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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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200 ANOS DE UMA PEÇA DE CASTILHO

 

Nesta alternância evocativa de autores atuais e de autores clássicos, sobretudo quando a cronologia justifica a referência, referimos hoje os 200 anos exatos da criação de uma peça de António Feliciano de Castilho, a “tragédia original em verso solto” designada “Canace”, e que como tal merece evocação. Pois, tendo presente a relevância oitocentista do autor, há que cruzá-la com a importância que o teatro assume na época, trazendo à cena peças que hoje estão esquecidas, de autores que como tal já não são lembrados. Aqui o temos feito.


E precisamente: quem hoje se lembra do teatro de Castilho? E no entanto, esta peça, “tragédia original de verso solto” como a refere o autor, constitui mais uma contribuição clássica para a dramaturgia da época, e para a participação nessa conciliação do estilo clássico com a “modernidade” do teatro não-romântico então também produzido. E não nos pese estas evocações, pois a História do Teatro Português, obra e livro citável, merece…


E aqui retomamos este tipo de evocação. Pois efetivamente, esta “tragédia original em verso solto” é dedicada á Academia Real das Ciências de Lisboa: as muito mais do que isso, como já escrevemos a propósito, constitui um texto perramente árcade, no qual se refere designadamente a escassez do nosso teatro, que viria aliás a ser ultrapassada… mas não especificamente nesta peça e neste autor! E no entanto, Castilho-dramaturgo até merece alguma referência.


Cito desde logo o próprio autor, num sentido de “modernidade” que em rigor nada tem a ver com a sua obra geral… António Feliciano de Castilho merecerá mais citações a propósito da sua inesperada “modernidade”… E então o que nos diz é que nesta peça procurou “reunir o gosto trágico inglês com um francês”. E tem presente q tentativa de “representar grandes paixões capazes de agitar fortemente o coração e de deixar nele um efeito durável, sem no entanto perder jamais de vista a regularidade do andamento da tragédia francesa, a sua polidez de decência, a variedade e conveniência dos carateres e em geral o seu estilo poético”.


E o que me parece então interessante é a conciliação do romantismo implícito com o estilo árcade especificamente evocado e que em si meso constituirá o mérito da obra geral de Castilho, mesmo no teatro… Pois vejamos, nesse sentido, as transcrições que já noutra ocasião fizemos, assinalando especificamente a conciliação do clássico com o romântico, sendo este menos aplicado no obra geral do autor!...


Pois já tivemos ensejo de referir essa conciliação. Assim, de um lado, o bucolismo de raiz árcade:


“Se tu chegares/ inda algum dia, ó Cyntia a ver os campos/ onde passei a infância, onde em pequena/ simples cabana, à borda de um regato, / de árvores assombrada, inteiras noites/ com minha mãe passava conversando (…)
Ou “subitamente, um vento horrível/ com medonho fragor correu no bosque; / surdamente ungiu, tremendo, a terra; / fulgurou na alameda etéreo fogo/ de rápido relâmpago, que o tempo/ aclarou como sol, deixou-nos treva;/ rolou trovão no ar convulso…”


E importa então referir que Castilho escreveu mais peças, efetuou traduções a adaptações e manteve uma ligação mais ou menos constante ao teatro romântico/ultrarromântico da época. Mas assinala-se aqui o centenário da peça acima citada, pois representa uma modernidade da época que hoje está em si mesma ultrapassada, mas não como modelo de teatro então praticado…

 

DUARTE IVO CRUZ