LONDON LETTERS
The strange return of Richard the Third, 1452-85
Mrs Agatha Christie grafa algures que o melhor marido para qualquer senhora é um arqueólogo: quanto mais velho, melhor! Pois desde as aventuras de Indiana Jones que a estimada arqueologia não gerava algo tão estimulante quanto a descoberta ora anunciada pela University of Leicester. Peritos das East Midlands confirmam que o esqueleto descoberto numa escavação local em 2012 pertence ao King Richard the III. ‒ Ah! Le roi de la Guerre des Roses. Se uma deformada espinha logo suscita a hipótese de ser o filho de Richard Plantagenet, anotada que está tal característica física em crónica régia medieval pela idónea pena de Sir Thomas More, a autenticação das ossadas chega por via de modernices forenses ao estilo CSI como sejam testes de DNA cotejado com o código genético dos descendentes. – Well, that was the ruler who lost the country because of a horse! O achado contém singular ressonância política. O último monarca da House of York, que governa entre 1483 e 85, morrendo no campo de batalha com apenas 32 anos de idade, é uma viva expressão da impunidade que ciclicamente tenta os poderosos.
A tirania tem o rosto de Richard the III em terras de Her Majesty. O duke of Gloucester chega ao trono sob as sombras da usurpação e do assassínio do sobrinho Edward IV, com William Shakespeare a gravar tal malvado retrato na literatura (1592-3), William Blake na pintura (1806) ou Laurence Olivier (1955) no cinema. Nenhum historiador até agora afastou a negra leitura da sua ação política, que avança até à derrota na Battle on Bosworth Field, em 1485, face às hostes de Henry Tudor. Quem tudo fizera para obter o cetro, perde-o célere quando contra si simultaneamente se erguem aristocratas e comuns unidos pela House of Lancaster.
Demolidora é a efígie que deste rei cinzela o bardo de Stratford-upon-Avon, há cinco séculos levada à cena. A tragédia de Master Shakespeare foca um sedoso personagem, distorcido por fora e por dentro, em busca do controlo de si e da dominação dos outros. O seu malabarismo verbal não denota grande saber. Tudo nele é movido por avidez do poder, desde o ceticismo dos precavidos no pretendente ao trono até ao naturalismo das feras no monarca. Já as manobras da conquista palaciana são tamanhas, que lhe assombram o sono e assustam a audiência: “Basta de público. Cortai-lhes as cabeças.” Off with his head! é a vociferação avulsa no script. Numa peça talvez exageradamente longa para exemplo da hipocrisia no paço, o diálogo abre com singela apresentação ‒ Richard é um self made villain, um empreendedor político sob o imperativo da necessidade.
A denúncia da opressão é matéria delicada, tal qual a moralidade política ensaiada por protagonistas maiores e menores nos palcos de todos os tempos. Neste capítulo, todavia, mais que o estranho esqueleto em Leicestershire, por aqui perdura ainda a lição de William Pitt The Elder na advertência para as consequências do Stamp Act em vésperas do Boston Tea e ulterior guerra da independência norte-americana. Westminster sabe da violação a princípio vital da Magna Charta, mas alheia-se da olímpica indiferença de George III. Ora, falando na House of Commons, em 1783, o Earl of Chatham aponta a inconstitucionalidade de lançar tributo sobre quem não tem representação parlamentar (logo: não dá consentimento) com decisiva tese quanto ao argumento da inevitabilidade que escolta o paradoxo do despotismo: – Necessity is the plea for every infringement of human freedom. It is the argument of tyrants; it is the creed of slaves.
St James, 5th February
Very sincerely yours,
V.