6ª CRÓNICA DE ALBERTO VAZ DA SILVA NA "GRÉCIA DE SOPHIA"
ENCONTRO COM O MINOTAURO
Depois de um atraso de rota devido a alterações de ventos, enfim Creta à vista.
Em Iraklion sabemos que afloramos um dos lugares ctónicos da procura do homem: da sua identidade, do mistério da morte, da relação com os deuses. O mito aqui entrelaçou as suas teias mais densas: o labirinto e o minotauro, o rei Minos, Dédalo e Ícaro, Teseu, Ariadne, Dionísio. Por entre as brumas do mistério da relação existente entre as civilizações micénica e minóica, as tabuinhas contendo as escritas Linear A e Linear B e a civilização cretense “lato sensu”.
Perplexos nos aproximamos pois, do “Palácio do Rei Minos”, várias vezes destruído e reconstruído ao longo dos tempos, entre o período neolítico e o séc. V da nossa era. Tremores de terra e conflagrações várias contribuíram para que tudo se confundisse quando se tentava aclarar, se aclararasse quando se voltava a confundir.
Sir Arthur Evans afirmou-se o grande reconstrutor de tão imersas ruínas, propondo versões certamente contestadas, em que pressentimos não obstante o pano de fundo de ainda mil hipóteses e especulações vindouras.
Desde o trono de alabastro que teria pertencido ao Rei Minos, às colunas reconstruídas e pintadas cor de sangue taurino, até aos surpreendentes frescos em que se inspirou a nossa arte “pop”, e que evocam o céu, a terra e o mar nos seus polvos e golfinhos, nos seus bois, nas suas ânforas, nas suas estrelas e azuis.
No momento presente é a busca da língua transcrita nas escritas Linear A e B que ocupa os melhores investigadores. Michael Ventris provou genialmente que a Linear B transcreve grego arcaico e deixou pistas conducentes a conclusão idêntica quanto à Linear A, embora quanto a esta a prova não esteja confirmada.
Tudo o que à escrita toca vai ao fundo do fundo das questões, e o cabal esclarecimento das tabuinhas encontradas em abundância nas escavações de Iraklion e do mundo micénico pode levar a conclusões imprevistas e surpreendentes quanto ao nó central de tantos fios ainda dispersos.
Embora o museu arqueológico em Iraklion estivesse parcialmente encerrado, pudémos percorrer uma extensa amostra da sua riquíssima colecção, que inclui jóias, frescos, ânforas, o célebre discos de Phaistos, o “anel do rei Minos”, a figuração dos atletas fazendo o pino no dorso de um touro ou dos malabaristas precipitando-se em saltos mortais. Numerosos achados provenientes dos túmulos que rodeiam a área das escavações completam a extraordinária colecção.
À saída, ouvi um dos viajantes comentar que o Minotauro e o Labirinto eram “aquilo”, as próprias escavações e reconstruções de Evans; que o Minotauro ali continua presente e iminente, como aliás Sophia preveniu:
“Assim o Minotauro longo tempo latente
De repente salta sobre a nossa vida
Com veemência vital de monstro insaciado”.
Neste périplo das ilhas gregas cada experiência imprimiu carácter. Houve longos percursos, o Egeu transformou por vezes o seu azul luminoso em vinoso ameaçador e o nosso belo e seguro veleiro – iate de turismo baloiça neste momento como uma casca de noz.
Vou ali já venho.