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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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GRÃO QUE APODRECE OU FRUTIFICA...

 

 

Minha Princesa de mim:

 

S.Domingos de Gusmão gostava de repetir esta sua espantosa (assim a adjectivou Bernanos: "étonnante"!) máxima: "o grão apodrece quando se acumula e frutifica quando se semeia". Justificava assim o fomento da dispersão dos seus frades pregadores por toda a parte, caminhantes anunciadores do evangelho, moradores no meio dos homens,em pequenas comunidades. Divergindo da tradição dos grandes mosteiros, que exigiam posse de terras e dever de residência,os dominicanos  -  tal como os seus contemporâneos franciscanos, discípulos do poeta de Assis  - deveriam viver em aliança com a Santíssima Pobreza...  Na própria regra da Ordem dos Pregadores, Domingos incluiu até a proibição de se deslocarem a cavalo ou de se embaraçarem com dinheiro. A pobreza é mãe da liberdade,  e só em liberdade ganham sentido a oração e o estudo. Oração e estudo que são educação e exercício da inteligência para o diálogo com Deus e os outros. Duas faces da mesma cara. Indissociáveis. Ao cumprimento do dever do estudo  -  que é também contemplação  -  até a própria oração deverá sacrificar pietismos barrocos e barroquismos litúrgicos. A simplicidade é a dieta do espírito. O "Saint Dominique" de Georges Bernanos, ainda que seguindo a biografia antes escrita pelo padre Petitot, terá talvez mais Bernanos do que história. Na narrativa das últimas horas e palavras do Santo, deitado no chão, em cima de um saco, rodeado de confrades que o escutam, Bernanos sentir-se-ia, ele mesmo, também no meio das suas próprias personagens romanescas (de Mouchette e Donissan, Chantal e o "curé de campagne"), que invoca no prefácio ao seu "Les Grands Cimetières sous la lune", escrito, em Janeiro de 1937, em Palma de Maiorca: "Companheiros desconhecidos, velhos irmãos, chegaremos juntos, certo dia, às portas do reino de Deus. Tropa estafada, tropa assediada, branca da poeira dos nossos caminhos, queridos rostos duros cujo suor eu não consegui enxugar, olhares que viram o bem e o mal, e cumpriram a sua tarefa, assumiram a vida e a morte, ó olhares que nunca se renderam! Assim vos encontrarei, velhos irmãos. Tais como vos sonhou a minha infância". E mais adiante: "É certo que a minha vida está já cheia de mortos. Mas o mais morto dos mortos é o rapazito que fui. E todavia, quando chegar a hora, será ele que retomará o seu lugar à cabeça da minha vida, reunirá até ao último os meus pobres anos e, qual jovem chefe, os seus veteranos, congregando a tropa em desordem, sendo o primeiro a entrar na Casa do Pai..." ... "é minha profunda certeza que a parte do mundo ainda susceptível de resgate pertence só às crianças, aos herois e aos mártires." Eis agora o seu S.Domingos moribundo: "Eis o homem que alguns furiosos quererão tornar num carrasco, e os menos fanáticos numa espécie de ministro da polícia das almas. Se nesta hora ele puder vê-los, com esse olhar que já mergulha no futuro, o monge negro e branco poderá levantar sobre eles a sua grande mão mansa e dissipá-los como fumo! Ele, diante de quem tudo se abre, não compreende o ódio deles, precisamente porque esse ódio é nada. Contra ele invocam a ciência que ele amou mais carinhosamente do que qualquer deles. Ou a luz que ele sente transbordar dele. O seu único escrúpulo, se houvesse lugar para escrúpulos em tão clara alma, teria sido ter amado demais ,e demais servido a primeira renascença intelectual, até parecer sacrificar ao estudo mesmo esse ofício coral que esses monges recitarão doravante com uma rapidez alegre, tão diferente da tradição beneditina. O século assustava-se por uma fonte de luz perdida, agora de repente descoberta sob as ruínas do mundo antigo, e ele, de acordo com dois admiráveis papas, reendireitou o seu século, manteve-o fremente no feixe de luz que o seu filho Tomás (S.Tomás de Aquino) voltará decididamente para a Cruz".  "Os frades estão reunidos para recolher, se possível, algo da palavra que vai enfraquecendo. Domingos faz um gesto com a mão, eles aproximam-se. Por um humilde gesto do santo, percebem que tem qualquer confissão pública para fazer; e que muito pesa no seu coração. Aquele que, em sonhos,apareceu ao papa Inocente III, carregando aos ombros a Igreja de Latrão, conselheiro de pontífices, conselheiro de príncipes, árbitro de tantos destinos, mestre e legislador de tantas consciências, irá agora descobrir,neste solene instante,com espanto,o carácter abstracto,quase terrível da sua vocação doutrinal? Que escrúpulo o atormenta? Levanta sobre os frades os seus olhos azuis, de olhar intacto. "Acuso-me, diz o Mestre dos Pregadores, de ter sempre preferido, à das pessoas velhas, a conversação das mulheres jovens". Muito mais tarde, nos seus "Diálogos" Santa Catarina de Siena relata que Jesus lhe disse, de S.Domingos: "Assim é a sua religião toda largueza, toda alegre, toda perfumada; é um jardim de delícias..."
 
Camilo Martins de Oliveira 

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