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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Mário de Sá Carneiro, constantemente poeta acede ao sono. A alma quer dormir para que se erga a lua no seu céu.

 

Poeta, contista, e ficcionista foi Mário de Sá Carneiro um membro inesquecível da Geração d’Orpheu. O nome desta Geração chega-nos da revista literária Orpheu, entre nós publicada em 1915. A Geração que referimos foi a responsável pelo Modernismo nas artes e letras portuguesas e, seguindo as vanguardas europeias dos inícios do sec. XX, os colaboradores desta revista foram caracterizados como sendo aqueles que dariam uma bofetada no gosto público; assim Almada Negreiros na senda de Maiakovsky o referiu.

 

Orpheu era um mítico músico grego que, para trazer a sua mulher de volta ao mundo, nunca poderia ele olhar para trás na caminhada que para esse fim iniciaria. Ora, esse não olhar para trás, esse quase esquecimento do passado, restando só quase o olhar para diante, o olhar o futuro nos olhos, contribuiu para que a Geração de Orpheu fosse responsável pela divulgação de excelentes artistas que muito queriam escandalizar as convenções sociais e colocá-las em causa.

 

Mário de Sá Carneiro aos quinze já traduzia Victor Hugo e um pouco mais tarde Goeth e Schiller. Em 1912 conhece o seu maior amigo – Fernando Pessoa.

 

Também Santa-Rita Pintor é-lhe apresentado em Paris convivendo ambos por pouco tempo face à prematura morte de Santa-Rita. Mas de mútuas influências se surpreenderam.

 

 

Contudo, a insatisfação aguda de Mário de Sá Carneiro adensa-se numa saudade transmigradora, e, para ele, é exactamente por ela que a vida significa e a palavra poética surge. O escritor conhecia também os recantos do amor que anunciava secretas emergências

 

(…) Queria-te nua e friorenta,
Aconchegando-te em zibelinas -
Sonolenta,
Ruiva de éteres e morfinas...

 

Mas o tormento que sente nos limites do seu Eu, incerto se um Outro nele viveria, explicita-se igualmente como uma orgia oculta de vacilação culposa. Carnavais e cores atraem o poeta como a luz atrai a borboleta nocturna – o fim, num luxo desmedido de poder optar, e escreve

 

Fim

 

Quando eu morrer batam em latas,

Rompam aos saltos e aos pinotes,

Façam estalar no ar chicotes,

Chamem palhaços e acrobatas!

 

Que o meu caixão vá sobre um burro

Ajaezado à andaluza...

A um morto nada se recusa,

Eu quero por força ir de burro.

 

Lancinante e homem quase perdido no seu próprio labirinto escreve em Março de 1916 a Pessoa

 

Meu querido Amigo.

A menos de um milagre na próxima segunda-feira, 3 (ou mesmo na véspera), o seu Mário de Sá-Carneiro tomará uma forte dose de estricnina e desaparecerá deste mundo. É assim tal e qual – mas custa-me tanto a escrever esta carta pelo ridículo que sempre encontrei nas «cartas de despedida»... Não vale a pena lastimar-me, meu querido Fernando: afinal tenho o que quero: o que tanto sempre quis – e eu, em verdade, já não fazia nada por aqui... Já dera o que tinha a dar. Eu não me mato por coisa nenhuma: eu mato-me porque me coloquei pelas circunstâncias – ou melhor: fui colocado por elas, numa áurea temeridade – numa situação para a qual, a meus olhos, não há outra saída. Antes assim. É a única maneira de fazer o que devo fazer. Vivo há quinze dias uma vida como sempre sonhei: tive tudo durante eles: realizada a parte

sexual, enfim, da minha obra – vivido o histerismo do seu ópio, as luas zebradas, os mosqueiros roxos da sua Ilusão. Podia ser feliz mais tempo, tudo me corre, psicologicamente, às mil maravilhas, mas não tenho dinheiro. [...]

 

Reconhecendo-o profundamente, Fernando Pessoa apelidou-o de «génio não só da arte como da inovação dela».

 

A morte de Mário Sá-Carneiro harmoniza enfim, as contradições da vida e do viver, e é lúcida da necessidade de com ele levar uma realidade que, só ele, ao certo, conhece.

 

Expoente da nossa literatura moderna e de influências literária de Allan Poe, Mallarmé, a Cesário Verde, Mário recorda os brinquedos e as confidências de infância de jeito lúdico, como criança frente ao mundo

 

Ó meu Paris, meu menino,

Meu inefável brinquedo…

- Paris do lindo segredo

Ausente no meu destino


Diria que para Mário de Sá Carneiro o vivido ou o ainda a viver são sempre lances num jogo de nevoeiros, quando só a lanterna mágica, portadora do mistério, expõe a palavra poética. E assim se acastelam sentires e descobrires, ambos ogivas que afinal afagam os dias.

E este poeta sabe-o como poucos.

 

Teresa Vieira

Ainda Setembro 2013

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