Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Fala-se na identidade eletrónica como totalmente dissociada da existência biológica, como um substituto digital da pessoa física capaz de comunicar eternamente e de forma desmaterializada com as pessoas que ainda são vivas.
Há toda uma panóplia de novas tecnologias que tentam tornar cada vez mais concreta e eficaz a ficção da imortalidade, criando formas de virtualidade cada vez mais perfeitas, sobrevivendo uma estrutura ou perfil virtual ao corpo biológico.
Até se fala em morte digital (e herdeiros digitais), para que, depois de mortos, não sejamos esquecidos, mas sim virtualmente imortais, garantindo-nos uma eterna sobrevivência sob o modo desmaterializado de espetros digitais.
Presume-se que à pergunta “Who wants live forever?”(“Quem quer viver eternamente?”), a resposta será, na quase totalidade ou cabalmente, positiva, pelo que há startups vocacionadas para estes novos negócios, crescentemente mais rentáveis, dada a enorme abertura e disponibilidade das pessoas em geral às novas tecnologias informáticas, incluindo uma crescente dependência das redes sociais onde fazem da sua privacidade letra morta.
Mas, pensando melhor, não se indicia ter sido a descoberta do digital que nos permite concluir que, antes dele, não existia uma sobrevivência dissociada da biologia, uma vez que, desde a descoberta da escrita, sempre subsistiu esse modo de sobreviver, sob a forma materializada de documentos, textos e livros, que hoje podem ser duplamente sobreviventes via desmaterialização.
Tantas vezes sem qualquer contacto físico ou presencial, como o provam amizades e relações epistolares entre vários interlocutores, em que quem escrevia de longe era visto num plano espiritual, imaterial, diferente daquele através do qual vemos quem conhecemos, não permitindo ver, ou ver menos, as imperfeições e insuficiências do outro, numa certa analogia com quem só lidamos eletronicamente.
O mesmo se pode dizer quanto às mensagens do ritual simbólico inerente aos espetáculos e concertos de despedida de atores, cantores e músicos, entre outros, que são um modo de dizer, aos seus públicos, que podem procurá-los no que gravaram, em áudio e vídeo, em vida, após abandonarem os palcos.
Numa certa perspetiva, intui-se não haver nada de novo debaixo do sol, embora, analisando bem, há muitas coisas novas debaixo do astro solar. O que permanece sempre, em qualquer das situações, é o desejo de não se ser ingloriamente esquecido após a morte biológica.
E como teu melhor amigo venho buscar-te para atravessarmos o bairro pois temos de fazer alguma coisa
O nosso destino não é lugar algum nem tem nome
Nós não existimos lá, lá no nosso destino
Vá, sobe a bordo,
agora o teu lugar no mundo vai reconhecer-te e esperar de ti porque estás a atravessar o bairro que se esvazia
e, no entanto, nós a bordo, com a mesma densidade agora mesmo
Nós no nosso bairro, sim, aqui e as ondas férreas, o seu impacto sem precedentes com todos os riscos em nós, mas nós fortes e saudáveis, sentes, não sentes? mas há uma dormência, uma ligeira dormência no rosto, provavelmente sim, é isso, mas não, não permitas que se mostre acidental a destruição do nosso bairro
pensa o quanto o nosso longo cabelo branco é assimétrico no crescer, é incontido no branco e não há nada mais tecnologicamente sofisticado que se assemelhe à sua condição e causa
Podes crer que a tua companhia fez a diferença, sim
o bairro já põe um pé à frente do outro, a água é água de novo, o dia de hoje é um dia por si só, nada hoje foi como costuma ser, nenhuma dúvida quanto a isso, e sim, safámos o bairro por um triz, sim,
Mario Draghi, perante o Conselho de Estado português, recusou que o aumento da despesa no setor da Defesa dos países europeus se faça à custa da retirada de fundos ao Estado Social. Aliás, quem tenha lido com atenção o relatório que subscreveu certamente chegou a essa conclusão sem grande esforço. Trata-se, sim, de dar atenção aos setores cruciais que contribuam para o aumento da produtividade, como o tecnológico e o energético, bem como para a segurança europeia nos setores da defesa e do espaço. Para tanto, importa mobilizar capitais públicos e privados, com um planeamento estratégico atuante, para contrariar o declínio. Não iludamos os problemas, pois precisamos de iniciativa política, de investimentos maciços em investigação e desenvolvimento e uma aposta nas infraestruturas transeuropeias, o que exige um esforço corajoso, compreendendo a ligação entre coesão social e progresso económico. A defesa nacional obriga a considerar a cobertura dos riscos sociais, a salvaguarda da educação, da cultura e da ciência e a política externa e de segurança. Quem o esquecer comete um erro fatal de consequências dramáticas. A capitulação de Munique em 1938 esqueceu a sociedade o que teve de ser retificado sob pena da derrota da Europa. Num tempo pleno de incertezas, vivemos hoje a tentação das conclusões fáceis e imediatistas, confundindo o essencial e o acessório. Há um perigoso mimetismo, ditado pelos ventos atlânticos e das estepes e por uma paradoxal cegueira relativamente à complexidade, em benefício de formulações fáceis e bombásticas. O regresso do protecionismo e da lógica do “espaço vital” contém em si o perigo inexorável de fragmentação, da condenação do multilateralismo e da imposição da lei da selva, com resultados semelhantes aos do final do Império Romano. E não se esqueça o “18 Brumário de Luís Bonaparte” em que se demonstrou que a História se repete primeiro como tragédia e depois como farsa. Não se esqueça que os Estados Unidos sempre se afirmaram como uma potência normativa, apta a agir com respeito do primado da lei e segundo critérios de mediação internacional. A recusa dessa vocação pode significar paradoxalmente o inexorável declínio. E o mesmo se diga da Rússia, que ao isolar-se faz exatamente o contrário do que fez a czarina Catarina II, que afirmou a sua influência na procura do respeito das outras potências. A tragédia e a farsa são riscos nos dois casos, pela incapacidade de agir internacionalmente com autoridade moral e capacidade de dissuasão. Como temos visto, a lógica dos tigres de papel ocupa o lugar das capacidades efetivas. É verdade que o eixo Pequim-Moscovo-Teerão parece mais atuante, pelo que os Estados Unidos não devem alienar a vantagem estratégica antiga de poder contar com aliados potenciais na Europa, Ásia e Medio-Oriente. Mas tal pode desvanecer-se pela ilusão da autossuficiência. A Ucrânia, o agravamento da situação de Israel e a incerteza na Ásia Oriental abrem o risco de perigosas guerras simultâneas, pelo que não basta o discurso da imposição de mais despesas militares, quando a ideia de solidariedade estratégica é contrariada pelo isolamento. Talvez não seja fatal o declínio norte-americano, mas uma guerra global gerada por aprendizes de feiticeiros pode tornar-se provável, com temíveis resultados.
Ao longo dos séculos, foram-se sucedendo, numa lista quase interminável, as tentativas de resposta: animal que fala, animal político (Aristóteles); animal racional (os estóicos e a Escolástica); realidade sagrada (Séneca); um ser que pensa (Descartes); uma cana pensante (Pascal); um ser que trabalha (Marx); um animal capaz de prometer (Nietzsche); um ser que cria (Bergson); um animal que ri, um animal que chora, um animal que sepulta os mortos... Saído da gigantesca aventura cósmica com uns 13.700 milhões de anos, o Homem tem, segundo Edgar Morin, “a singularidade de ser cerebralmente sapiens-demens” (sapiente-demente), ter, portanto, com ele “ao mesmo tempo a racionalidade, o delírio, a hybris (a desmesura), a destrutividade”.
O filósofo André Comte-Sponville apresentou a sua “definição”, que julga suficiente: “É um ser humano qualquer ser nascido de dois seres humanos.” Sim, é verdade. Mas será mesmo suficiente? O que dizer em relação aos primeiros homens, que, na história da evolução, não nasceram de outros humanos? De qualquer modo a pergunta continua aí, gigantesca, a pergunta das perguntas...
Os grandes espíritos – Diderot, por exemplo – deram-se conta de que o que somos não pode ser encerrado numa definição. O Homem é o ser que leva consigo a questão do ser e do seu ser e que originária e constitutivamente pergunta: o que é o Homem? O que, antes de mais, une a Humanidade inteira é precisamente esta pergunta: o que é ser Homem?
Se o chimpanzé, por exemplo, também sente, recorda, procura, espera, joga, comunica, aprende e inventa, o que é que nos distingue?
Afinal, há muito de idêntico em nós e no chimpanzé, “no mono e no Papa”, disse ironicamente o filósofo confessadamente ateu Michel Onfray. O professor de filosofia e o chimpanzé têm necessidades naturais comuns: comer, beber, dormir. A etologia mostra que há comportamentos naturais comuns aos animais e aos humanos. Veja-se, por exemplo, as relações de violência e de agressão e compare-se inclusivamente os rituais de cortejamento sexual. Mas é interessante constatar que já na resposta às necessidades naturais há uma diferença: os homens inventaram a cozinha e a gastronomia e também o erotismo.
No entanto, escreve M. Onfray, “o Homem e o animal separam-se radicalmente quando se trata de necessidades espirituais, as únicas que são próprias dos homens e das quais não se encontra nenhum vestígio – mínimo que seja – nos animais.” Há nos humanos uma série de actividades especificamente intelectuais, que os distinguem radicalmente dos monos: nestes, não encontramos filosofia nem religião nem técnica nem arte.
A tentativa de compreendê-lo no quadro de um materialismo mecanicista ou do biologismo não dá conta do Homem. De facto, o animal é conduzido pelo instinto. Por isso, esfomeado, não se conterá perante a comida apropriada que lhe apareça. Face à fêmea no período do cio, não resistirá. O Homem, pelo contrário, é capaz de transcender a dinâmica biológica. Por motivos de ascese ou religiosos ou até pura e simplesmente para mostrar a si próprio que se não deixa arrastar pelo impulso, é capaz de conter-se, resistir, dizer não. Foi neste sentido que Max Scheler, um dos fundadores da Antropologia Filosófica escreveu que o Homem é “o asceta da vida”, o único animal capaz de dizer não aos impulsos instintivos.
Cá está: esta é a base biológica da conduta moral, uma característica essencialmente específica humana. Uma vez que o Homem é capaz de ponderar, renunciar, abster-se, optar, dizer sim, dizer não aos impulsos, é livre e, por conseguinte, animal moral.
O Homem é corpo, mas um corpo que fala e que diz “eu”. Porque fala, é capaz de debater questões, de defender pontos de vista, distinguir o bem e o mal, tomar posições sobre valores morais, políticos, religiosos, estéticos, filosóficos...
Então, o enigma é este: provimos da natureza, mas contrapomo-nos a ela, somos simultaneamente da natureza, na natureza e fora dela. Monos e humanos têm a mesma origem, mas os humanos têm originalidades únicas e irredutíveis.
Anselmo Borges Padre e professor de Filosofia Escreve de acordo com a antiga ortografia 11 de fevereiro de 2025
Luís de Camões (1524-1580), cujo centenário comemoramos foi um verdadeiro intérprete de Portugal, assim o procuramos demonstrar.
UM CENTENÁRIO QUE REFLETE Em 1880, por ocasião do terceiro centenário da morte de Camões, houve uma onda de entusiasmo que percorreu o país. Contudo o jovem Oliveira Martins, como os seus companheiros de geração, pondo-se de sobreaviso relativamente a todas as ilusões, afirmava: “Nós que abusamos demais das glórias conquistadas por nossos avós, supondo que elas bastam para nos justiçarem a fraqueza e os vícios, devemos considerar o Centenário como um incitamento a melhor vida; um Confiteor e não um Glória. Penitenciemo-nos, pois. Se o Centenário ficar como expressão nova de uma bazófia velha, melhor fora não se ter feito”. Esse foi, no entanto, um momento alto na tomada de consciência cívica. De facto, “o melhor modo de consagrar os heróis é repetir-lhes as façanhas. (…) São o carácter, a virtude, o heroísmo, que valem decerto mais que todas as luminárias”, e lembrava o historiador que as festas de Atenas só foram maiores depois da tomada pelos romanos, porque as celebrações póstumas são nostálgicas. E assim na década de noventa, passado o entusiasmo imediato este ardeu como a palha e “Os Lusíadas” voltaram a ser apenas uma saudade, dissipada a esperança de um momento. “A crítica tornava a exercer o seu papel de consoladora e mitigante, nas horas de desalento em que sentimos os braços quebrados para a ação. Camões tornava a pertencer à história de um passado extinto”, enquanto se varria para longe “a imagem desenhada nos horizontes luminosos de um dia”. Muitas e muito boas obras puderam, porém, enriquecer a literatura camoniana, salientando-se os estudos do visconde de Juromenha, de Teófilo Braga, bem como as traduções de Storck e de Burton, bem como, em paralelo, a edição da obra de Garcia de Orta e sobre a «Flora” de “Os Lusíadas”» pelo conde de Ficalho ou a edição de Sá de Miranda da autoria de Carolina Michaelis de Vasconcelos.
UMA HISTÓRA PRESENTE Depois de o historiador ter escrito, quando estava em Espanha, em meio de charnecas bravias da Mancha, a dirigir as minas de Santa Eufémia, «Os Lusíadas: Ensaio sobre Camões e a sua obras, em relação à sociedade portuguesa e ao movimento da Renascença» (Porto 1872), refundiu-a quase vinte anos depois num notável trabalho de releitura, dado à estampa em 1891 - “Camões – Os Lusíadas e a Renascença em Portugal”, com uma estrutura semelhante à anterior mas com uma maturidade que demonstra bem a compleição cultural e literária do pensador e do artista da História - sem alterar “nem os lineamentos primitivos, nem o tom juvenilmente exuberante que lhe encontrava no estilo”. E o certo é que no fecho do prólogo da nova edição podemos ler uma afirmação que traduz bem o espírito de quem, ciente da decadência que se vivia, considerava que haveria razões para uma exigência de redenção, baseada num trabalho necessário de preparação do futuro: “Neste acabar de século, por tantos lados semelhante ao fim fúnebre do século XVI, quando morreram Camões e Portugal, o vivo desejo da minha alma é que, se efetivamente, está morta a esperança inteira e temos de abandonar a ideia de voltarmos a ser alguém digno de nome vivo sobre a terra, este livro seja como um ramo de goivos deposto no altar do poeta que, morrendo com a pátria, lhe cantou o glorioso passado, legando-nos o testamento de um futuro não cumprido”.
Importava, no fundo, compreender a circunstância que rodeara em 1572 a publicação de “Os Lusíadas” – porque “as grandes eras poéticas nunca são as da plena expansão enérgica das sociedades”. De facto, o poema épico foi publicado quando a pátria agonizante estava debruçada sobre a cova de Alcácer Quibir. E também Virgílio escreveu na época clássica de Augusto «quando Roma, terminada a época da sua expansão e grandeza, buscava nas instituições imperiais e na “imensa majestade da paz” o triclínio dourado e cómodo para ir passando os séculos da sua digestão apoplética. A incomparável epopeia virgiliana exprime, na sua perfeição, no seu rigor, no seu saber artístico, esse meigo descair de um sol que não dardeja mais os raios fulgurantes do meridiano, com uns longes de cansaço anunciando a doença».
ESPÍRITO DA RENASCENÇA E no caso português, o espírito da Renascença centra-se no seguinte: “Toda a energia deste povo cristaliza em três atos: o imperialismo político, as descobertas e conquistas e o absolutismo religioso”. Na “História da Civilização Ibérica”, Oliveira Martins encontrará, a um tempo, as causas de decadência dos povos peninsulares e as características próprias de uma experiência crucial na história da humanidade. Fomos, assim, os romanos da Renascença, como dirá Camões, ao invocar a proteção de Vénus (“Afeiçoada à gente Lusitana, / Por quantas qualidades via nela / Da antiga tão amada sua Romana” – Canto I). E partilhando o idealismo espiritualista, capaz de exigência crítica, “Camões não é só o épico português da força e da fé, nem o épico da ciência e do comércio; é também um vate do pensamento filosófico moderno”. E deste modo “por um ato de vontade coletiva, Portugal quis ser e foi uma imitação de Roma” – e essa é uma chave que a visão camoniana consagra. “E esse ato de vontade, semente da sua energia heroica, deu fisionomia própria a um pequeno povo que primeiro vivera indistinto entre os vários reinos da Espanha, apenas porventura caracterizado diferencialmente pelo lirismo da sua alma céltica, igual em todo o caso dos dois lados do Mondego, mais igual ainda em ambas as margens do Minho”. E a bela Vénus diz da língua portuguesa que, ao ouvi-la, “com pouca corrupção crê que é a latina” (Canto I). Por outro lado, reforçando essa semelhança heroica, “o foro português, à semelhança do romano, não era o atestado de uma ascendência consanguínea, mas sim o batismo em uma fé que não distinguia nacionalidades, nem origens naturais de raça, ou de religião”. E aqui temos o carácter paradoxal da herança camoniana que a geração de 1870 deseja que funcione como um desafio de vontade – cientes das vicissitudes várias e dos fumos da Índia de que Albuquerque falava. “É por isso que os Lusíadas, escritos em letra de ouro, sobre a candura de um mármore são (na expressão do historiado) o epitáfio de Portugal e o Testamento de um povo. Como Israel, com os seus cativeiros sucessivos, o português, abraçado à sua bíblia e enlevado no sonho messiânico do sebastianismo, amassado com lágrimas, balbuciará as estrofes de Camões sempre que vir apontar no céu uma aurora fugaz de renascimento, e sempre que contemple melancolicamente o crepúsculo saudoso do seu passado perdido”. No Portugal oitocentista, o épico apresentava-se como intérprete da história pátria num sentido profético, não com pendor fatalista, mas como futuro de esperança.
Comprei finalmente a floreira, agora suspensa no parapeito da cozinha. Entre o armário e o balcão, pode ser que sirva ainda de lugar a andorinhas e ervas aromáticas. O vento há-de trazer-me tudo isso e também escapes, monóxido de carbono.
Esgotadas as emendas e todos os outros males, dediquei-me com minúcia e seriedade (o possível) a criar na terra as palavras normais que me sobravam no fundo dos bolsos
in Curso Intensivo de Jardinagem, 2010
Preparing the ground
At last I bought the flower pot, now sitting on the kitchen window sill. Between the cupboard and the sink, it may perhaps be good still to welcome swallows and herbs. The wind will bring me all this as well as exhaust pipes, escaping carbon monoxide.
Corrections and other evils having also been exhausted, I concentrated in detail and seriously (as much as possible) on growing the everyday words left over in my pockets.
A PALAVRA DE JOÃO BÉNARD DA COSTA OS MEUS SETE PAPAS (I)
1. Agora que isto acalmou um bom bocado, quer em matéria de papas quer em matéria de vigílias, posso dar-me ao luxo de desfiar, nos meus romanizados rosários, contas dos papas da minha vida e de os relembrar um a um, entre arminhos e solidéus, sédias gestatórias ou detidas. Setenta anos, sete papas. Muitos anos? Não há dúvida. Muitos papas? Assim agora não me parece ou me aparece, mas a uma média de dez anos por papa, pode ser que as aparências iludam. Embora eu tenha vivido o terceiro pontificado mais longo de que a Igreja conserva memória (João Paulo II) e um dos pontificados mais curtos dos últimos sete séculos (João Paulo I).
2. A bem dizer, o meu primeiro Papa Papa de mim não foi, embora o dr. Freud, que morreu sete meses e dezasseis dias depois dele, me tenha querido ensinar, sem grande resultado, que foi o Papa de que o meu inconsciente mais ouviu falar. Refiro-me a Pio XI, o Papa Ratti, que reinava em Roma quando eu nasci e morreu, três dias depois de eu fazer quatro anos, a 10 de fevereiro de 1939, aos 81 anos. Aos quatro anos, alguém se lembra de papas? Acreditem-me ou não, se não me lembro dele, lembro-me muito bem (vá-se lá saber porquê) do dia da morte dele. Era à hora de almoço. Eu estava em casa de uns tios postiços que moravam no mesmo prédio do que eu, no segundo andar que ficava por baixo da casa da minha avó. Na casa de jantar, havia uma telefonia, dessas com ponteiro, olho luminoso verde e lãzinha branca a aconchegar os baixos. E foi da dita, ou na dita, que deram a notícia da morte do Papa. Não devo ter prestado atenção, pois o que recordo é a voz acaciana do meu velho tio (com idade para ser meu avô) a dizer-me solenemente: "Morreu o Santo Padre." Talvez tenha ficado confundido com a ideia de os santos morrerem. Talvez não associasse padres a santos, de tanto ouvir dizer que os padres ralhavam. Talvez outra razão qualquer. Mas a morte de Pio XI chegou-me em direto. Mais tarde, já grandinho ou já velhote, o Papa que queria que o futuro o conhecesse como "o Papa da Ação Católica", o papa da Mit Brennender Sorge e da Non Abbiamo Bisogno, o Papa que "tarde, demasiado tarde na vida", descobriu que as ameaças à Igreja não vinham só de um lado, e que as do lado oposto não eram menos fortes, esse Papa, Pio XI, dizia eu, olhei-o sempre com particular afeto. A paz de Cristo no Reino de Cristo. Seis meses depois da morte dele, findo um pontificado de dezassete anos (1922-1939) começou a guerra do diabo.
3. Não me lembro de ninguém me ter dito que a 2 de março desse mesmo ano, ao fim de três escrutínios e no primeiro dia de conclave (coisa que há trezentos anos não acontecia), o cardeal Pocelli, que nesse mesmo dia completava 63 anos, fora eleito e tomara o nome de Pio XII. As minhas primeiras imagens dele, ascético e severo, remontam aos dias em que Roma deixou de ser cidade aberta e houve igrejas bombardeadas. Pio XII deixou então o Vaticano para consolar os feridos e chorar os mortos. Quando a guerra acabou, gregos e troianos louvaram o Pastor Angelicus e a sua ação em favor da paz. Em 1950, ex cathedra, num Ano Santo a que só não fui pela maldição de uma bruxa, proclamou o Dogma da Assunção de Maria e, aos 15 anos, extasiei-me, mais do que me interroguei, com essa solene afirmação da infalibilidade papal, a primeira (e a única) desde os tempos de Pio IX. Depois, ele foi o Papa dos meus anos de brasa, os anos da Ação Católica. Formei-me com a Divino Afflante Spiritu, que relançou os estudos bíblicos, ou com a Mediator Dei sobre a renovação da liturgia. Morreu, diz-se, ouvindo a Sétima Sinfonia de Beethoven, que amava mais do que as outras e Jorge de Sena dedicou-lhe um belíssimo poema na Fidelidade: "Como de Vós, meu Deus, me fio em tudo / mesmo no mal que consentis que eu faça / por ser-Vos indiferente, ou não ser mal / ou ser convosco um bem que eu não conheço." Foi a 9 de outubro de 1958 e soube da notícia no mesmo dia em que soube que ia ser pai pela primeira vez. Para mim, morrera mais do que o meu primeiro Papa. Morrera o meu único Papa. O Papa por antonomásia.
4. Foi assim com algum escândalo (obviamente, o escândalo admissível num crente então fiel e obediente à Igreja) que, a 28 de outubro, soube que fora eleito Papa o cardeal Roncalli, quase a completar 77 anos, ou seja, muito mais perto das idades com que morreram Pio XI (81) e Pio XII (82) do que das idades com que tinham sido eleitos, em papados sensivelmente com a mesma duração. Um amigo meu deu voz ao que eu sentia: "Os cardeais terão mesmo ouvido o Espírito Santo ao escolherem um Papa de transição?" (era a explicação mais correta para a surpresa da escolha: após dois pontificados longos e fortes, um pontificado breve que servisse para pensar no futuro). A primeira surpresa veio com a escolha do nome de João XXIII, recuperado a um anti-Papa de 1410 a 1415 e que ninguém usara mais desde o século XV. Depois vieram todas, todas as surpresas desse papado inacreditável: a convocação do Concílio, a inauguração do Concílio, a Mater et Magistra a Pacem in Terris. O bom Papa João. Repararam bem quão estranho é chamar bom a um Papa? Mas foi com esse cognome que ele ficou, tão amado pelos não crentes como pelos crentes ou mais ainda pelos primeiros do que por muitos segundos. Vivi, sob ele, os mais exultantes anos do meu catolicismo. Não chegaram a ser cinco. João XXIII morreu a 3 de junho de 1963, aos 81 anos.
5. Já quando Pio XII morreu, eles haviam sido os mais "papabile". Refiro-me aos cardeais Alfredo Ottaviani e Giovanni Montini. O primeiro era chefe do Santo Ofício e acusavam-no de reacionarismo. O segundo, arcebispo de Milão, com fama de homem aberto ao novo e ao moderno. "Cantemos ao Senhor um Cântico novo." Os dois voltaram a ser falados em 1963. O que eu rezei para um Papa chamado Montini! E ele chegou, sob o nome de Paulo VI, a 21 de junho, com 65 anos. Foi um dos dias mais felizes da minha vida e eu tinha apenas 28 anos! E o nome do Papa era o nome do Apóstolo das Gentes. Poucos meses depois, já se falava de "fundo Roncalli, forma Pacelli", contrastando a rigidez do novo Papa com a bonomia do seu antecessor. Mas o Concílio continuava, começavam as viagens papais (a histórica peregrinação à Terra Santa em janeiro de 1964) e foi a continuidade muito mais que a rutura que eu li na encíclica Ecclesiam Suam de agosto de 1964. Lembro-me que o meu elogio ao texto papal, nas páginas de O Tempo e o Modo, me valeu uma resposta zangada de um amigo ex-católico, então muito mais à esquerda do que eu. Ele, que, agora muito mais à direita, manda para braços anglicanos todos os "protestantes" (mesmo os mais silenciosos) à eleição de Ratzinger, acusava-me então de poetizar e lembrava-me que ao contrário do que dizia o alemão Novalis (compatriota de Ratzinger) o mais poético podia não ser o mais verdadeiro. Paulo VI na ONU, em 1965. Mas, bruscamente, fez há muito pouco tempo trinta e oito anos, Paulo VI em Fátima, recebido por Salazar. Foi a única vez que vi um Papa. Foi o único Papa que eu vi. Não em Fátima, mas junto ao Mosteiro da Batalha, quando de Fátima ele regressava em carro aberto, olhos imensamente azuis, como nunca até esse dia eu os supusera. Por esses anos, por esses tempos, mudou muito a imagem pretérita de Pio XII, quando os silêncios do Vaticano perante a Alemanha nazi começaram a ser muito falados. Pio XII devia ter falado? Paulo VI devia ter recusado vir a Portugal? Essa questão - ou essas questões - ainda hoje as não resolvi dentro de mim. Se os olharmos como chefes institucionais (e a Igreja é uma instituição), eles defenderam-na como a deviam ter defendido, sem atrevimentos inauditos e sem riscos temerários para a unidade que lhes cabia preservar. Mas se os olharmos como pastores do povo de Deus (e a Igreja é o povo de Deus) por que temeram se o próprio Cristo garantiu a Pedro que as portas do Inferno nunca prevaleceriam contra as da Igreja? E foi no tempo do Papa que eu mais "elegi" que eu cheguei à conclusão que o sumo pontífice não podia ser um modernizador mas um contemporizador, não podia ser uma Antígona mas um Creonte (para recuperar uma imagem antiga). Podia escandalizar intelectuais impacientes como eu, mas não mansos ou feros pobres de espírito. Em 68, com a encíclica Humanae Vitae, Paulo VI enfrentou de peito aberto a revolução sexual nesse ano triunfante. Católicos insurgiram-se por todo o mundo, numa contestação inédita. Quem mudará? Eu, por certo, mudei, nesses últimos dez anos do pontificado de Paulo VI. Octogesima Adveniens? Mas 80 anos depois da Rerum Novarum, onde estavam as coisas novas? Onde estão hoje, em que a Humanae Vitae é menos contestada do que os seus contestatários de 68? Talvez por isso esse Papa seja, na minha memória, o mais amargurado e o mais torturado dos papas da minha vida. Por que é que pensar nele me faz pensar na morte?
6. Estava em casa diante da televisão, quando, em agosto de 1978, pouco depois da morte de Paulo VI, aos 81 anos e com quinze de pontificado, nos foi anunciado novo magnum gaudium. Contra todas as previsões, apareceu-me como Papa João Paulo I, Albino Luciani, patriarca de Veneza (como João XXIII) aos 65 anos. Nunca me esquecerei da alegria - infantil ou angélica - com que surgiu à varanda e com que deu a primeira bênção. Foi o primeiro Papa a usar dois nomes, em dupla homenagem aos seus mais imediatos antecessores. À época escrevia crónicas no Diário de Notícias. E o meu texto sobre a eleição de João Paulo I foi tão delirante que Mário Mesquita (à época diretor do jornal) se espantou com a minha inabalável fé (fé de um ex-católico) no Espírito Santo, que escolhera para Papa o papa do Pinocchio. Depois fui até aos Japões e pensei mais em budistas, à Sylvia Sidney, do que em papas. Já no regresso, no aeroporto de Nova Deli, vindo do Taj-Mahal, folheei um jornal. Numa página interior, em corpo pequeno, falava-se da morte do Papa. "Meu Deus" - pensei eu - "como este jornal é antigo, o Papa já morreu há quase dois meses." Quando li a notícia, percebi. Quem morrera a 28 de setembro, depois de um pontificado de 34 dias, fora esse mesmo João Paulo I, de que eu esperava nem sei bem o quê, mas sei quanto. Nunca acreditei na tese absurda do assassinato. Mas acredito que Deus, às vezes, atravessa muito depressa a vida dos homens. (continua)
por João Bénard da Costa 13 de maio de 2005 in Público
Se se aceita que a natureza é amoral, isso significa que a ciência humana também o pode ser? Há quem defenda que a ciência perdeu o sopro inspirador do humanismo, que é uma soma de técnicas, que se afasta crescentemente dos seus genuínos fins humanos. Já foi essencialmente progresso. Hoje é progresso e é retrocesso.
Fala-se na ferocidade atual no processo científico, que levou à guerra nuclear, aos problemas de ambiente, a que se junta a perplexidade de alguns progressos da genética, da bioquímica e da inteligência artificial, em que a responsabilidade do cientista é só para com a verdade científica, não a verdade moral, ética ou social.
Diz-se que neste momento há investigadores honestos e bons pais de família a trabalhar em laboratórios (muitos deles secretos) à descoberta de meios mais maléficos de matar, agindo conscientemente, não com ingenuidade, rumo a uma destruição mortal.
Assim, hoje, os homens de ciência são tidos, para muitos, como meros especialistas que perderam o saber moral, ético e humanista portador do prestígio incomum dos eleitos, isolando-se cada vez mais na torre esotérica da sua sabedoria rarificada, indiferentes à sorte dos demais seres humanos tornando-se, por vezes, imorais.
Sempre foi difícil para o ser humano conceber um mundo sem uma natureza moral, moralizadora e ética, com uma natureza amoral e zangada (ou um Deus irado) que se manifesta através de terramotos, tsunamis e tempestades (ou castigos divinos) mas que, por arrastamento, aceita a guerra, quando necessário, sem arrependimento, reflexão e qualquer peso moral e ético, em paralelo com cientistas, poderosos e políticos fabricantes do terror absoluto.
Ou será que a salvação está nos homens simples e sem Poder, em antagonismo com os homens pequenos que governam o mundo? Ou é uma esperança vã, dado que todos os humanos têm a mesma natureza e condição?
Expurgando liminarmente fábulas e mitos, persistem desafios e mistérios por desvendar, que nos remetem para a nossa natural e singela pequenez, dado não sermos a medida de tudo e de todas as coisas.
As pandemias sempre deixaram as pessoas muito assustadas, e entre a porta da vida e a porta da morte, nada como tornar as pessoas propensas a abraçar soluções mágicas
Ainda que seja estranho pensar que o bem sairá do mal e que nós como espécie ressurgiríamos bondosos e rendidos a novas promessas por efeito da pandemia, a verdade é que os líderes autoritários e cínicos deste mundo, não desaproveitaram tempo e politizaram o vírus e ridicularizaram a ciência e desprezaram os feridos e não enterraram os mortos.
Foi um tempo certeiro para colocar as solidatriedades em xeque e deixar tudo ficar sob ameaça, inclusive as instituições mais credíveis para nossa derrapagem descontrolada e para seu controlo a cadeado.
Muitas foram também as divisões que provocaram em inúmeros pontos do mundo as quais agora são usadas a favor deles. Não será exagero afirmar que criaram abismos e ódios para que as pessoas se desentendessem e desprezassem.
Eis uma das grandes vitórias das teorias da conspiração.
Enfim, reparar os danos que estas pessoas provocaram e continuadamente provocam não será nada fácil.
Recuperar sem medo a nossa antiga vida social tem-se mostrado difícil depois da pandemia, o que os beneficia, diga-se, já que nós, mais isolados, teremos menor debate de ideias, menos informação e seremos mais frágeis.
Contudo, o processo destes líderes vai-se tornando óbvio: utilizam as próprias instituições democráticas para as destruírem de dentro para fora progressivamente.
Assim, quando ascendem ao poder tentam bloquear todos os acordos e todas as relações multilaterais. Trata-se de um processo, como de forma precisa bem definiu Stefanie Walter, é um processo de “desintegração baseado nas massas” e é assim referido porque normalmente se sustenta num forte apoio interno que aplaude o líder político como divindade.
Outra das suas máximas, é que o Estado não tem de se ocupar de nada.
Para estes líderes, a desigualdade é absolutamente natural pois defendem o darwinismo social, ou seja, acreditam na premissa de que existem sociedades superiores, e as que intelectualmente e fisicamente sobressaírem, devem ser as que governam, enquanto as sociedades menos aptas não devem ter função pois não acompanham as linhas evolutivas da sociedade segundo as suas posturas algorítmicas.
Recorde-se que um destes autoritários políticos chamou aos direitos humanos o “esterco da preguiça”.
O sentido de palavras como estas que se referiam aos direitos humanos, atenta ao perigoso surto pandémico e ao aumento inesperado de infetados desta medonha doença que circula hoje no mundo, e cuja vacina única reside na cultura e na educação, realidades que a melhor mente não fabrica em laboratório, nem a melhor técnica quântica expande.
Todavia, entre a porta da vida e a porta da morte, e face ao rugido do mundo, saberemos como se pode encontrar caminho para que a vida imaginada possa crescer.