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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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OS MAIS ANTIGOS TEATROS DE LISBOA - IX


O CINE-TEATRO IMPÉRIO


A Alameda D. Afonso Henriques constitui um referencial de certo modernismo urbano e arquitetónico da Lisboa dos anos 30/40: e o arrastar de obras trá-la para os anos 50. Assim, temos num dos topos do vale o Instituto Superior Técnico, projeto de Pardal Monteiro, construído no final dos anos 30. No outro extremo, a Fonte Luminosa, dos irmãos Rebelo de Andrade, inaugurada em 1943. E no meio do vale, o então chamado Cine-Teatro Império, de Cassiano Branco, com intervenções arquitetónicas de Frederico George e Raul Chorão Ramalho, painéis decorativos de Luis Dourdil e de João Fragoso, “solenemente” e “ espetacularmente” inaugurado em 1952, com “La Beauté du Diable”, filme referencial de René Clair.

E já agora – bem próximo, temos o Instituto Nacional de Estatística, também de Pardal Monteiro, projeto de 1936.

Margarida Acciaiuoli descreve o processo de construção, e salienta “os cuidados postos na decoração, chamando a atenção para o efeito que provocava logo à entrada o painel de azulejos de João Fragoso e as pinturas do próprio Frederico George, presentes nos foyers do primeiro e do segundo balcão” (in “Os Cinemas de Lisboa - Um Fenómeno Urbano de Seculo XX” – 2012).

O Império foi predominantemente cinema, mas o palco permitia, desde inicio da exploração, esporádicas intervenções musicais . Porem, aquilo que lhe deu uma dimensão importante e relevante , podemos dizer, na renovação /modernização do espetáculo e na cultura teatral, foi o Teatro Moderno de Lisboa.

No panorama teatral da época, o TML constitui uma poderosa e algo insólita inovação. Trata-se de uma sociedade de atores, que durou entre 1961 e 1965 sem apoio do Estado, o que na época (e ainda hoje…) era no mínimo insólito. A partir de 1963 passou a receber apoio da FCG, mas isso não rouba mérito e coragem aquele grupo inicial de 4 artistas, aliás do melhor que a cena portuguesa alguma vez já teve: Carmen Dolores, Armando Cortez, Rogério Paulo e Fernando Gusmão.

Mas o mais relevante é a qualidade do repertório e sobretudo a forma como a Sociedade Artística inovou no tipo de exploração do espetáculo e o apoio que recebeu do público, principal sustento da atividade artística e comercial, como aliás o teatro deveria sempre ser, mas raramente é. Basta lembrar para isso que o Império nunca deixou de ser basicamente um cinema de qualidade, mas de grande público – ou de outra forma, não poderia sustentar uma sala enorme e “difícil”, em quatro pisos repartidos por plateia algo elevada e dois balcões, como aliás era habitual na época, com a diferenciação inerente de preços dos bilhetes.

E o mais complicado era a simultaneidade da exploração teatral e cinematográfica. O Império foi sempre predominantemente cinema: isto é, manteve as sessões do que então se chamava primeira matinée, pelas 15.15-15.30H, e sessão da noite, pelas 21.30H. E a sessão que na altura se designada por segunda matinée, cerca das 18-30 H, e as manhãs de domingo às 11 H, era preenchida com os espetáculos do Teatro Moderno de Lisboa. Nada mais arriscado para a exploração comercial.

Mas foi um sucesso de público e de crítica, desde logo na peça de estreia, “O Tinteiro” de Carlos Muñiz, peça em que Alfonso Sastre realça “um certo realismo expressionista, um neoexpressionismo que significa uma correção crítica com relação ao expressionismo propriamente dito” (cit. in Historia del Teatro Español, dir. Javier Huerta Calvo, vol. II, 2003). E seguiu-se Fedeau, Miguel Mihura, Steinbeck, Strindberg, Adamov, Shakespeare, Luís Francisco Rebello…

Até que sobe à cena “O Render dos Heróis”, de José Cardoso Pires: e foi essa a última peça do TML, retirada de cena pela censura teatral, que aliás a tinha aprovado. Ora, tal como noutro lado recordei, a peça “representa a revolta popular da Maria da Fonte, destacando-se a recriação épica da força do povo no movimento politico e a adequação de psicologias e condutas independentemente das motivações” (cfr.Teatro em Portugal” - 2012). Levá-la à cena constituiu um dos “verdadeiros atos de resistência” à censura, como diz Luís Francisco Rebello…(in “Breve História do Teatro Português”, 2000; cfr. também Maria Regina Rodrigues “A Situação do Teatro Português na Década de 1960”: Tito Lívio e Carmen Dolores “Teatro Moderno de Lisboa” 2009).

Aí acabou na prática a exploração teatral do Império: mas não do cinema. Pelo contrário – em 1964 é inaugurado, no último andar uma sala-estúdio: e tudo isto funcionaria até 31 de Dezembro de 1983.

O edifício, com a decoração marcada por “elementos verticais boleados e rematados por esferas armilares em ferro forjado”, como escreveu Sandra Leandro (in “Portugal Património” vol VI ) ainda lá está, convertido num Templo desde 1992.

DUARTE IVO CRUZ