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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

UMBERTO ECO

 

“Riflessioni sul dolore” (edizioni ASMEPA- 2016)

 

A dor é normalmente identificada como um sofrimento físico quando, na verdade, o seu significado deve ser alargado pois envolve o sofrimento das emoções, o sofrimento espiritual e afetivo e social. A dor é expressão de uma falta global de cura, e cada vez mais se necessita de uma medicina que envolva a pessoa na doença para entender ambas, e não tenha como objetivo único a doença.

 

A relação da dor com a doença e com a pessoa, permite a análise num contexto filosófico, semiológico, histórico, contextualizando a discussão e análise em diversas situações para que se saiba, em qual, a palavra dor, se liberta mais do vínculo estereotipado e de derivação apenas clínica.

 

A dor física e a dor da alma, a dor percebida e a dor provocada, o sofrimento como redenção não dizível de uma profunda perturbação, como é o caso da dor do amor perdido, do sentir que a regeneração da energia não é possível; a dor como estrada para o conhecimento, como meio de captar uma cultura e controlar os seus sintomas quando ela nos invade sem licença; a dor enamorada de esquecer-se por tão física, por tão espiritual, quantas vezes agravada pelo medo do que encobre a dor que se tem, será sempre uma angústia, e, também, um perigo cativo se a medicina não nos der a mão segura, a mão não enferma de uma solução global de soldado.

 

Múltiplos aspetos e significados da dor e do sofrimento, se entendidos amplamente, dão-nos a receita adequada a um solido tratamento, a uma reflexão, não de cuidado paliativo generalizado, mas do entendimento de uma medicina que cura pelo saber e pelo afeto e pela interpretação das emoções que dialogam com uma milenária dor universal, cuja presença no mundo, bem se sabe que fomenta a fadiga, a discórdia, o odio, o desamparo, o choro e a inelutável natureza da esperança, algo animal, que se enrodilha apertada no centro da dor.

 

A consciência da dor e do sofrimento como realidades universais também minadas pelo stresse, tornam, quantas vezes, insuportável a dor física e espiritual da doença que se expõe em corpo marcado pelas contracturas que nos abandonam a nós mesmos e só a nós.

 

Assim também se interpreta que a dor amorosa è un pensiero assíduo podendo mesmo tornar-se obsessivo já que a memória pode não se afastar do objeto amado e modifica-o mesmo para que se pareça mais com a dor que quer expor, afastando-se da verdade, mas caminhando para aquela que melhor justifique a interpretação que permite que o mundo faça, a essa realidade, mesmo inverdade mas tal como deseja que seja e não como foi.

 

Quantas vezes só a medicina poderá ser capaz de apanhar o pulso de um enfermo, alterar-lhe o ritmo, prescrever-lhe o remédio vital e torna-lo um distinto e vulgar caminhante da vida, mesmo quando nessa vida a dor e a cura se mostram apáticas ao esforço, àquele que já só atribui pequeninas doses de tranquilidade.

 

P.S. “Riflessioni sul dolore”: trata se de uma excelente publicação organizada pela Academia da Ciência da Medicina Paliativa num contexto ético e social. Umberto Eco destacado membro da Academia da Ciência de Bolonha propõe-nos também a clarividência da função biológica no acerto com várias mortes que enfrentamos através das violentas doenças da vida.

 

Teresa Bracinha Vieira