"HISTÓRIA DA GUERRA DO PELOPONESO"
O DOMÍNIO DOS FACTOS QUEM FOI TUCÍDIDES? A GUERRA DO PELOPONESO Guilherme d'Oliveira Martins
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O DOMÍNIO DOS FACTOS QUEM FOI TUCÍDIDES? A GUERRA DO PELOPONESO Guilherme d'Oliveira Martins
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PARA LER DETIDAMENTE UM DIÁLOGO IMPERDÍVEL Guilherme d'Oliveira Martins
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A VIDA DOS LIVROS |
Acaba de ser publicada a edição comemorativa dos vinte cinco anos de “Os Lusíadas” em Banda Desenhada, da autoria de José Ruy (Âncora Editora, 2009). Simultaneamente, foram dadas à estampa as edições da tradução da mesma obra em mirandês (“Ls Lusíadas”) e do livro, também da autoria de José Ruy, “Mirandês – Stória dua Lhéngua e dun Pobo an BZ” (em português e mirandês). Trata-se de iniciativas que merecem uma especial atenção, uma vez que estamos perante o reconhecimento da importância da língua mirandesa, em diálogo com a língua e a cultura portuguesas, causa que tem contado com o trabalho denodado e persistente de Amadeu Ferreira (que o Centro Nacional de Cultura tem acolhido gostosamente, através da publicação dos seus textos) e da Associaçon de Lhéngua Mirandesa.
UM DESENHADOR DE REFERÊNCIA
José Ruy (1930) é um dos mais prolíferos e talentosos desenhadores de banda desenhada em Portugal, tendo colaborado desde muito cedo (com apenas 14 anos de idade) na revista “Papagaio” (de Adolfo Simões Muller, 1909-1989). Formado na Escola António Arroio como desenhador litógrafo, onde foi discípulo de Rodrigues Alves, destacou-se desde os nove anos de idade como um desenhador muito talentoso. Dos cerca de setenta álbuns ilustrados de que é autor, quatro dezenas são de Histórias de Quadradinhos (HQ), tendo-se tornado uma referência, ao lado dos nomes maiores da banda desenhada portuguesa. Na revista “O Mosquito” (criada em 1936) trabalha como gráfico logo na década de quarenta, mas só em 1952, um ano antes do fim da 1ª série, publicará a sua primeira história, “O Reino Proibido”. Nos anos cinquenta, no “Cavaleiro Andante” (1952-1962), ombreia com nomes fundamentais de HQ como Fernando Bento (1910-1996), Eduardo Teixeira Coelho (1919-2005) e o seu colega José Garcês (1928). Aí publica “O Bobo”, “Ubirajara”, “Fernão Mendes Pinto”, “Gutemberg”, “A Mensagem”. Será director da 2ª série de “O Mosquito” (1960-61) e colabora no “Camarada” e “Mundo de Aventuras”. Publica em 1960 o álbum “Infante D. Henrique”, colabora na série “Grandes Portugueses” (1962). Encontramos ainda colaboração sua em “Tintin”, “Spirou”, “Jornal da BD”, “Selecções da BD” etc. Ao longo dos últimos anos realizou um vasto conjunto de trabalhos, com forte pendor pedagógico e didáctico, podendo dizer-se que, ao contrário do que parece resultar de uma apreciação superficial, José Ruy colocou a sua arte ao serviço da divulgação histórica e de uma função educativa, devendo colocar-se muitos dos seus álbuns ao nível do que melhor existe nas HQ. Se é certo que não teve uma carreira internacional (apesar da publicação no exterior de alguns dos seus trabalhos), não é menos verdade que a sua produção merece uma atenção muito especial, considerando o carácter da sua criação e o modo como desenvolveu o seu talento.
“OS LUSÍADAS” COMO EXEMPLO
José Ruy, ao realizar a adaptação de “Os Lusíadas”, colocou as suas qualidades e características ao serviço de um projecto difícil, mas do qual se desempenha com mestria e proficiência, apesar da dificuldade manifesta do projecto. Refira-se que tem sido salientado, com razão, pelos principais estudiosos das HQ que o nosso autor tem uma especial vocação para temas marítimos, o que se encontra patente na série de ficção “Porto Bomvento” (com sete álbuns editados pela Asa) ou na sua obra-prima, “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, publicada, como já se disse, numa primeira versão, no “Cavaleiro Andante” (1957-1959). Lembremo-nos, contudo, do facto de a obra original ter sido publicada com texto explicativo na base de cada quadro, enquanto a versão hoje no mercado em álbum recorrer aos balões. Sente-se, assim, na versão publicada nos anos cinquenta uma ambiguidade entre o ilustrador e o cultor de HQ. A esta luz, a obra hoje em apreço reúne vários elementos, nos quais José Ruy tem provas dadas (desde os motivos aos temas). Em “Os Lusíadas” notam-se algumas das suas principais características, das quais deve referir-se: grande fidelidade aos textos literários; preocupação em fazer os leitores seguirem a narrativa através de sucintas explicações; o uso de uma técnica própria, adequada a um poema épico, não reduzindo as pranchas a uma limitação em espaços fechados e utilizando a capacidade criadora e imaginativa para ligar um relato real às referências da mitologia clássica; o recurso a uma técnica moderna, dotada de uma significativa versatilidade, com um traço ao mesmo tempo seguro e volátil, com uma compreensão exacta do movimento; e, por fim, a preocupação em ligar os diversos registos da narrativa épica em que a memória e a mitologia se misturam e se encontram, permanentemente. Saliente-se que, para auxiliar a leitura, o autor recorre nas aberturas a João Franco Barreto, autor do século XVII, que resumiu em oitavas cada um dos cantos do poema. Por sua vez, o relato de cada canto é antecedido por uma explicitação do argumento. No entanto, nas pranchas, é a própria expressão camoniana expressamente citada, com breves explicações, devidamente assinaladas.
ALGUNS EPISÓDIOS
Para ilustrar o que dizemos (sobre as qualidades e características do autor) daremos três exemplos que nos permitirão fazer realçar as especificidades da criação artística de José Ruy. O primeiro caso é o do Concílio dos Deuses, elemento crucial para a compreensão da trama subjacente ao poema e à história da chegada de Vasco da Gama e dos portugueses à Índia. A introdução do Olimpo no relato conduz a uma alteração de método. Os deuses situam-se fora do curso cronológico dos acontecimentos e o combate entre Vénus e Baco, mediado pelo próprio Júpiter, vai desenrolar-se em termos tais que permite ao leitor ver uma encenação em que o resultado da acção do “deus ex machina” decorre como que atrás de um véu, numa cena que o poeta vai descrevendo e revelando. O segundo exemplo tem a ver com o início do relato de Gama sobre a história pátria. José Ruy procura interpretar os acontecimentos históricos com fidelidade simultânea aos acontecimentos e à construção de uma mitologia imaginária da nação. Estamos diante de um processo de permanente e necessária conciliação entre a referência histórica e o “maravilhoso” que “Os Lusíadas” contêm, na linha da “Odisseia” de Homero e da “Eneida” de Virgílio. Por fim, temos a ilustração do Canto IX do poema de Camões, A Ilha dos Amores. Com grande sobriedade, José Ruy desenha uma ilha quase utópica a que não falta a sensualidade, mas onde a preocupação fundamental é dar um sentido poético à apresentação do tema. Compreendendo bem o sentido e alcance de um episódio como este, José Ruy procura deixar claro aos leitores que o canto IX é o corolário de uma projecção terrena do debate que tem lugar no Concílio dos Deuses. Quem ganha, no fundo, é o Amor através da persistência de Vénus e do apoio que obtém de Júpiter.
A UTILIDADE DA OBRA
À semelhança do que aconteceu na colecção da Sá da Costa, dos clássicos contados às crianças e lembrados ao povo, num registo de narrativa adaptada para a melhor compreensão dos jovens e dos cidadãos em geral (em que a preocupação iconográfica também existe, em termos muito limitados), este “Os Lusíadas” em HQ (ou em BD) tem uma significativa potencialidade pedagógica e didáctica, que não poderemos deixar de referir – compreendendo José Ruy muito bem essa característica. Aliás, constitui um elemento essencial da obra deste autor o facto de ter privilegiado a vertente histórica e didáctica à narração romanesca ou romanceada. De facto, há diversos críticos que salientam o facto de José Ruy ter ficado cá e não ter seguido mais sistematicamente a via romanesca, trilhada pelo mestre Eduardo Teixeira Coelho, o que pode tê-lo prejudicado nas suas possibilidades de maior divulgação no país e no estrangeiro. José Ruy tem tido, porém, um percurso de gradual maturação, com um estilo próprio e uma assinalável capacidade de ligação entre a capacidade técnica e a vitalidade criadora e imaginativa.
Guilherme d'Oliveira Martins
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A VIDA DOS LIVROS |
Sophia de Mello Breyner Andresen continua a acompanhar-nos na serenidade dos seus textos e na pureza dos seus ideais. Cinco anos depois da sua ausência, que é presença permanente pela perenidade das suas palavras, é fundamental regressar aos três volumes da “Obra Poética” (Caminho) ou aos contos publicados pela Figueirinhas. Deparamo-nos com o deslumbramento de uma escrita depurada, rigorosa, amorável, ática, a um tempo clássica e moderna, intemporal, sedenta de sentido, duradoura e inusitada, onde a pessoa humana e a natureza se encontram permanentemente, sentindo-se, a cada passo, a busca da palavra certa, como sinal de dignidade, e a recusa de qualquer facilidade. “Sozinha estou entre paredes brancas / Pela janela azul entrou a noite / Com o seu rosto altíssimo de estrelas” – di-lo em “Mar Novo”. E em “A Menina do Mar”: “Sentaram-se os dois em frente do outro e a menina contou: - Eu sou uma menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim”.
MIGUEL TORGA…
Quando Miguel Torga leu pela primeira vez um manuscrito de Sophia de Mello Breyner, partiu para o Porto porque queria conhecer e "ver por seus olhos que não se tratava de um feliz acaso, mas dum caso sério de criação na literatura portuguesa" - no testemunho de Francisco Sousa Tavares. No mesmo sentido, Jorge de Sena disse estarmos perante "um poeta de fluente e escultural segurança expressiva, em cujos poemas o amor da vida e uma intensa exigência moral encontram símbolos marinhos e aéreos, usados com força visionária, para exprimir uma tensa vivência do sentido trágico da existência". Sophia de Mello Breyner viveu a infância no casarão imenso do Campo Alegre. Na Praia da Granja, onde passava os Verões, aprendeu a amar a grandeza e o mistério do oceano. Era "a casa branca em frente ao mar enorme", com o seu jardim de areia e flores marinhas, do "silêncio intacto em que dorme/o milagre das coisas que eram minhas". “Na minha infância, antes de saber ler, ouvi recitar e aprendi de cor um antigo poema tradicional português chamado Nau Catrineta”. E o avô ensinou-lhe a amar Camões e Antero: “Camões parecia-me um palácio de vidro, transparente, luminoso, atravessado por uma luz doirada. Em Antero a luz era diferente, uma luz atormentada, cheia de clarões e de sombras”. Sophia veio estudar para Lisboa Filologia Clássica, curso que não concluiu. Proveniente de uma família da velha aristocracia portuguesa, com fortes tradições liberais, tornou-se uma das personalidades mais representativas de uma atitude inconformista e democrática.
MILAGRE RARO
"Uma espécie de milagre, de raro e quase incrível privilégio, devem ter preservado cedo a jovem Sophia, católica e portuguesa, daquela obsessão culpabilizante que encharca por dentro a lírica nacional" - afirma Eduardo Lourenço. E a própria Sophia dirá: "Sempre a poesia foi para mim uma perseguição do real. Um poema foi sempre um círculo traçado à roda duma coisa, um círculo onde o pássaro do real fica preso. (...) Quem procura uma relação justa com a pedra, com a árvore, com o rio, é necessariamente levado, pelo espírito da verdade que o anima a procurar uma relação justa com o homem". Sophia de Mello Breyner é um caso singular na literatura portuguesa - ponto de encontro entre uma tradição clássica e uma genuína atitude de "uma atenção virada para fora". "Não tenho explicações / Olho e confronto / E por método é nu meu pensamento"... Vasco Graça Moura afirma: “tendo bebido a lição panteísta de Pascoaes, filia-se nos simbolistas, como Nemésio e Rilke, e apreende o concreto para que o concreto, despojado da sua ganga impura, adquira o peso total da sua existência e funcione como filtro e como via idónea para o encontro de um ‘outro’ real verdadeiro e metafísico”.
A CIDADÃ DE PALAVRA(S)
Ainda estamos a ouvir os ecos da declaração de Sophia de Mello Breyner, na Assembleia Constituinte em 1975, dando sequência à intensa actividade cívica durante a ditadura, designadamente no Centro Nacional de Cultura e na Comissão Nacional de Socorro dos Presos Políticos, a proclamar: “A cultura não existe para enfeitar a vida, mas sim para a transformar – para que o homem possa construir e construir-se em consciência, em verdade e liberdade e em justiça. E, se o homem é capaz de criar a revolução é exactamente porque é capaz de criar a cultura” (2.9.1975). A luta fundamental não deveria ser por uma “liberdade especializada”, mas sim pela liberdade do povo – liberdade de expressão e de cultura. E é impressionante e actualidade e a clareza das suas palavras: “Queremos uma relação limpa e saudável entre a cultura e a política” – insistia. “Não queremos opressão cultural. Também não queremos dirigismo cultural. A política sempre que dirigir a cultura engana-se. Pois o dirigismo é uma forma de anti-cultura e toda a anti-cultura é reaccionária”. Contra todos os dirigismos e totalitarismos, Sophia deixava claro um sentido essencial para a interpretação do novo texto constitucional de 1976 – em que a liberdade é a pedra angular, contra todos os dogmatismos indiscutíveis e os maximalismos irreais. Por isso, atacava frontalmente (como sempre fez) o “poder totalitário”, que persegue o intelectual e manipula a cultura. “Nenhuma forma de cultura se pode atribuir o direito de destruir ou menorizar outras formas de cultura”. Nesse discurso fundador, Sophia de Mello Breyner partiu da cultura, apenas dela, mas deixou claro que esta não pode ser vista isoladamente, tem de conduzir à valorização do acto e da arte de educar: “Ensinar é pôr a cultura em comum e não apenas a cultura já catalogada e arrumada do passado, mas também a cultura em estado de criação e de busca”. E que deve ser a liberdade de aprender e ensinar senão a procura de “novas formas de ensino que possam procurar, ensaiar e inventar”?
A MAGIA DE UMA ESCOLA
E não me posso esquecer esse momento mágico, quando visitei com Sophia a Escola da Outurela que tem o seu nome. Era a procura, o ensaio e a invenção que Sophia queria ver na escola e na educação, como arte de procura e de descoberta, de aprendizagem séria e rigorosa. Por isso, exigiu, e depois ficou muito contente com os resultados, que “A Menina do Mar” fosse decorada e representada pelos jovens alunos daquela escola. E, ao meu lado, segredou-me que poderíamos acreditar na escola que trabalhasse, que fizesse da disciplina uma partilha de responsabilidade e o culto do equilíbrio. Nos idos de 1975, num momento em que havia muita facilidade nas palavras e nas propostas, Sophia ponderou ideia por ideia o que disse naquele momento fundador e falou de “ensino livre onde nenhuma iniciativa seja desperdiçada”. A escola é, assim, vista como lugar de liberdade e de justiça, de participação e de ajuda mútua. Recordo-o, mais uma vez. Daí a importância dos conceitos de cidadania inclusiva, de combate à exclusão e de ensino integrado. E em nome de “Educação e Cultura para todos”, que tem de ir muito além das palavras, Sophia de Mello Breyner foi uma das vozes, com Miller Guerra, também a levantar-se a favor da igualdade para as pessoas com deficiência: “o tratamento e a reabilitação são tarefas que incumbem ao Estado e à família. Mas a integração é uma tarefa em que toda a sociedade deve participar” (4.10.1975). Aí estava o seu extraordinário sentido de justiça e a sensibilidade humaníssima. "A viagem pelo fundo das coisas" a que Sophia de Mello Breyner Andresen aludiu no conto "A Menina do Mar" bem poderia ser utilizada como a imagem de um projecto educativo. E assim não podemos deixar de ouvir o que também nos disse: "espero que na educação portuguesa passe a haver mais música, mais poesia oralmente dita e mais ginástica. Tudo o resto virá por acréscimo" (Noesis, 1993).
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Guilherme d'Oliveira Martins