CENTENÁRIO DE CHARLES DICKENS
«Charles Dickens (1812-1870) é para muitos o símbolo da literatura. Tantos de nós começámos por ele, mesmo que não tenha sido o primeiro autor que lemos. Foi, porém, certamente, o primeiro escritor que não nos pôde deixar indiferentes. Deste modo, foi com Dickens que nos confrontámos com a narrativa como relato da vida, difícil e incerta. Nenhum de nós deixou de se identificar com Oliver Twist perante a provação e as injustiças. Com ele pedimos mais, roídos pela fome. E não é possível esquecer David Copperfield, Mr. Scrooge, Nicholas Nickleby ou Pickwick . Nesses exemplos temos um retrato rigoroso da sociedade industrial que dava os primeiros passos. Muitas vezes com traços autobiográficos, sempre beneficiando de uma leitura atenta da realidade urbana que avançava, substituindo a sociedade rural, a obra de Dickens é dramática e irónica, trágica e crítica, triste e bem humorada, como a vida. Estamos diante de um caso singularíssimo, em que a popularidade do escritor sobreviveu à sua morte. Por um lado, contribuiu decisivamente para alterar o estado de coisas do seu tempo no sentido de uma justiça reformista – designadamente perante a terrível lei dos pobres -; por outro lado, pôde transmitir-nos um retrato fiel do género humano, para além das circunstâncias e num contexto de «tempos difíceis». O realizador João Botelho salientou, e bem, que a obra do escritor é muito atual, uma vez que o egoísmo, a avidez do capital financeiro, a tentação imediatista agravaram-se nos tempos de hoje. Neste ano do duplo centenário, importa não só reler Dickens, mas também aprofundar a relação entre a literatura e a construção da justiça. Como se vê bem com David Copperfield, o autor não é neutro, por isso quis contribuir ativamente para que o leitor não ficasse indiferente. Eis por que razão estamos a celebrar a literatura, a cultura, a arte, a verdade e a justiça!».
Guilherme d'Oliveira Martins