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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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ANTOLOGIA


ATORES, ENCENADORES (VI)
A COMPANHIA REY COLAÇO-ROBLES MONTEIRO: QUALIDADE E LONGEVIDADE
por Duarte Ivo Cruz 


Num meio cultural e profissional tão instável como é o teatro-espetáculo português, merece destaque a continuidade e a capacidade de renovação da Companhia Rey Colaço- Robles Monteiro, designadamente na sua longa permanência, ação cultural e capacidade de renovação, a nível de elencos e a nível de repertório, o que nem sempre é reconhecido.


A longevidade tem destas coisas e então, num meio, repita-se, instável como é por definição o teatro, e em particular entre nós, mais se fez e faz notar o quase meio século de atuação da empresa. Mas refiro aqui a empresa como tal: pois a própria Amélia Rey Colaço ainda nos anos 80 participou em Portalegre num espetáculo de homenagem a José Régio.


Por seu lado, Robles Monteiro faleceu em 1958: já anos antes deixara de exercer a atividade de ator, mas numa primeira fase duradoura da Companhia integrou os elencos e encenou numerosíssimas peças do repertório, com destaque também para autores portugueses, e designadamente Ramada Curto.


É evidente que tão longa permanência em cena implicou necessariamente desigualdades de atuação e assimetrias no conjunto da obra cultural exigível a uma companhia oficial. E isso envolve tanto os aspetos de repertório como de elenco. Mas hoje não restarão duvidas acerca da qualidade global dos sucessivos elencos da Empresa Rey Colaço – Robles Monteiro e da relevância que, tantas e tantas vezes assumiu na revelação e atualização de repertório – e isto, tanto no âmbito da dramaturgia portuguesa como da dramaturgia universal.


Amélia estreou-se em 1917 no então chamado Teatro Republica, (São Luiz), com uma peça então relevante, “Marianela” do dramaturgo espanhol Benito Pérez Galdós. Gloria Bastos e Ana Isabel P. T. de Vasconcelos situam o sucesso no contexto do espetáculo teatral da época:


“Mas talvez a revelação mais significativa tenha sido a de Amélia Rey Colaço, cuja estreia no Republica com a peça Marianela foi desde logo saudada calorosamente pelo público e pela crítica”.  E remetem para Vitor Pavão dos Santos: “demonstrou ser uma atriz diferente de todas as outras, aliando a um talento e cultura invulgares, métodos de representação verdadeiramente modernos” (cfr. G. Bastos e A.I .Vasconcelos in  “O Teatro em Lisboa no Tempo da Primeira República” ed. MNT 2004 pag.146: V. P. Santos in “A Companhia Rey-Colaço – Robles Monteiro” ed. MNT 1987 pág. 4).


A companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, constituída como tal em 1923, instala-se pois no D. Maria II em 1929 como companhia oficial e lá se mantem-se até 1964, quando o incendio que quase destruiu o teatro (e que neste momento é invocado numa exposição de fotografias no próprio D. Maria II) remeteu a companhia para o Teatro Avenida. E em 1967 o Avenida arde! A companhia passa então para o Capitólio até 1970, depois para o Trindade e por muito pouco tempo, para o São Luiz. Extingue-se em 1974.


O repertório clássico teve momentos muito altos. Recordo, entre tantos mais, um “Tartufo”, um inolvidável “Romeu e Julieta”, ou o “Macbeth” que estava em cena na noite o incendio e foi reposto no Avenida, mas antes apresentado num espetáculo no Coliseu, em que toda a classe profissional e intelectual da época se reuniu no palco.  


Mas importa agora referir a qualidade do repertório moderno, ao longo de todos estes anos, e particularmente, a sucessiva atualização que foi praticado, tarefa por vezes complicada, dada a época e as circunstâncias.


Se reportarmos a 1934 encontramos o escândalo de publico que foi a estreia dos “Gladiadores” de Alfredo Cortez, peça iniciática de um certo expressionismo ainda hoje escasso na história do teatro português. E nessa linha de modernidade, encontramos estreias -  mais ou menos compreendidas e aplaudidas - de toda uma época e de uma geração que vai de Carlos Selvagem a Ramada Curto, ambos com dezenas de peças, de Virgínia Vitorino a Romeu Correia e José Régio, a Bernardo Santareno e Luis Francisco Rebello entre tantos mais. Encontramos também Pirandello (estreia mundial de “A Volupia da Honra” com a presença do autor), Lorca, Eugene O’Neill mas também Albert Camus, Marcel Pagnol, Ionesco, Cocteau, Harold Pinter (“Feliz Aniversário”), Durrenmatt (“Visita da Velha Senhora”), Edward Albee (“Equilíbrio Instável”) ou Slamowir  Mrozeck (“Tango”). E em muitas delas, Amélia marcou o seu talento de atriz.


E finalmente: a concessão do teatro nacional obrigava à programação de clássicos portugueses. Nem sempre esta clausula contratual atingia objetivos de atualização das encenações e dos espetáculos em si: mas eram sempre de grande qualidade e garantiam, sobretudo a um púbico escolar, o contacto com os clássicos portugueses em cena, que é onde eles devem ser vistos e estudados…


Não entramos na lista de atores que trabalharam na Companhia Rey Colaço-Robles Monteiro, ou dos cenógrafos e figurinistas, com destaque aqui para Almada. Mas referimos apenas Mariana Rey Monteiro, filha de Amélia e de Robles – e ela própria grande atriz.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 14.01.15 neste blogue.
   

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (V)
DOIS EXEMPLOS DA TRANSIÇÃO DO SÉCULO
por Duarte Ivo Cruz


Vimos no artigo anterior o papel essencial de Garrett na estruturação do teatro português, através da reforma de 1836. Nesse diploma, encomendado, recorde-se, por Passos Manuel e transformado em Portaria assinada por D. Maria II em 15 de novembro de 1836, estava prevista a criação de uma Sociedade para a Fundação de um Teatro Nacional: e referia-se especificamente no texto legal a necessidade de construção de um edifício, mas também, a estruturação de uma companhia que garantisse certa estabilidade e uma base de ação cultural ao teatro português, na dupla dimensão de espetáculo mas também de criação dramatúrgica.


Trata-se do que viria a ser e ainda hoje felizmente é, apesar do incendio devastador de 1964, o Teatro de D. Maria II.


Demorou a execução deste ponto específico do programa de Garrett. Foi criada uma “sociedade de capitalistas” que teve no Conde de Farrobo o primeiro subscritor. O processo arrastou-se: mas em 13 de abril de 1846 sobe à cena, no Teatro de D. Maria II, com foros de grande acontecimento cultural e urbano, uma peça hoje completamente esquecida: “Álvaro Gonçalves, o Magriço ou dos Doze de Ingraterra” de Jacinto Aguiar Loureiro, este tão esquecido como a peça… Em qualquer caso, vem dessa época, com óbvia oscilação de qualidade e continuidade, uma ação referencial na história moderna do teatro português.


E aqui, há que evocar alguns atores que marcaram não só a continuidade cultural e profissional do teatro em si, como, através de mais de um século, a própria criação dramatúrgica e arte do espetáculo em Portugal. Assim, encontramos por exemplo uma continuidade de décadas na companhia inicialmente denominada Rosas e Brazão, que se manteria no D. Maria II, com óbvias alterações de elencos e também, a partir de certa altura, da própria constituição societária e artística, e que constituiu a base artística de uma notável transição, a nível de artistas de cena e de dramaturgos, do teatro romântico para o teatro realista-naturalista.


É que, com alternâncias óbvias dada a instabilidade da profissão e da exploração teatral, encontramos, na época e em certos casos, como veremos adiante, quase até aos nossos dias, uma continuidade e permanência no Teatro D. Maria II desde finais do século XIX meados do século XX.


Veja-se a carreira de Eduardo Brazão. Ingressa em 1875 no D. Maria, onde se mantem até 1898, integrando a Companhia Rosas e Brazão, “uma das mais célebres e ilustres de toda a história do teatro português” escreveu Luiz Francisco Rebello (in “Dicionário do Teatro Português” pág. 110). Prosseguiu uma carreira relevante de ator e encenador. E saliento o destaque na revelação, encenação e interpretação de autores portugueses, numa abrangência que o coloca na primeira linha da renovação da dramaturgia na transição do romantismo para o realismo: D. João da Câmara, Marcelino Mesquita, Henrique Lopes de Mendonça, Júlio Dantas, Eduardo Shwalbach – eram os dramaturgos modernos da época. Brazão voltaria mais tarde  intermitentemente, ao D. Maria II.


E no D. Maria II fez grande parte da carreira a grande atriz Palmira Bastos que, com talento indiscutível, marcou, durante décadas o meio teatral português. Estreou-se em 1890, com 15 anos, no Teatro da rua dos Condes, que já aqui evocamos. Em 1894, recém-casada com Sousa Bastos, também muitas vezes aqui citado como autor do “Diccionário do Theatro Português” (1908) inicia uma carreira de atriz-cantora de opereta que a leva em tournée ao Brasil. Percorreu depois as principais companhias portuguesas.


Em 1931 ingressa na Companhia Rey Colaço Robles Monteiro: e aí, com uma breve interrupção em 1936/37, mantem-se em atividade destacada até ao incendio de 1964. Mas ainda trabalhou em 1966, tendo falecido no ano seguinte. Cito o protagonismo em “As Arvores Morrem de Pé” de Alexandre Casona, creio que o ultima grande papel que desempenhou com uma energia que ficou na memória do jovem crítico que na altura eu era…


E cito também alguns dos dramaturgos portugueses seus contemporâneos que Palmira Bastos estreou ou interpretou: Olga Alves Guerra, Vasco Mendonça Alves, Virgínia Vitorino, Ramada Curto, Júlio Dantas, Costa Ferreira, Joaquim Paço d’Arcos, Augusto de Castro…


Esteve em cena até aos 89 anos. E sobre ela escreveu, numa prosa muito da época, D. João da Câmara, o que só por si atesta a longevidade da carreira: “Foi brilhante a sua aurora e no carro triunfal, mais rápido do que Apolo, no tempo que dura um relâmpago, trepou até ao Zénite e por lá se deixou ficar”!


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 07.01.15 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (IV)
GARRETT ATOR
por Duarte Ivo Cruz


Podemos dizer que o teatro português inicia a sua modernização com Garrett? De certo modo, sim: porque o romantismo nasce com ele, prolonga-se por um excesso ultrarromântico ao longo do século XIX e só atinge as portas do realismo duro e puro com “Os Velhos” de D. João da Câmara, em 1893… muito embora: a genialidade de Garrett faz adivinhar, em certas peças e em certas cenas e ainda na copiosa análise e teorização estético-dramática que produziu, os novos caminhos do teatro português.


E mais ainda: Garrett assume uma posição transversal na arte global do teatro. Foi o grande dramaturgo que se conhece, e foi-o desde a juventude. Mas foi também, na solicitação que lhe é feita, em 1836, por Passos Manoel, o verdadeiro inovador (modernizador?) da estrutura teatral portuguesa, através da reforma que elaborou e que abrange com um extraordinário sentido de modernidade, a estrutura compósita e complexa da arte do teatro, nas suas componentes: o ensino, o espetáculo, a formação de atores, o estímulo à produção dramatúrgica, a criação de espaços/edifícios e até a intervenção do Estado – e tudo isto, repita-se, em 1836, e numa globalidade que em rigor dura até hoje.


E senão, vejamos rapidamente o que integra a reforma estrutural de Garrett consubstanciada em três diplomas legais:


Portaria de 28 de setembro de 1836 – encarrega Garrett de apresentar “um plano para a fundação e organização de um teatro nacional”;


Relatório datado de 12 de novembro de 1836, assinado por Garrett;


E finalmente, Portaria de 15 de novembro de 1836, assinada por D. Maria II e referendada por Passos Manoel, criando as bases da reforma do teatro português na sua globalidade: Inspeção Geral de Teatros e Espetáculos Teatrais, Sociedade para a Fundação de um Teatro Nacional, Criação do Conservatório Geral de Arte Dramática, Criação de uma Companhia Nacional Concursos do Conservatório, Proteção dos Direitos Autorais, Politica de Subsídios.


Tudo isto foi concebido e redigido por Garrett, que aliás não se poupa a autoelogios. E realmente, todas estas instituições com as óbvias modernizações e alterações duram até hoje!


E mais: ao rever a dramaturgia de Garrett, e não necessitamos de nos concentrar apenas no 2º ato de Frei Luís de Sousa, encontra-se uma modernidade que a faz antecipar décadas e estéticas e até pragmáticas teatrais.


Ora bem: será interessante lembrar que Garrett foi ator e encenador, passe a carga modernista deste último termo. E desde muito cedo. Assim em 1819, vemo-lo em Coimbra, escolar de Leis como então se dizia, a dirigir ensaios da sua primeira peça completa, “Mérope”, ainda marcada por um estilo clássico anterior à renovação romântica. Não foi representada na altura, mas Garrett por essa época já se lançava numa primeira versão de “Amor e Pátria”, que viria a dar a “D. Filipa de Vilhena”.


Em 1821 intervém como ator no “Catão”, levado à cena no Teatro do Bairro Alto. E surge também no elenco do “Imprompeto de Sintra”, peça representada em 8 de abril de 1822 “na Quinta do Cabeço em Sintra”. E entretanto, em Coimbra, são referenciadas intervenções suas, declamando versos ou interpretando pequenos papéis em récitas.


E refere-se agora o garrettiano “Auto de Gil Vicente”: Teófilo Braga escreveu que “o próprio autor teve de ensaiar no Teatro do Salitre, vencendo a rudez dos atores, foi apresentado em 15 de agosto de 1838, quando estava mais acesa a luta da reação de carlistas contra setembristas; a impressão do público foi de deslumbramento”.


E mais acrescenta Teófilo: “No Teatro da Quinta do Pinheiro, junto a Sete Rios, pertencente a Duarte de Sá, fez-se em 4 de julho de 1843 a memorável primeira representação de “Frei Luís de Sousa”; aí brilhou com o seu extraordinário talento D. Emília Krus, desempenhando o papel de D. Madalena de Vilhena; o próprio Garrett sujeitou-se a representar o personagem do escudeiro velho Telmo Pais. A esta representação assistiu Alexandre Herculano e chorou”. (cfr. Teófilo Braga e também Gomes de Amorim “Garrett- Memórias Biográficas” 1881-1884)


Mas é Teófilo quem o diz! E mais acrescenta que o “Frei Luís de Sousa” só em 1850 seria representado no Teatro D. Maria II. (cfr. Teófilo Braga “Dois Monumentos”).


Hernâni Cidade analisa detalhadamente o teatro de Garrett. E sobre o “Frei Luís de Sousa” considera que o mais relevante “é a introdução, entre os elementos constitutivos da peça, daquela figura de Telmo, com a sua fé sebastianista, que é a do povo contemporâneo” fazendo um paralelismo entre “a crença no regresso de D. Sebastião (e) a crença no regresso de D. João de Portugal” (in “Século XIX – A Revolução Cultural em Portugal e Alguns dos seus Mestres” 1985 págs. 27). De notar que a peça foi escrita por Garrett retido em casa devido a uma “forte canelada”, tal como refere o amigo Gomes de Amorim, que gaba o acidente!... (in “Garrett- Memórias Biográficas – vol. III pág. 67).


Vasco Graça Moura relaciona a modernidade do “Frei Luis de Sousa” com a “interrogação do próprio destino nacional” que surgirá designadamente em Oliveira Martins, em Pessoa e em Eduardo Lourenço, expressamente citados (in “Colóquios tão simples, desfigurações” na revista Camões - janeiro/março 1999 pág. 62).


E finalmente: Annabela Rita, num estudo muito recente, estabelece uma correlação entre obras e figuras referenciais na história e na literatura: “D. Madalena e Maria, cada uma debruçada sobre a sua dupla, em que parecem literalmente geradas: a Inês de Castro camoniana e a Menina e Moça (1554) de Bernardim Ribeiro, respetivamente” (cfr. “Luz e Sombras do Cânone Literário” 2014 pág. 188).


Veremos a partir daqui, os atores e encenadores que surgem na transição dos séculos XIX/XX.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 31.12.14 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (III)
O TEATRO NA CORTE E NA RUA (SÉCS. XVIII-XIX)
por Duarte Ivo Cruz


Poderá falar-se já em encenadores, no teatro português do século XVIII? A expressão será prematura quanto a encenadores tal como hoje os   entendemos: mas a profissionalização do espetáculo teatral a partir dos finais de 700, com forte incidência no inicio dos anos de 800, implica, isso sim, a existência de uma atividade de direção de cena e de espetáculo. E da mesma forma, e aí sem a menor duvida e com ampla documentação, ocorre a proliferação de atores e de autores.


Refiro aqui sobretudo o chamado teatro de cordel, expressão de um espetáculo popular que invadiu as ruas de Lisboa na época, com para cima de 1500 títulos, de que restam algo como 500 a 600 edições, de uma boa centena de autores: e a expressão deriva da venda ambulante dessas peças, tal como as identifica Nicolau Tolentino de Almeida na sátira “O Bilhar”.


“Todos os versos leu da Estátua Equestre/ E todos os formosos Entremezes/ Que no Arsenal ao vago caminhante/ Se vendem a cavalo num barbante”.


Ou a nota que assinala a venda ao publico da “Comédia Nova intitulada A Amizade em Lance” editada por um tal António Gomes em 1794:


“Na mão de Romão José, cego, na esquina das rua dos Padres de São Domingos no Rossio, voltando para a Praça da Figueira, ou em sua casa”…


São pois dezenas de atores e centenas de peças. Mas o que aqui nos importa é assinalar que este movimento, em tudo preparatório da grande renovação romântica do teatro português impulsionada por Garrett, como veremos mais tarde, teve nestes dramaturgos, hoje mais ou menos esquecidos, e nestes atores, um prenúncio extremamente significativo, da renovação cénica e do espetáculo em Portugal.


E sobretudo porque o movimento se assim se pode chamar, coexiste com a exigência literária – e não tanto cénica, note-se bem – do chamado Teatro da Arcádia Lusitana ou Olissiponense, fundada em 1756 e prolongada até ao século XIX através da Nova Arcádia: mas o movimento marca muito mais pela analise teórica, expressa em numerosíssimos “prólogos” “discursos” e dissertações sobre a arte do teatro. E afinal, a produção, que varia entre as duas peças de Correia Garção, as de Domingos dos Reis Quita, ou as largas dezenas de Manuel de Figueiredo, entre outros, debatidas em colóquios pelo Árcades “identificados” por pseudónimos latinos, ficam quase sempre aquém de uma verdadeira expressão de espetáculo que o teatro deve necessariamente conter. E alguns como que fazem a transição: assim, José Manuel Rodrigues da Costa, em cerca de 15 peças, de certo modo partilha a exigência da Arcádia com a popularidade do cordel.


Importa ainda referir que esta expressão teatral mais literária do que cénica tem um único precedente de qualidade e relevo, António José da Silva – o Judeu, cujas tragédias de forte expressão barroca, escritas na primeira metade do século XVIII, ficam aquém, numa visão contemporânea do teatro espetáculo, da comédia dramática – as ainda hoje notáveis “Guerras do Alecrim e Mangerona” (1737)…Veja-se este diálogo:


“D. Fuas – Aonde vás, tirana? Procuras acaso o teu amante? Oh, murcha seja a tua manjerona. Que como planta venenosa me tem morto/ D. Nise – Homem do demónio ou quem quer que és, que em negra hora te vi e amei, que desconfianças são essas? Que amante é esse, que quem me andas aqui apurando a paciência, e sem quê, nem para quê, descompondo a minha mangerona?/ D. Fuas – Pois quem era aquele  que saiu da caixa a dizer-te mil colóquios? / D. Nise – Que sei eu quem era? Salvo fosse… Mas retira-te que aí vem gente”.


E a comédia de costumes segue nesta ambiguidade de posições e confrontações. Em qualquer caso, o que quero agora referir é que o teatro de cordel marca a afirmação profissional da arte do espetáculo, através de centenas de atrizes e atores que ao longo sobretudo da segunda metade do século XVIII “preparam” a profissionalização e a formação académica que em 1836 Garrett e Paços Manoel consagram na reforma do teatro português. E alguns desses autores ainda hoje merecem destaque.


Faço aqui uma evocação de Nicolau Luis da Silva, o qual, ao longo da segunda metade do século XVIII, fez representar sobretudo no Teatro do bairro Alto, centenas de traduções e adaptações, mas, ao que se saiba hoje, apenas uma peça original sua, “OS Marido Peraltas e as Mulheres Sagazes”.  Inocêncio F. da Silva transcreve, no Dicionário Bibliográfico Português”, uma descrição contemporânea de Nicolau Luis:


“Morava no fim da rua da Rosa, toucado com uma cabeleira de grande rabicho, que ninguém viu na rua senão embuçado em capote de baetão de toda a roda, notável pelo desalinho e desmazelo do seu vestuário, trazendo consigo um grande cão de água, que o acompanhava sempre, e sorvendo repetidas pitadas de simone, com toda a placidez e majestade catedrática”… E quem eram os atores que representavam estas peças? Alguns nomes ficaram para a História: António José de Penha, Francisca Eugénia, Vitorino José Leite, Joana Inácio da Piedade, e tantos mais.


Garrett ainda apanhou esta geração: mas a ele se deve, como veremos a seguir, a “modernização romântica” de atores, encenadores e salas, de peças, dramas e comédias.


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 24.12.14 neste blogue.

ANTOLOGIA

  

ATORES, ENCENADORES (II)
O ESPETÁCULO NO PRÓPRIO TEXTO – CAMÕES, CHIADO, JORGE FERREIRA DE VASCONCELOS
por Duarte Ivo Cruz


Nesta série de artigos, evocamos sobretudo os que fazem o espetáculo, a partir de textos expressos ou mesmo improvisados, mas suscetíveis de fixação e de expressão teatral. A referência específica a atores profissionais inicia-se e desenvolve-se, como veremos em próximos artigos, ao longo do século XIX mas com grande relevância no século XX e até aos nossos dias: mas a partir dos séculos XVI/XVII, os textos já muitas vezes definem, expressamente e diretamente, a sua dimensão de espetáculo.


Vejamos dois exemplos breves mas relevantes, quanto mais não seja pela qualidade e projeção dos autores respetivos.


E desde logo Camões. Tenho escrito que o teatro de Camões, independentemente de atingir o nível e o significado incomparável de Os Lusíadas ou mesmo da Lírica, além de breve - três peças – assume larga projeção no contexto do teatro renascentista, pela sua óbvia qualidade ou não fosse uma criação camoniana - e pelo próprio sentido “de espetáculo”, o que normalmente não é tanto sublinhado. Aliás é caso para dizer que “sentido de espetáculo”, no mais nobre e qualificado alcance do termo, encontramos também na restante obra de Camões.


Só como mero exemplo, e são tantos ao longo dos 10 Cantos de Os Lusíadas, veja-se a estrutura cénico -  dramática do episódio de Fernão Veloso inclusive no contraste entre o trágico e o irónico (Canto V- Estrofe 35):


«Disse então a Veloso um companheiro/ (Começando-se todos a sorrir): / “Olá Veloso amigo, aquele outeiro/ É melhor de descer do que de subir”/ Sim, é respondeu o ousado aventureiro; /Mas quando eu para cá vi tantos vir/ Daqueles Cães, depressa um pouco vim/ Por me lembrar que estáveis cá sem mim”.


Este episódio, repita-se, apresenta um conteúdo em si mesmo teatral, no sentido cénico e de espetáculo. Contem o diálogo, as indicações cénicas (“começando-se todos a sorrir”) e a própria direção/ caracterização do personagem (“o ousado companheiro”) – e ainda, a ironia e graça do texto, que contrasta com a situação em que se enquadra e até – mas não é caso único – com o incomparável sopro épico de Os Lusíadas.


Mas vejamos agora o Auto de El-Rei Seleuco, representado entre 1543 e 1549. Para alem da genialidade do texto, ou não fosse de quem é, traz-nos a curiosidade de dramatizar uma representação do próprio Auto em casa de Estácio da Fonseca, Cavaleiro Fidalgo de D. João III, almoxarife e recebedor das aposentadorias da Corte. Um alto funcionário, diríamos hoje.


E o auto inicia-se com  o diálogo irónico do próprio Estácio com o seu moço-criado, acerca dos atores que iriam representar a  peça:


«Estácio – São já chegadas as figuras? / Moço – Chegadas são elas quase ao fim de sua vida./  Estácio_ Como assim? / Moço - Porque foi a gente tanta, que não ficou capa com frisa nem talão de sapato que saísse fora do couce. Ora viram aí uns embuçadetes e quiseram entrar por força: ei-lo arrancamento na mão: deram uma pedrada na cabeça do Anjo e rasgaram uma meia calça ao Ermitão; e agora diz o Anjo que não há de entrar até lhe não derem uma cabeça nova, nem o Ermitão até lhe não porem uma estopada na calça. Este pantufo se perdeu ali: mande-o Vossa Mercê domingo apregoar nos púlpitos, que não quero nada do alheio/ Estácio– se ela fora outra peça de mais valia tu botares a consciência pela porta fora para a meteres em tua casa»…


Assim seria o chamado meio teatral no século XVI…


Ora, pela mesma época, entre 1545 e 1557, escrevia António Ribeiro Chiado o seu Auto da Natural Invenção. E também aqui se recorre a uma cena de presentação na Corte ou na alta classe mercantil. Temos aqui também o dialogo entre o dono da casa e o seu criado:


“Dono – Almeida!/ Almeida – senhor?/ Dono – Vem cá, vem cá!/ sabes se há –de tomar o porto/ hoje este auto, ou se é morto./ Almeida – E o autor onde está?/ Dono – Em casa de teu avô torto/ ou marmelo pela perna!/ Quem por rapazes governa/ sua casa é mais rapaz/ e  rapaz que tratos traz, / com quem a malícia inverna./ Que te mandei todo hoje?/ Almeida – Que mandou vossa mercê?/  Dono – Já nada, pois que assim é, /Não mande Deus que te noja»…


Já havia pois, nesta época, comediantes profissionais e companhias. Aliás Camões, no Rei Seleuco cita o Chiado, quando o Escudeiro Ambrósio diz que “o Moço Lançarote (…)   uma trova, fá-la tão bem como vós ou como eu, ou como Chiado”.


E pela mesma época, Jorge Ferreira de Vasconcelos, na comédia Aulegrafia também cita Chiado e põe na boca do personagem D. Ricardo este elogio ambíguo: “Em algumas cousas teve veia esse escudeiro”!


Termino com três citações.


Hernâni Cidade encontra nos Anfitriões de Camões uma “ternura que Plauto desconhece” (in Obras Completas de Camões vol.III); Clarice Berrardbnelli e Ronaldo Menegaz comparam a peça do Chiado com a de Camões, na convergência “de uma auto (B), dentro de um outro(A), mas enquanto Camões nos dá uma trama unida (…) o Chiado vai ao sabor da sua natural invenção traçando os fios e deixando as pontas soltas” (in Autos de António Ribeiro Chiado, ed. Rio de janeiro 1968); e Maria Odete Dias Alves assinala que Jorge Ferreira de Vasconcelos “povoa o palco de figuras portuguesas da sua época: é o ambiente de Quinhentos que vive nas suas paginas” (in A Linguagem dos Personagens de Jorge Ferreira de Vasconcelos  - U Coimbra 1972).  


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 17.12.14 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


ATORES, ENCENADORES (I)
ORIGENS DO TEXTO-ESPETÁCULO EM PORTUGAL
por Duarte Ivo Cruz


Pretendemos agora abordar as grandes referencias do teatro no ponto de vista de espetáculo, sendo certo que o espetáculo teatral envolve necessariamente um texto, mesmo cantado e com apoio musical, – ou na alternativa, estaremos perante dança, mimica, o que se quiser, mas não propriamente teatro. Tal como aliás, um texto dialogado pode não significar ou constituir uma expressão teatral se lhe faltar dimensão de espetáculo.


O que envolve ainda outra dimensão estética, se a expressão me é permitida.  Da mesma forma que textos dialogados ou roteiros de espetáculo sem texto não são propriamente teatro,  ou da mesma forma, já gora, que a essência e a especificidade do cinema reside, como bem sabemos, na realização e não tanto no argumento ou no dialogo, é também certo que a ópera é teatro – e não há que separar, em rigor, a ópera e a opereta da revista, a não ser na quantidade/qualidade da expressão musical e na intencionalidade, digamos assim. Vimos aqui exemplos de operetas e  de revistas de grande qualidade de texto – espetáculo.


Mas aí, implicitamente se remeteu para a componente musical. E caiu-se então noutra área de analise: o que distingue uma revista de uma opereta?  E mais: o que distingue o texto (libreto) de uma ópera, de um texto de revista ou de teatro declamado com suporte musical?


Damos aqui exemplos históricos.


Desde logo, Gil Vicente. Lucinana Segagno Picchio, é taxativa: “Gil Vicente, além de autor, também era músico e ator. Muitos dos textos por ele idealizados e não só o Monólogo do Vaqueira, foram representados com o seu direto concurso. Mas da companhia que devia existir e recrutar as suas próprias forças entre aquela plêiade de cómicos que, também em Portugal, começava a constituir-se como categoria, não se lê palavra”. (in”História do Teatro Português”  pág. 85) Efetivamente, a tradição aponta para essa intervenção no espetáculo, extensiva aliás a Paula Vicente, filha de Gil Vicente e coautora, diríamos hoje, com o irmão Luis,  da “Compilaçam de Todalas Obras de Gil Vicente” (1562).


E são inúmeros os exemplos destacáveis nas “notas de cena”, ou nos próprios textos vicentinos, a começar no iniciático “Auto da Visitação ou Monólogo do Vaqueiro” que no final convoca os “trinta ou mais companheiros/ porcariços ou vaqueiros” para homenagear o nacimento do futuro D. João III… Ou, entre, insista-se, tantas evocações musicais, que não podemos aqui enumerar - por exemplo a “cantiga feita e ensoada pelo autor” e o bailado e vilancete, ou a folia e cantiga “do “Auto da Sibila Cassandra” – e estes são meros exemplos, entre dezenas de outros, nas peças de Gil Vicente.


João de Freitas Branco, Na “História da Música Portuguesa”, desenvolve o tema, salientando que “Gil Vicente transplantou para o seu teatro música de índole popular, conveniente aos personagens e ao ambiente em que cenicamente vivem. Mas não deixou por isso de aproveitar também os géneros musicais de corte”, chamando entretanto a atenção para a entre a música nas cenas vicentinas e o espetáculo de ópera.


Mas refere em particular, entre outras peças, o prologo do “Triunfo do Inverno” que indicia “uma decadência dos costumes musicais do povo na passagem do primeiro para o segundo quartel do século XVI”. E cita. “Em Portugal vi eu já/Em cada casa pandeiro/ E gaita em cada paleiro; / E de vinte anos para cá/Não há gaita nem gaiteiro” (…) Se olhardes as cantigas/ todas têm som lamentado/ carregado de fadigas/ longe do tempo passado”! (cfr. págs. 58/59)


Insista-se: Gil Vicente era também ator, e de atores nos ocupamos agora nesta série de artigos. E assim, podemos e devemos voltar muito atrás nas implicações cénicas e até musicais da “História do Teatro Português” – e muito especificamente ao reinado de D. Sancho I que em 1193 faz doação de uma propriedade (casal) da coroa a dois histriões ou bobos, Bonamis e seu irmão Acompaniado, os quais, como quitação escrevem: “Nós, mimos acima referidos, /devemos ao nosso Rei um/ arremedilho para efeito/de compensação”. É Teófilo Braga quem o refere: e é esta a primeira referência direta a atores. (cfr. Teófilo Braga “Gil Vicente e as Origens do Teatro Medieval”, ed. 1898 págs. 25/26).


Mas há outras expressões teatrais que vêm da idade Média e se prolongam até às primícias do Renascimento. Refiro especialmente os chamados goliardos, aludidos no Cancioneiro Geral (1516) de Garcia de Resende através de um poema de Álvaro Brito Pestana que fala em “Estudantes pregadores/ mentem santas escrituras/ em Sermões/ derivados de amores” - e de tal forma que, recorda Teófilo, foram objeto de proibições e condenações ao longo do século XVI.


Mas o Cancioneiro Geral inclui outras expressões dramáticas, designadamente as “Trovas à Morte de D. Inês de Castro” do próprio Resende, mas sobretudo Anrique da Mota, autor de poemas dialogados, sobretudo o “Pranto do Clérigo” que chora, tal como lado escrevi” porque  lhe desapareceu uma pipa de vinho, o que permite a  ligação à (posterior) Maria Parda vicentina (in Teatro em Portugal – 2013 pág.19). 


Duarte Ivo Cruz


Obs: Reposição de texto publicado em 10.12.14 neste blogue.

ANTOLOGIA

  


A CASA ENCANTADA
O TEATRO DA MEMÓRIA
A PALAVRA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA


Na memória, como no teatro, tudo se perde, tudo se cria e nada se transforma. Lembrei-me disso, anteontem, quando abriu a nova biblioteca de Alexandria e quando me lembrei que Fílon (século I D.C.) terá criado para a antiga (tanto biblioteca como museu) a expressão "teatro da memória". Isso me trouxe de volta um livrinho intitulado L'Idea del Theatro, escrito em 1544 por um certo Giulio Camillo, chamado Delminio e cognominado pelos contemporâneos "o divino" (1480?-1544?). Livrinho que andou esquecido mais de quatro séculos, até ser desenterrado por um inglês, em 1970. Em 2001, Eva Cantavenera e Bertrand Schefer publicaram, nas Éditions Allia, a tradução francesa. Foi esta que li, como quem lê a pré-história de tudo. Mnemosina, a musa da memória, sempre a fez nascer de uma falsa posição da coxa. Julgamos imaginar, estamo-nos a lembrar.


Li algures - não me lembro se foi em Romain Rolland - que Tolstoi guardava a memória de coisas acontecidas tinha ele seis meses. Um psicanalista - lembro-me perfeitamente que não foi Lacan - jurou-me, um dia, que, sob o efeito da análise, algumas pessoas recuperavam a memória do próprio nascimento, ou até mesmo do antes dele, quando boiavam no ventre materno. Pode haver quem se recorde de outras vidas. Ou, como Platão, para sustentar que só conhecemos aquilo de que nos lembramos (o conhecimento como reminiscência) ou, como Minnelli (não estremeçam que eu também não) para garantir que, devidamente hipnotizados (pelo Dr. Chabot ou por Yves Montand), qualquer Daisy (aquela de que falo não é a que há-de ir de Londres p'ra Iorque onde diz que nasceu) se pode transformar em Melinda de outras eras. Todos sonhamos com dias claros em que possamos ver para sempre. Ver tudo o que foi, ver tudo o que será.


Passando agora da geral memória para a minha e particular, nunca fui tão omnividente (e daí que sei eu?) ou tão precoce. As minhas mais longínquas memórias, se é que com o tempo não me convenci de que me lembro do que só imaginei, reportam-se aos 2 anos e picos, fotografando-me (memórias vagas são anti-cinematográficas) uma bisavó e um avô que eu sei (ensinaram-me, lembraram-me) que morreram no ano em que fiz dois anos.


Nesses tempos (o tempo inventou-se para se poderem contar histórias, para se poder dizer: "era uma vez") de coisas de morte, como de coisas de sexo, não se falava diante de crianças. Quando eu perguntava por eles (ou mos queriam lembrar a mim) diziam-me: "Foram para o céu". Eu olhava para o céu e via nuvens. As nuvens foram a primeira máscara que "inventei" para os mortos. Se só houvesse dias claros talvez fosse hoje impenitente ateu.


Esta minha insignificante (?) história, como as histórias mais significativas de Platão, de Tolstoi, de Shelley, de Dickens, de Hawthorne (para não falar do óbvio caso de Proust), como a história das Bibliotecas de Alexandria, andam todos à roda do circuito ideia-imagem-memória. Como é que se transforma uma ideia numa imagem e como é que se transforma a imagem em memória. Se todo o conhecimento é memória, como Platão tentou demonstrar no Ménon, levando um escravo ignorante a demonstrar o teorema de Pitágoras, não se pode ir mais longe e transformar todo o conhecimento em espetáculo?


Há quem sustente que o neo-platonismo renascentista se pode resumir à tentativa de resolução dessa questão. No fundo, quando se falou do "teatro do mundo" só se estava a falar da "arte da memória", expressões que se somem na noite dos tempos. Nenhuma representação do mundo é concebível sem o que os antigos chamavam "a arte da memória" ("ars notoria" ou "ars memorativa"), como nenhuma representação falada (origem da tragédia ou tragédia da origem) é concebível sem a memorização do texto trágico.


Fílon de Alexandria, associara já a ideia de "banquete" (e, como discípulo de Platão, era o banquete filosófico a sua principal fonte de inspiração) ao "teatro do mundo". Disse ele: "Quem dá um festim, não instala os convidados à mesa, sem ter preparado tudo em tal maneira que lhes sirvam bom manjar; quem prepara competições de ginastas ou dispõe representações cénicas, antes de deixar entrar os espectadores, no estádio ou no teatro, já dispôs convenientemente atletas ou atores. De igual modo, o Guia do Universo, como o organizador de representações ou de festins, pré-ordenou, com a intenção de convidar os homens a um festim ou a um espetáculo, tudo o que pudesse convir a esses dois fins, por forma a que, ao chegar ao mundo, o homem achasse, por um lado, a mesa do banquete repleta de tudo o que de melhor a terra produz e os rios, os mares e os ares fornecem para nosso uso e nosso gozo e, por outro, espetáculos das mais diversas ordens, representando as realidades mais espantosas, as qualidades mais impressionantes, os movimentos e as cores mais admiráveis, dispostos nos arranjos mais harmoniosos, mais proporcionados e mais adequados, por forma a que, sem engano algum, se saiba qual é a música arquetípica, verdadeira e exemplar. À vista de tais espetáculos, os homens formaram, depois, as imagens que deles retiraram e que gravaram na alma, permitindo-lhes assim transmitir a arte mais necessária à vida e mais útil a ela " (De opifício mundi).


Se o leitor chegou até aqui, paciente mais um pouco para ver onde quero chegar.


Quando, hoje, a nova retórica visual vulgarizou termos como "sítios", "ícones", "janelas", "pórticos", "hipertextos", etc, está a seguir os fundamentos de uma teoria e de uma prática que, sistematizadas no século XV, foram esquecidas por longos séculos, para ressuscitarem em finais do século XX.


Volto, pois, a Giulio Camillo, discípulo de Pico de la Mirandola e de Marsílio Ficino, amigo de Aretino, de Tiziano e de Lotto, suposto criador laboratorial do homem alquímico, do "homúnculo".


Projetou ele construir, num anfiteatro de madeira, um novo sistema da arte da memória, a que chamou "o teatro da memória". O referido anfiteatro, com dimensão imponente mas não esmagadora, seria coberto de pinturas, de significado hermético, mágico ou cabalístico, que tinham uma dupla função: evocavam os mistérios divinos sem os profanar (pois "decifrá-los" pressupunha uma iniciação) e despertavam a memória, estabelecendo associações que permitiam, através da ordem das imagens, recordar a ordem das coisas e memorizar o texto a partir de uma espécie de alfabeto visual localizado num espaço arquitetural.


Parece que Camillo só revelou o funcionamento da sua "maravilhosa máquina" a Francisco I, rei de França, que o chamou (como Leonardo ou Rosso Fiorentino) quando, após o saque de Roma, as ideias heterodoxas do cabalista lhe começaram a valer perseguições.


Mas se nada ficou da construção (se é que esta chegou a ser executada) ficou-nos o livro L'Idea del Theatro. Um visitante, descreveu-o assim, em carta a Erasmo, de 1544, pouco antes de Camillo morrer.


"A obra é em madeira, onde estão pintadas numerosas imagens e onde foram incrustadas numerosas caixinhas, como gavetas de abrir e fechar (...). Há muitas ordens e muitas filas (...). Camillo dá muitos nomes ao seu Teatro. Tanto diz que é um espírito ou uma alma por ele construídos, como se refere a uma alma cheia de janelas. Pretende que tudo o que o espírito humano pode conceber, e não podemos ver com os nossos olhos corpóreos, pode ser descortinado ali, após atenta meditação, de tal modo que o espectador, ao fim de um certo tempo, pode alcançar, com uma única mirada, tudo o que, de outro modo, ficaria para sempre oculto nas profundezas do espírito humano. Por causa dessa visão física, insiste no termo Teatro".


Mas o Teatro da Memória era, como necessariamente teria que ser, um teatro invertido. No palco estaria o único espectador (no Teatro da Memória, só há lugar para um, como, por outras palavras, também disse Proust) e, nos degraus, decorreria o espetáculo, ou seja o lugar da imagem. E toda a construção estaria apoiada em sete colunas (as colunas de Salomão), sob a influência de um planeta.


É um mundo à Borges prefigurado (ou post-figurado) nesse livrinho das Éditions Allia?


Ou é um livro que não existe, nunca existiu, com uma mitologia de mitificação, que eu fui buscar à memória - como as nuvens mortas da minha mais remota infância - para vo-lo inventar, em sentido etimológico e em sentido costumeiro? Mas mesmo que assim seja, há, sob o signo do teatro da memória, como sob o signo de Melinda, como sob o signo das nuvens brancas, "algo de completamente diferente que eu tenho de tentar descobrir, uma ideia que procura uma imagem, uma imagem que busca uma memória, à semelhança desses caracteres hieroglíficos que se julgou representarem tão somente objetos materiais. Decifrá-los é o mais difícil, mas se os não decifrarmos nenhuma verdade neles leremos". A citação é de Marcel Proust, como convém para terminar.


Público, 18 outubro 2002

PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO

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XVIII. UM VAQUEIRO SIMPÁTICO

 

Eis um fantasma prazenteiro. Este pode ser encontrado amiúde onde menos esperamos. Apesar de ter sido criado no século XVI, continua a falar connosco e a dizer-nos algo que compreendemos. Mestre Gil (“um que não tem nem ceitil e faz os aitos a el-rei”) criou-o em junho de 1502 para saudar o nascimento do futuro D. João III, a pedido da Rainha Velha, irmã de D. Manuel e viúva do Principe Perfeito. Mas a verdade é que este vaqueiro é símbolo de quem somos, ainda hoje. A ilustração de Roque Gameiro apresenta-nos quem não se coíbe de dizer o que bem lhe apraz, mesmo na presença da Corte em toda a sua pujança. Poderíamos lembrar-nos de Todo o Mundo e Ninguém do Auto da Lusitânia (que Almada Negreiros recriou como um diálogo de gémeos) ou do impagável Pranto de Maria Parda (que António Tabucchi simbolizou como o nosso picaresco), mas preferimos neste folhetim citar hoje a talvez primeira personagem do elenco vicentino. Pode dizer-se que o vaqueiro é uma síntese sábia e rica. Afonso Lopes Vieira reescreveu este monólogo do Auto da Visitação e quantos de nós dissemos de cor a sua versão atrevida, crítica e simpática. E recordamos Ruy de Carvalho, nos primórdios da televisão portuguesa, como homenagem à fundação do moderno teatro português. «Sete arrepelões me deram á entrada, mas eu dei uma punhada num de aqueles figurões. Porém, se de tal soubera, não viera; e, vindo, não entraria; e se entrasse, eu olharia de maneira que nenhum me chegaria. Mas, está feito, está feito; e, se se for a apurar, já que entrei neste lugar tudo me sai em proveito. Té me regala ver coisas tão formosas, que se fica parvo a vê-las! Eu remiro-as, porém elas, de lustrosas, a nós outros são danosas».

 

Mas, continuemos a ouvir a toada do vaqueiro, sem papas na língua. «Seja que não seja, embora, quero dizer ao que venho, não diga que me detenho a nossa aldeia já agora. Por ela vim saber cá se certo é que pariu Vossa Nobreza? Crei' que sim, que Vossa Alteza tal está que de isto mesmo dá fé. Mui alegre e prazenteira, mui ufana e esclarecida, mui perfeita e mui luzida, muito mais que de antes era. Oh!, que bem tão principal, universal! Nunca se viu prazer tal! Por minha fé - vou saltar! Eh!, zagal, diz' lá, diz' lá:—saltei mal?» (…) E prossegue com desenvoltura: «Se agora vagar tivera e depressa não viera, maldito seja eu então se aqui a conta não dera de esta sua geração. Será rei Dom João Terceiro, o herdeiro da fama que nos deixaram, nos tempos em que reinaram, o Segundo e o Primeiro e ind'outros que passaram. Mas ficaram-me lá fora uns trinta ou mais companheiros, pastores, zagais, porqueiros, e vou chamá-los agora; eles trazem p'ra o nascido esclarecido, ovos e leite fresquinhos, e um cento de bolinhos; mais trouxeram queijos, mel - o que puderam… E ora os quero ir chamar, mas, por via dos puxões, agarrem os figurões p'ra gente poder entrar».

 

Cabe neste ponto do folhetim explicar alguma coisa para que o leitor perceba do que se trata. Se ainda não compreendeu, o certo é que em cada capítulo há um pequeno segredo que só no final será revelado. Já percebeu que há fantasmas que se encontram e desencontram. Ainda ontem estávamos numa comédia de enganos e hoje encontramos um audacioso discurso. Porquê?

 

Agostinho de Morais

 

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PEDRAS NO MEIO DO CAMINHO

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XVII. ALECRIM E MANJERONA

 

Um dos fantasmas mais perturbadores da nossa história cultural é António José da Silva, o Judeu (1705-1739), nascido no engenho do avô materno, Baltazar Rodrigues Coutinho, no bairro da Covanca, em São João de Meriti, no Rio de Janeiro. Seu pai era João Mendes da Silva, advogado e poeta. Ainda muito jovem foi viver para a freguesia da Candelária. Cristão-novo, sendo vítima da perseguição que dizimou a comunidade do Rio em 1712. Contudo, conseguiu manter a fé judaica secretamente. Sua mãe, Lourença Coutinho, foi deportada para Portugal, acusada de judaísmo pela Inquisição. Seu Pai veio para Portugal para acompanhar o processo da mulher, exercendo a atividade de advogado. António José estuda, provavelmente, no Colégio de Santo Antão e, em 1722, inscreve-se para estudar Leis e Cânones na Universidade de Coimbra. Em 1726, interrompe os estudos, regressando a Lisboa onde é acusado num primeiro processo inquisitorial. Também sua mãe, Lourença Coutinho, e os seus dois irmãos, André e Baltasar, são acusados de práticas judaizantes e condenados à abjuração. Em 13 de outubro, António é preso nos Estaus. Apesar de amigo do influente diplomata Alexandre de Gusmão, Conselheiro de D. João V, foi barbaramente torturado, tendo ficado inválido durante algumas semanas, sendo obrigado a abjurar no Auto-de-fé de outubro desse ano. Foi posto em liberdade, o que não aconteceu com sua mãe, libertada em 1729, depois de ter sido torturada e de ser considerada penitente num auto-de-fé. António José tem os seus bens confiscados e é condenado a pena de cárcere, hábito penitencial perpétuo e exigência de ser instruído nos mistérios da fé. Então voltou à dramaturgia depois de um curto período como causídico no escritório de seu pai com o irmão Baltasar. As suas sátiras têm grande sucesso, pela eficácia da crítica ao ridículo da sociedade, com referências frequentes à mitologia greco-latina. A única música operática que sobreviveu foi composta por António Teixeira. O sucesso artístico agravou, porém, a perseguição de que foi alvo. Nem a proteção do Conde da Ericeira impediu a perseguição.

 

Luís de Freitas Branco considerou António José da Silva o verdadeiro fundador da ópera nacional. Sem ele teriam decorrido trezentos anos da nossa história do Teatro, depois de Gil Vicente até Garrett, sem uma dramaturgia digna de registo. Pode dizer-se que António José da Silva simboliza no teatro português o período que corresponde ao reinado de D. João V, em pleno ideal barroco, envolvendo a luxúria e a ostentação de uma faustosa corte, beneficiária dos lucros do ouro do Brasil. Havia um chocante contraste entre a opulência e as misérias de uma sociedade frágil, pobre e atrasada e a Inquisição atuava impiedosamente, perseguindo judeus e cristãos-novos. Em 1733 representa no Teatro do Bairro Alto a sua primeira ópera, “A Vida do Grande D. Quixote de La Mancha e do Gordo Sancho Pança”. Morava então no Socorro, próximo do Teatro do Pátio das Arcas, que funcionava onde hoje é a rua Augusta, fundado por Fernão Dias de La Torre cerca de 1590. O teatro ardera em 1697, mas fora reconstruído como importante pátio de comédias, cujas receitas revertiam a favor do Hospital de Todos os Santos. Sente-se a influência da comédia espanhola, nomeadamente de Lope de Vega e Calderon de la Barca, designadamente pelo espírito inconformista segundo os ideais barrocos e os cânones usados em Itália e nos palcos europeus. O artista vive o espírito do tempo segundo uma arte menos retórica e mais ocupada com o deleite dos sentidos. António José da Silva escreve sobretudo em prosa, sendo que “a prosa deixara de se usar no teatro desde Sá de Miranda, Camões e António Ferreira”; inserindo a música na intriga dramática, de acordo com o modelo de transição entre a comédia espanhola e o melodrama italiano. No Teatro do Bairro Alto, numa sala do Conde de Soure, na rua da Rosa, adaptada às lides teatrais, chamada Casa dos Bonecos, António José faz representar entre 1733 e 1739 as oito óperas que lhe são atribuídas: D. Quixote (1733), Vida de Esopo (1734), Os Encantos de Medeia (1735), Anfitrião ou Júpiter e Alcmena e O Labirinto de Creta (1736), Guerras do Alecrim e Manjerona e As Variedades de Proteu (1737), Precipício de Faetonte (1738), esta última quando o autor se encontrava encerrado nos cárceres da Inquisição. Em 1735, António José da Silva casa-se com Leonor Maria de Carvalho, antiga penitenciada em Valhadolid, de quem tem uma filha Lourença. As suas peças e representações obtêm grande sucesso de público e reconhecimento nos meios cultos. Após a morte do Conde da Ericeira foi denunciado à Inquisição. Em 1737 é preso com a mulher, a mãe, o irmão e a cunhada durante as cerimónias judaicas de Yom Kipur. Após um longo processo é condenado em 1739 de convicto, negativo e relapso, sendo relaxado em carne, garrotado e queimado. Em 1744, Francisco Luís Ameno publica “Teatro Cómico Português” (2 volumes) onde se incluem as oito obras de António José da Silva, sem menção de autoria. Trata-se do exemplo de quem representa a vitalidade da cultura portuguesa, impondo-se contra a cegueira da intolerância. Falando das extraordinárias guerras, com música de António Teixeira (1707-1774), estamos perante uma ópera joco-séria, na qual dois galantes, pinga-amores e caça-dotes, D. Fuas e D. Gilvaz procuram cair nas boas graças de duas irmãs ricas, D. Clóris e D. Nise, utilizando o criado de Gil, Semicúpio, cheio de graça, entusiasmo e genica. As meninas andam disfarçadas, mas revelam a sua identidade por levarem uma um ramo de alecrim, outra um ramo de manjerona. Semicúpio arma estratagemas para introduzir o patrão na casa da pretendida, mas acaba por se enamorar de Sevadilha, criada de Clóris. Se o avarento D. Lançarote, tio das meninas, deseja casá-las com seu sobrinho D. Tibúrcio não consegue graças às artimanhas de Semicúpio – e no final, desfeitos os equívocos da comédia de enganos, casam-se os namorados e Semicúpio com Sevadilha.

 

Agostinho de Morais

 

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O TIVOLI E OUTROS TEATROS E ESPETÁCULOS DE RAUL LINO

  


Já aqui referimos e analisámos o Teatro e Cinema Tivoli numa dupla perspetiva de edifício construído para cineteatro e sala de concertos, mas também no ponto de vista estético e da coerência artística, técnica e doutrinário de Raul Lino, autor do projeto e gestor artístico do Teatro, de 1924 a 1931. Evocamos o próprio arquiteto, num texto coligido por Diogo Lino Pimentel e publicado no passado num volume evocativo da Exposição Retrospetiva da Fundação Calouste Gulbenkian (outubro/novembro de 1970).


Escreveu então Raul Lino, a propósito do Tivoli:


“Levou mais de quatro anos a construir (…) era grande a vontade de fazer alguma coisa de original na decoração interna e cheguei a propor uma decoração que principalmente consistia em grandes ramalhetes de cerâmica policromada de estilo moderno e cores muito vivas (…) mas não consegui convencer o meu bom amigo (Frederico Lima Mayer): no entanto este pediu-me que me quisesse incumbir de organizar os seus programas, o que fiz durante sete anos” (cfr. “Tivoli - Memórias da Avenida”, coordenação de Duarte de Lima Mayer e João Monteiro Rodrigues, ed. Building Ideas, CM e Arquivo Municipal de Lisboa e Centro Nacional de Cultura - 2016).


E no texto aqui publicado referi a valência cultural do Tivoli como cinema, como teatro e como sala de concertos e de ópera, e isto, desde as chamadas Terças-Feiras Clássicas, às sucessivas temporadas de espetáculo teatral e musical, que aliás marcaram uma modernidade absolutamente notável em épocas sucessivas.


E basta lembrar que no Tivoli, em 1925, António Ferro lançou a companhia denominada Teatro Novo, efetivamente a primeira iniciativa experimental da história moderna do teatro português.


Ora, é caso para dizer, no respeitante ao teatro português, o Tivoli marcou uma coerência de modernização, em décadas sucessivas. Vocacionado para a apresentação de espetáculos vindos do exterior torna-se no entanto relevante evocar iniciativas de verdadeira renovação de companhias portuguesas; citamos então o Teatro Experimental de Cascais dirigido por Carlos Avilez, o Círculo de Iniciação Teatral da Academia de Coimbra dirigido por Paulo Quintela, ou o Grupo 4 e mais espetáculos que acertavam este registo de modernização/renovação.


Isto, no que se refere a artistas portugueses. Porque, no que respeita a temporadas ou espetáculos vindos de outros meios, pelo palco do Tivoli passaram a Royal Shakespeare Festival Company com Barbara Jeford e Ralph Richardson, ou o Pirakon Theatron de Atenas, este em cooperação com a Fundação Calouste Gulbenkian.


E ainda as chamadas Galas Karsenty-Herber e outras companhias vindas de França, que levaram à cena peças de Montherlant, Peter Brook, Anouilh, Noel Simon, Ariano Suassuna ou Abélio Pereira de Almeida.  


E no que se refere à música? Aí, evocamos concertos em que se apresentaram “ao vivo” artistas com a qualidade e projeção de Stravinsky, Rubinstein, Menuhin, Kempff, ou dos portugueses Viana da Mota, Freitas Branco, Ivo Cruz, Silva Pereira, Frederico de Freitas, Álvaro Cassuto, Tânia Achot e também tantos mais.


No catálogo da Exposição acima referido, enumeram-se os principais espetáculos ou textos dramáticos e bailados em que Raul Lino colaborou como cenógrafo, sendo certo que algumas delas não chegaram a estrear: "Rosas Bravas" de Afonso Lopes Vieira, "Auto de Mofina Mendes", "Fausto" de Júlio Dantas, João de Barros e Manuel Sousa Pinto, "Bailado do Encantamento" de Rui Coelho com coreografia de Almada, "Salomé" de Oscar Wilde, "Milagre" de Veva de Lima, "O Fidalgo Aprendiz", "Orfeu" de Monteverdi, "Pastoral" de Ivo Cruz e Margarida de Abreu - isto quanto a cenários projetados ou executados e para além de largas dezenas de figurinos desenhados para estes e outros espetáculos de ópera e bailado, segundo o Catálogo da Exposição acima referido.


E ainda acrescentamos que Raul Lino é autor do projeto do Cineteatro Curvo Semedo de Montemor-o-Novo e de elementos decorativos do Cinema Palácio de Lisboa. Mas esses serão referidos noutra ocasião.

 

DUARTE IVO CRUZ

Obs: Reposição de texto publicado em 02.09.17 neste blogue.