9ª Crónica de Alberto Vaz da Silva na Grécia de Sophia
O POVO DAS ESTÁTUAS
Idealizado pelo arquitecto suisso Bernard Tschumi, o novo museu da Acrópole, inaugurado em 2009, é uma estrutura de vidro, aço e betão concebido com tal rigor matemático que a luz grega, na sua exactidão e nas suas transparências, volta a irradiar o mundo.
Desde a entrada, em frente da larga escadaria, e cada vez que uma nova perspectiva se depara, pensamos na Electra de Sófocles: "Ó pura luz, e tu planície do ar criada à medida exacta da terra".
No espaço das antiguidades arcaicas os corpos das estátuas, libertos das habituais peias dos museus e como que imobilizados no seu sorriso por um estranho sortilégio, parecem respirar uma felicidade humana.
No espaço imenso dedicado ao Parthenon os frontões as métopes e os frisos - originais, vestígios ou reconstituições, mármores ou gessos, emanam a sua luz própria, sem que de nós se apodere nenhuma noção de perca, antes surja uma nova exaltação graças à mestria com que foram diferenciados materiais e colmatadas lacunas.
A sucessão de cavalos e cavaleiros, de joelhos proeminentes prodígios de escultura, muitos atribuídos a Fídias; a sequência dos efebos portadores de hídrias destinadas ao sacrifício em honra de Atena, contrastam, no seu ímpeto e no seu fogo, com algumas métopes de grandes hiatos, pontos de interrogação numa escrita que desafia os tempos.
Olhado de cima, a partir do Parthenon, o novo Museu, na sua bela e discreta proporção, parece uma lanterna mágica pronta a iniciar o seu espectáculo onírico.
Não creio que se deva perpetuar o esforço da Grécia para rehaver as métopes que Lord Elgin levou para Londres e figuram no British Museum. É verdade que atitude semelhante levou à repatriação de preciosas jóias desaparecidas dos túmulos micénicos de Aidonia, importante património da idade do Bronze muito esclarecedor sobre as relações existentes entre centros micénicos e Creta e que em 1993 apareceu à venda por preços ditirâmbicos numa galeria de arte em New York. Mas os ingleses também fizeram prodígios na conservação das maravilhas à sua guarda, reinstaladas quando a nova cúpula de vidro de Norman Foster encabeçou uma profunda renovação no British Museum a as esculturas do Parthenon aí passaram a desfilar e respirar connosco corpo a corpo na sua insuperável beleza. É o espírito da Grécia que se expande e aquece com a luz do Egeu latitudes mais sombrias.
Quando em 1990 viajámos à Sicília, uma noite numa praça em Palermo, Sophia contemplava uma fonte de muitas estátuas profusamente iluminadas. As estátuas enchiam e transbordavam a fonte, quase enchiam a praça. Disse-me num sorriso: "O povo das estátuas! "Nunca esqueci e com ela, com esse sorriso e com esse espírito, percorri o novo Museu.
À saída reparei que engrossara substancialmente a multidão de visitantes, na sua maioria jovens. Ao poder dispersar-se entre a grande escultura que marcou a nossa civilização, ao senti-la reviver, conviver com ela, sentir-lhe a divina humanidade, esta nova geração a outros títulos tão conturbada poderá encontrar um novo Sol, alegria, um novo alento.
De novo me ocorreu Sophia, agora por escrito: "A Grécia permanece porque é actual: porque está na pedra, na luz, na noite, no bosque, no liso do mar, na curva da vaga. É nesse sentido que Byron diz que o sol é grego."
Respiro fundo, a caminho do aeroporto. "Heureux qui, comme Ulysse, a fait un beau voyage".