7ª Crónica de Alberto Vaz da Silva na Grécia de Sophia
O BÚZIO DE CÓS
Está uma manhã quente, mas Cós eleva-se verdejante e fértil.
Começamos a pé pela Ágora antiga onde abundam vestígios e ruínas, entre as quais a do Templo de Hércules, de quem Hipócrates descenderia pelo lado materno. O "fundador da medicina moderna" aqui nasceu em 460 a.C. e teria plantado o milagroso gigantesco plátano que nos dá uma sombra benfazeja enquanto o evocamos. Além de ter pela primeira vez, que se saiba, classificado doenças e os quatro temperamentos psicossomáticos relacionados com os elementos da natureza, proferiu o juramento que ficou célebre.
Depois de prestar homenagem ao seu Mestre, comprometeu-se a tudo fazer que pudesse beneficiar os doentes, abstendo-se de todo o mal e injustiça. Jurou jamais ministrar venenos ou a uma mulher substâncias abortivas e protestou passar a vida e exercer a sua arte na inocência e na pureza. Baniu intenções de qualquer malefício voluntário e corruptor, sedução de mulheres ou rapazes, escravos ou livres. Prometeu nortear-se pelo segredo profissional e a discrição; nutriu a esperança de assim poder gozar a vida e o exercício da sua profissão honrado para sempre entre os homens. Mas em caso de perjúrio, que o destino lhe fosse adverso para sempre.
Esta alegria, justiça e pureza crescentes ameaçadas pela fatalidade estão no símbolo da serpente, eterna esperança de cura. De regresso ao barco vimos como da constelação da Lira, ligada a Apolo, derivam as do Hércules e do Ophiucus, esta atravessada pela infindável Serpente que nasce perto da Coroa Boreal, louro celeste dos heróis míticos. O profundo sentido da vida paira sobre as nossas cabeças dito pelas estrelas brilhantes, nas incessantes trocas entre céu e terra, em baixo como em cima.
Foi na "mediterrânica noite azul e preta" de Cós que Sophia comprou "numa venda junto ao cais / Rente aos mastros baloiçantes dos navios" o búzio que deu o título a um dos seus livros, e consigo "trouxe o ressoar dos temporais".
No mercado vimos incontáveis búzios de múltiplas cores e espécies, conchas, esponjas e estrelas-do-mar. Mas o búzio trazido por Sophia naquela longínqua noite como a de hoje sem lua que para sempre a ligou, e nos ligou, a Cós, não ecoava afinal "o marulho de Cós nem o de Egina / Mas sim o cântico da longa vasta praia/ Atlântica e sagrada/ Onde para sempre minha alma foi criada".
Estamos nós também na esteira do regresso.