que um RBI lhe acuda como liberdade justa de opção de trabalho e de remuneração por dignidade de indispensável interesse à reflexão na investigação de um futuro melhor. No entanto, tudo o que se faz como trabalho, até o cansativo trabalho de lida de casa, constitui uma fonte de dignidade para os casais, para a família, para a sociedade no seu todo e deveria ser compensado pela existência mais cómoda e digna que provoca na sociedade no seu conjunto. Esta é uma das situações exemplares de falha de perceção da política pública, sendo esta atividade prestada a uma coletividade por pessoas privadas, e que traduz real qualidade de vida. Quanto vale uma mesa posta diariamente com tudo o que só de olhar, induz ao sentir de um lar, desenvolvendo momentos de ternura e diálogo, interrompendo quantas vezes? com eles as horas de luta por vida mais justa, recolhendo delas algum descanso e força? Não terá o RBI que ter em conta igualmente a armadilha da sociedade a quem suporta este trabalho e o pratica, e, quantas vezes se diz no desemprego? Será que a segurança social passa a ferro dentro da casa de cada um ou limpa-a como prestação social? Então a medida mais revolucionária seria a de atribuir um rendimento básico e incondicional a quem trabalhando, no hoje dito não trabalho, mas produzido com fortes externalidades positivas, fosse capaz, afinal, de aumentar o bem-estar social no conjunto das famílias. Pensemo-lo. Desenvolvamo-lo. Criemo-lo como projeto-piloto.

 

E se pensarmos no dito não trabalho imaterial e material produtivo da cultura? Que solução ao incentivo do entendimento de um mundo realmente melhor provocado por quem transmite conhecimento? e que quantas vezes nos é pedida a obrigação de um contributo sem verba sequer para o agasalho dos livros? E no amplo conceito da pobreza que não gera riqueza nem emprego? sem que tenha visibilidade substantiva a criação de trabalho próprio? Como se funciona? Creio que podemos dizer que se o RBI fosse impeditivo de não se dar o trambolhão abaixo da sustentação da rede mínima que nos segura a vida em dignidade de opção, ou seja em dignidade e em liberdade, a verdade é que, outros, que, sem essa rede, para ela acabariam por contribuir, qual rede que poderiam considerar alheia ou a solidariedade não estivesse mais longe do mundo do que o projeto-piloto do RBI no Alasca ou na Finlândia ou em países africanos.

 

Os pensamentos simples e as palavras simples e as ideias que as gerem são saudosas da busca na solução da evidência que atalha o rebuscado fenómeno das ideias que, sendo recentes, não são novas. Diga-se que a realidade ainda não escoou como assunto diagnosticado, e muito menos tratado, as questões inerentes aos consensos sociais e políticos, às absolutamente necessárias medidas de transformação das estruturas de enquadramento para que se insira um projeto cuja verdade utópica tem pernas para caminho como cremos que poderá ser o RBI. Todavia, há que pensarmos nesta questão do Rendimento Básico Incondicional com sincera modéstia, pois se a adesão às novas ideias carece de um domínio das mesmas invulgar, então que haja também uma suspeita construtiva da sua falência e que se lhe atribua as mesmas armas de quem as expõe com a sedução da esperança.

 

O exemplo do incentivo à preguiça que muitos entendem constituir as férias pagas não deveria, em nossa opinião, acreditar em si mesmo como um direito inalienável se, confrontado com a precariedade. Eis um exemplo de difícil perceção no convite - para nós, errado - a que não se abdique de algo que pode ser substituído por um outro bem--estar redefinido, e que seja ele, por hipótese, a distribuição interna no seio de uma família, através de uma gestão por objetivos dos gastos dela, nomeadamente extensiva na casa de uma Europa renovada, ou antes numa Europa nova na origem de cada um de nós, para que não arraste com ela o navio naufragado o qual também secou as esperanças em terra.

 

Os projetos-piloto de um RBI em Portugal e a nível europeu seriam seguramente mais sustentáveis e entendidos por um “público” carente de uma ideia de justiça ainda não concretizada. Contudo, presta-se a expressão «rendimento básico incondicional» a uma adesão rápida por grande parte da sociedade que nela encontra o cobrir de muitas carências sem que auto-inculque um contributo individual à resolução das mesmas. Todavia, para nós, haveria que atentar ao sentir básico do a quem se destina, para que o RBI se não tornasse uma inevitabilidade sem o contributo de quem por ele deveria modificar vida e nela modo de pensar e de estar.

 

A aplicação do RBI mesmo no que se refere ao ambiente, tendo em conta que os recursos da terra são escassos, será seguramente domínio de política gradualista, infelizmente, diríamos, tão gradualista que arriscaria perder a sua vocação de vanguarda se errada for a fase do ciclo político e económico em que fosse implantada, bem como o respetivo time lag de cada país ou de cada país na europa. Por outro lado a questão política na base do RBI pode aceitar não arriscar mais do que uma pseudo-inovação que cative o voto, ou, a política de hoje não fosse um estudo não feito daquilo que a ciência política, há muitos anos propôs como desafio: menor estado e melhor estado.

 

Lembremo-nos do quanto o RBI estava contido na temática dos impostos da célebre curva de Arthur Laffer que, nem por isso, constituiu uma liberdade para cada individuo demonstrar o seu grau de insustentação face à carga fiscal.

 

O gap estrondoso provocado numa sociedade biónica com consequências ainda de contornos indizíveis e sem precedentes, alterou e alterará a estrutura do emprego sem que se intua quem, de entre os pensantes, explicará com clareza a quem é dono do voto, o quanto a inteligência artificial é uma questão decisiva já do presente e, necessariamente, do futuro próximo que pode pecar por confiança ou defeito, mas que à escala global, e, consoante as políticas públicas e privadas, não será nunca, atente-se, uma via de criação normativa que impedirá ou incentivará os cenários de uma proteção social distinta da atual, a não ser por agravamento penalizador da sua sustentabilidade. Por óbvio, se questiona, o quanto a insustentabilidade do atual sistema de segurança social, e de estado social, poderá impedir o novo modelo de crescimento económico mundial de atingir os custos decrescentes, e com eles a capacidade de o Estado pagar atempadamente um RBI. Não deveremos ter em conta um fiel de balança que explique uma eventual incapacidade de mercado que pode ser substituída por seguros individuais que libertariam verba para o RBI, mas que poderiam induzir a um receio nas gentes, o receio de que afinal o Estado para eles falira, e este novo modelo não era mais do que um tamponar interpretativo dos seus novos medos de se verem sem o Estado, tal qual até aqui, por muito que ele já não seja a velha órbitra que no final, de um modo ou de outro, entenderia cada um, ainda era pátria o que se queria: ainda é nação o que se espera.

 

Queremos também dizer com isto, enfim, que o RBI ao desejar contribuir para a atenuação da desigualdade, pode e deve criar oportunidades até inerentes à desejável e já praticada redução dos horários de trabalho, sistema a funcionar já noutros países, com melhorias na qualidade de aprender a felicidade da opção do trabalho a desempenhar, estabelecendo um equacionar propício entre automatização e RBI.

 

Entenda-se que o saber do construir a vida, competência exclusiva de cada um, não será assegurada por robôs, ainda que robotizada se encontre a sociedade-modelo na qual se se vive, essa mesma, onde se deseja implantar o RBI e a sua genética, como se as juntas de transmissão dos valores dos homens, estivessem disponíveis a uma real mudança. Permitam que se duvide.

 

Ainda assim, independentemente de se dialogar sobre a melhor estratégia de sustentação deste sistema do RBI, independentemente de o mesmo ser visto como um melhoramento do antigo rendimento mínimo, independentemente da mudança nas políticas estruturais terem aqui o seu momento áureo, temos de evitar que o RBI seja redundante, seja uma adaptação tão tradicional quanto outras anteriores; ou seja, julgamos que a oportunidade e o seu sucesso reside sempre numa auto supervisão do modelo teórico, tao sedutor quanto a realidade atual pode vir a ser a melhor parceira a um casamento por comunhão de vários bens.

 

Teresa Bracinha Vieira