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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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PEREGRINAÇÃO AO JAPÃO

Contagem decrescente - Japão (7) 

A nossa Peregrinação continua a preparar-se. O diálogo cultural obriga à troca… Sentimo-lo especialmente com o Japão. Continuamos com a Prof. Helena Barbas (1990) a propósito do romance de Shusako Endo “O Silêncio”: O herói (…) é um jesuíta português, Sebastião ­Rodrigues que, em 1638, parte de Lisboa para o Japão com o­ objectivo de manter a fé e apoiar os indígenas convertidos ­em tempo de perseguições. Tem como segundo objectivo encontrar um antigo professor, o provincial da ordem ­Cristóvão Ferreira, e confirmar a informação de que, após­ trinta anos de trabalho apostólico, face à tortura, teria ­renegado. Apesar de avisos dos superiores hierárquicos, Rodrigues­ insiste na sua viagem em direcção ao martírio, pautada pelos ­passos da via-sacra. O sacerdote identifica-se expressamente­ com Cristo e os momentos mais trágicos da paixão, não lhe ­faltando, inclusive, um Judas-Kishijiro que o vende por 300 ­moedas. É através desta personagem que surge a grande ­questionação ao cristianismo enquanto lei de amor:­ «Porventura seria Cristo capaz de buscar e amar um homem destes, sujo e imundo como nenhum outro? Até num canalha, é ­certo, se poderá descobrir uma centelha de força e beleza,­ mas chamar canalha a Kishijiro já era favor...». Todavia, a situação histórica e os inimigos são ­diversos, e Rodrigues vê-se confrontado com um dilema­ terrível: escolher entre suportar a responsabilidade da ­tortura e morte das suas ovelhas, a que os seus carcereiros ­o forçam a assistir, ou evitar essas mortes, pelo renegar da­ fé católica e pisar da imagem de Cristo, o Éfumié. Este dilema é duplamente agravado. Pela crescente­ constatação da indiferença divina face aos sofrimentos ­humanos, o silêncio de Deus que se estende à própria ­natureza: «Sei que hoje, dia em que Mochiki e Ichizo ­choraram sofreram e morreram para maior glória de Deus, não ­consigo suportar o monótono fragor deste negro mar, ­abocanhando com os seus colmilhos a areia da praia. Como ­fundo a este mar sinistro, paira o silêncio de Deus... a­ sensação de que Deus continua de braços cruzados ante os ­clamores atirados ao céu por estes homens.». Por ­outro lado, Rodrigues toma conhecimento de que o Deus­ europeu se aculturou naquele país onde não se entende a ­diferença entre o Bem e o Mal, onde o pecado e a­ culpabilidade não existem: «Já  desde o princípio que os ­japoneses, que confundiam Deus com Dainichi, começaram a­ deformar e a adaptar à sua maneira o nosso Deus, criando­ algo diferente. Mesmo quando a confusão de vocabulário desapareceu, as distorções e adaptações prosseguiram­ sub-repticiamente. (...) Não era no Deus-cristão que­ acreditavam... Até hoje, nunca os japoneses tiveram o­ conceito de Deus; nem jamais o terão.». As palavras dos missionários recebiam um sentido­ diferente do que lhes era atribuído e a sua religião acabava­ dissolvida nas já vigentes. Pelo xintoísmo, e devido ao ­relacionamento do imperador com a deusa do sol, o povo é, ao ­contrário do resto do mundo, naturalmente eleito – não necessita de redenção. Com aquele se fundira um budismo que,­ na maioria dos seus preceitos, se encontra demasiado próximo ­do pensamento cristão. A situação de Rodrigues torna-se exemplar, num sentido­ geral, enquanto representante de um determinado grupo, e num­ sentido particular, enquanto registo da evolução espiritual ­de um homem em busca de si próprio, através do divino. E o ­encontro pretende dar-se por intermédio do lado mais humano ­de Cristo, o homem-deus perseguido e sofredor, desprezado e­ rejeitado pelos outros homens».