2º crónica de Alberto Vaz da Silva na "Grécia de Sophia"
NUVENS DE DELFOS
Na rota de Delfos detemo-nos no mosteiro de Hoikos Loukas. No século X o santo estabeleceu aqui a sua comunidade monástica e foi uma fonte de milagres que jorravam abundantes. E a arte estava tanto nas curas milagrosas como nos frescos, mosaicos e ícones bizantinos.
Vieram depois a invasão otomana e as bombas da segunda guerra mundial. A dessacralização assume hoje um ar de certo abandono embora a Unesco o tenha classificado em 1990, o culto se mantenha em reduzida escala e as pinturas representando a Ressurreição e a Ascensão de Cristo resplandeçam sempre. À saída alguns acendem finas velas de cera que se misturam com as demais. De cada uma se eleva uma centelha que tece a trama do tempo e consolida os séculos.
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Chegamos a Delfos no princípio da tarde com o ar envolto em tempestade; a terra rescende velhos fumos.
Descemos até ao tholos do Templo de Atena Pronaia. A estrutura circular evoca a serpente enrolada sobre a qual se erguem brancas colunas; é esse também o sentido da subida iniciática até ao Templo de Apolo pela senda dos tesouros.
O deus venceu o phyton na falha daquela rocha que é o umbigo do mundo, “omphalos”, onde ficou a correr a água perene.
Detemo-nos perto do teatro para ler poemas de Sophia e José Pedro Serra convocar a luz solar e as trevas ctónicas de Delfos.
Tudo oiço estendido no chão a olhar o céu; num ápice entrevejo Tolstoi, “A Guerra e a Paz”. As nuvens brancas sobre as nossas cabeças são o novo oráculo – calou-se a voz da pitonisa mas Apolo aproxima essas nuvens semeadas de azul, como um Rorschach divino.
Muitas batalhas se perfilam no horizonte; o estádio está vazio de atletas, Delfos oprime e rejubila. Ouve-se invisível a “Ode à Alegria” de Schiller: “Correi irmãos, a vossa corrida, como um herói para a vitória”.
No museu arqueológico Sophia procurava antes do mais as figurinhas micénicas, a estátua de Antinoos, os maravilhosos cavalos nas métopes dos tesouros, os kouroi, e acima de tudo o Auriga, vitorioso, severo e possante nas pregas do seu bronze.
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A noite tudo apaga mas pressentem-se o imenso mar de oliveiras e os montes que enquadram a procissão das estrelas: do Leão que mergulha a oeste ao Escorpião que se levanta a leste; Saturno, Spica e Arcturus no meio do céu pontuam.
“Mas tanto como a natureza – e ligada à natureza – espantou-me a incrível religiosidade de tudo.” Sophia