3ª CRÓNICA DE ALBERTO VAZ DA SILVA NA "GRÉCIA DE SOPHIA"
OS DEUSES OLÍMPICOS
Abandonamos Delfos. Sophia fê-lo com um poema:
“Aqui a minha fala se quebra como quem
Viu em sua frente um deus visível
E vai sem imaginação, perdidas as palavras,
No real indicível.”
Atravessamos a bela ponte suspensa em Patras para entrar no Peloponeso. Ao longo do percurso desfila constante esse “misto de doçura e de austeridade, de afinamento exacto e de rudeza, e uma identidade entre o físico e o metafísico” que Sophia confidenciou a Jorge de Sena. As enormes e constantes montanhas povoam tudo de solenidade. Cheira a resina e a mel e há uma embriaguez austera e lúcida”.
Aridez da terra incultivada, por vezes ardida, ou rocha apenas, que contrasta com “o halo azul nas montanhas e nas ilhas, já um fenómeno conhecido na antiguidade.”
Em Olímpia começamos pelo Altis, grande parque onde eclodiram os jogos. Palestra de proporções perfeitas bordejada de olaias que na primavera incitam com as suas flores; o Templo de Zeus Olímpico de espessas colunas dóricas onde tentamos imaginar a estátua criselefantina que mais adiante o museu também proporá. Finalmente o longo estádio em terra batida onde se soltavam atletas. Regressamos pelo Templo de Hera onde foi encontrado o Hermes de Praxíteles enterrado pelos romanos, ou por um aluvião, ou por um tremor de terra ou pelos turcos, aluvião permanente. Ali se acende também a chama olímpica que nos nossos dias percorre mundo.
Assinala o guia a vizinhança do Alfeus e do Pneus, rios que Hércules teria desviado num dos seus doze trabalhos para limpar os purulentos estábulos do rei Augeias.
Somos há muito acompanhados por uma cadela de língua de fora que se deita à sombra enquanto ouvimos comentar o tholos onde se erguera uma estátua de Filipe da Macedónia. Partilharíamos com ela um gole fresco.
No museu estão representados os doze trabalhos de Hércules, fragmentos do Templo de Zeus. Mas as grandes atracções são o Hermes que rebrilha carnalmente no mármore polido da sua imensa juventude e os dois monumentais pedimentos do Templo de Zeus Olímpico. Num deles a figura central é ele mesmo, acéfalo; no outro Apolo. Os deuses parecem não ter idade nem envelhecer; o corpo de Zeus é tão liso como o de Apolo. Mas a falta de cabeça deixa pairar o mistério.
À saída a cadela olímpica, também sem idade, segue nova geração de visitantes.