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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

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Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

A VIDA DOS LIVROS

 


de 12 a 18 de Setembro 2011

 

  

«José Bergamin et la France» é uma edição de Ivan López Cabello e Yves Roullière, da responsabilidade da Universidade de Paris-Ouest – Nanterre - la Défense (2008) e dá conta dos ecos franceses da vida e obra dessa personalidade fascinante que foi o grande poeta espanhol, diretor e fundador da revista Cruz y Raya, nascido em 1897 e falecido em 1983.

 

 

UMA VIDA PELA DIGNIDADE HUMANA

Estamos perante as Atas de uma jornada de estudo realizada em Nanterre (Paris) a 23 de Maio de 2008, seguidas de entrevistas, ou melhor, confidências de José Bergamin, recolhidas por André Camp.  Estas conversas foram registadas em Junho de 1965, com a duração total de 190 minutos, tendo sido difundidas em Novembro e Dezembro desse mesmo ano no Canal France-Culture. O título das entrevistas é algo perturbador - «Entretiens avec un Fantôme» - e decorre do facto de o poeta espanhol ter dado essa identificação quando André Camp lhe perguntou quem era. Bergamín respondeu de imediato que apenas poderias dizer que era um fantasmas, porque a nacionalidade que constava do documento de identificação passado pela prefeitura de polícia em França tinha a indicação de nacionalidade a determinar – relativamente a quem era um espanhol de raízes antigas, lutador incansável pela liberdade e pelas liberdades e sempre incómodo para com todos os poderes. Por isso, Jean-Marie Domenach falou da sua vocação trágica e no facto dessa condição se ligar à alegria. «O trágico, dizia Max Scheler, é uma estrutura essencial do universo. Bergamín, o Espanhol, vive-o naturalmente. O que é para nós figura abstrata, a representação, o sangue e a morte, Deus e o diabo – faz o tecido do seu discurso, o som da sua voz, o gosto da sua ironia. Ouvindo-o, apercebemo-nos de que se vive pouco e mal, porque a vida verdadeira tem lugar onde ele se instalou, nesse domínio em que o sonho e a realidade se misturam, e ganham cor mutuamente. Possui o dom de fazer ver a maravilha e o horror onde nós apenas tínhamos visto acontecimentos. Com ele, o símbolo entra nas coisas e nos homens, o espiritual toma posse da história, a poesia incorpora-se». E Domenach lembra essa alegria profunda vivida por Bergamín, sobretudo nos momentos mais difíceis e dramáticos: «Continuo a acreditar na dignidade humana e na superação humana do homem». Estamos, no fundo, perante um fantasma bem vivo, com um coração aberto para a compreensão da liberdade e dos outros. Nos diversos depoimentos reunidos nesta obra, sentimos na formação de José Bergamín a evolução de um homem de fronteira – não só no País Basco, entre San Sebastian e Biarritz, mas também entre as línguas espanhola e francesa, entre o catolicismo e o republicanismo, entre a tradição e a modernidade, entre a tragédia e a alegria, entre a violência e a candura. Não por acaso deu à sua revista o título emblemático de “Cruz e Raya”, simbolizado pelos sinais de soma (a cruz) e de subtracção (o traço), de afirmação e negação. E a ligação forte a Miguel de Unamuno leva-nos à compreensão do sentido trágico da vida, a partir dos acontecimentos quotidianos e da existência do dia a dia. Em 1936, quando deflagra a Guerra Civil, o poeta tem 40 anos e sente, como ninguém, o combate entre as duas Espanhas, entre irmãos inimigos, entre paixões contraditórias. É Bergamín quem encomenda a Picasso «Guernica», esse fantástico símbolo de uma ressurreição, que figurará na Exposição Universal de 1937. É ele ainda que se despede de Georges Bernanos quando este parte em Toulon para o Brasil, depois de denunciar «Os Grandes Cemitérios sob a Lua». É ele q            ue recita passagens da «Divina Comédia» de Dante, só tarde se apercebendo de que viveu essa viagem, numa ordem diferente da seguida pelo génio florentino – Paraíso, Inferno, Purgatório. Em Maio de 1939 parte de Paris para a Cidade do México, e viverá esse exílio dramaticamente, só com os seus filhos, agarrado à sua fé antiga e insubmisso.

 

UM PEREGRINO NA PÁTRIA

Quando voltou, quase vinte anos depois, sentiu-se «peregrino na sua pátria» - «Sentí, al sentir España de nuevo, en su tierra, en sui luz, en sui aire… como si ressuscitasse en ella; como si hubiese dejado de ser un fantasma». E deseja, intimamente, «morrer num lugar espanhol», o é ainda uma secreta esperança. Mas considera que o seu dever fundamental cumprir fiel e escrupulosamente o seu ministério literário. E que significava isso? Dizer a verdade e usar da liberdade. Ora, perante uma ditadura, como era o franquismo, não houve outra via diferente senão a de um novo exílio, que começa na Embaixada do Uruguai e continuará em Paris, de 1964 a 1970. Depois regressa, cultivando o paradoxo, através da política e da poesia. Com sua filha Teresa, alimentará a paixão pela causa de Euskadi, o Pais Basco, daí virão mil incompreensões. Sente uma profunda desilusão, um «desengaño» pelos novos tempos – considera-se agora um «pájaro sin pluma y sin nido» e escreve em 1982: «Fui peregrino en mi pátria / desde que nascí. / Y lo fui en todos los tempos / que en ella viví. / Lo sigo siendo, al estarme / ahora y aqui, / peregrino de una España / que ya no está en mí. / Y no quisiera morirme / aqui y ahora, / para no darle a mis huesos / tierra española». Sempre excessivo, sempre contraditório, preocupa-se sobretudo com a dignidade humana e com todos os combates para a tornarem realidade. E o certo é que ainda hoje, ao lermos e relermos Bergamín, percebemos que o excesso e o escândalo vinham-lhe da crença no amor e numa profunda esperança, que o fazia amar tanto a obra de Dante. Oiçamo-lo numa das entrevistas: «J’avais besoin de retrouver mon Espagne, e je l’ai effectivement retrouvée. Cette apparence un peu théâtrale, qui, évidemment, trouve sa raison d’être dans l’évolution du temps et de la société, en grande décalage avec le système politique, tout ça donnait à l’Espagne une physionomie nouvelle que, naturellement – pour moi qui suis toujours du côté de la vie - , j’aimais beaucoup. Malheureusement, ce renouvellement vital ne parvient pas à coïncider avec un  renouvellement intellectuel et culturel après vingt-cinq ans de cet ordre qu’on appelle la « paix » et qui est l’ordre de la paix des morts, la paix des grands cimetières sous la lune. Le côté spirituel de l’Espagne, de ce point de vue, a énormément baissé de niveau à mon avis. En même temps, le côté vital, un peu animal si vous voulez – j’irais jusqu’á dire « géologique » -, remonte à la surface et donne l’impression que l’Espagne va renaître d’un seul coup. Mais on ne sait si ça va se produire de façon plus ou moins évolutive ou plus ou moins catastrophique». Aqui temos um especial sentido profético, que poucos compreenderam, mas que o poeta sempre soube manter, com inteligência, conhecimento, determinação, e indómita esperança…

 

Guilherme d’Oliveira Martins