Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A sua biografia fala por si. Júlio Resende foi um dos mais prolíferos e ricos autores portugueses do século XX. Nasceu no Porto a 23 de Outubro de 1917. De 1930 a 1936, executa ilustrações e banda desenhada para jornais e publicações infantis, realizando cuidada aprendizagem do desenho e da pintura na Academia Silva Porto. Pode dizer-se que é um pioneiro da banda desenhada portuguesa, com seu irmão António, sendo uma indiscutível referência maior. A sua principal produção encontra-se em «O Papagaio» com Tic-Tac (1936) e em «O Primeiro de Janeiro» com Matulinho e Matulão (1942). Frequenta a Escola de Belas-Artes do Porto e é discípulo de Dórdio Gomes (1937). Participa em 1943 na organização do "Grupo dos Independentes" e realiza a primeira exposição individual no Salão Silva Porto. Exerce docência no ensino secundário nos anos quarenta, concluindo em 1945 o Curso na Escola de Belas-Artes com a pintura "Os Fantoches". Então visita o Museu do Prado, encontrando-se em Madrid com Vasquez Diaz. Obtém os prémios da Academia Nacional e "Armando de Bastos". Obtém em 1946 uma bolsa de estudo no estrangeiro do "Instituto Para a Alta Cultura". Realiza a primeira exposição em Lisboa. Em1947e 1948, estuda as técnicas de fresco e gravura na Escola de Belas-Artes de Paris. É discípulo de Duco de La Haix. Na Academia Grande Chaumière recebe lições de Othon Friesz. Frequenta o Museu do Louvre, onde procura inspirar-se nos grandes mestres. Visita os museus da Bélgica, Holanda, Inglaterra e Itália. Em 1949, encontramo-lo como Professor na pequena escola de cerâmica de Viana do Alentejo Tem contactos com o escritor Virgílio Ferreira e com os artistas Júlio e Charrua. Em Lisboa conhece Almada Negreiros e Eduardo Viana. Realiza uma primeira viagem à Noruega onde é hóspede de Oddvard Straume. Permanece em Orstavik. No ano de 1951 fixa-se no Porto, mantendo atividade docente no ensino secundário. A gente do mar passa a constituir tema dominante da pintura. Recebe o Prémio Especial na Bienal de S. Paulo. Em 1952 obtém o prémio na 7ª Exposição Contemporânea dos Artistas do Norte. Permanece um mês na Noruega. Executa o fresco da Escola Gomes Teixeira no Porto. Investiga o desenho infantil. Em 1953, cria as "Missões Internacionais de Arte", a primeira das quais ocorre em Trás-os-Montes. Leciona na Escola Secundária da Póvoa de Varzim (1954). No ano seguinte, promove a 2ª "Missão Internacional de Arte", na Póvoa de Varzim. Em 1956, integra a equipa com o Arq. João Andersen (irmão de Sophia de Mello Breyner) para o projeto "Mar Novo" para Sagres que obtém o Primeiro Prémio em concurso internacional. Apesar do prémio o regime político não executa o extraordinário monumento destinado a Sagres. Sophia escreverá o magnífico livro de poemas com o título “Mar Novo”, que não é mais do que uma expressão riquíssima de um grito de revolta perante um crime de lesa-cultura. A obra de Júlio Resende neste projeto é emblemática e constitui referência fundamental da história da arte portuguesa. O êxito do pintor prossegue, obtendo o Prémio "Artistas de Hoje", Lisboa e concluindo o curso de Ciências Pedagógicas na Universidade de Coimbra. Em 1957, organiza a exposição "4 Artistas Portugueses" em Oslo e Helsínquia. Obtém o 2º prémio de Pintura da Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa. No ano de 1958 executa um painel para a "Exposição Universal de Bruxelas". Ganha o prémio "Columbano" da Câmara Municipal de Almada, promove a 3ª "Missão Internacional de Arte" na cidade de Évora. É convidado para a docência na Escola de Belas-Artes do Porto. Executa vários painéis de azulejo para a estação de fronteira de Vilar Formoso. Tem a Menção Honrosa na 5ª Bienal de S. Paulo. Cria dois painéis cerâmicos para o Hospital de S. João no Porto. Executa oito painéis de azulejo para a pousada de Miranda do Douro. Alcança em 1960 o prémio "Diogo de Macedo" no Salão de Arte Moderna do SNBA em Lisboa. Realiza o painel cerâmico para a Pousada de Bragança. Presta provas públicas, em 1962, com distinção na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. Realiza o mural afresco no Palácio de Justiça do Porto, executa cinco painéis cerâmicos para obras de arquitectura. Cria cenários e figurinos para o "Auto da Índia" de Gil Vicente, encenação de Carlos Avilez para o TEP, Porto (1965). Realiza um fresco para o Tribunal de Justiça em Anadia (1966). Cria os cenários e figurinos para "Fedra" de Racine, encenação de Carlos Avilez para o Teatro Experimental de Cascais (1967). Ilustra "Aparição" de Virgílio Ferreira. Realiza cenário e figurinos para o bailado "Judas", coreografia de Águeda Sena para a Fundação Calouste Gulbenkian. Ganha o prémio "Artes Gráficas" na Bienal de Artes de S. Paulo, com as ilustrações do romance "Aparição" (1969). Cria cenários e figurinos para o "Auto da Alma" de Gil Vicente no TEP, Porto. Realiza seis painéis em grés para o Palácio de Justiça de Lisboa. Orienta o visual estético do Espetáculo de Portugal na "Exposição Mundial de Osaka" (1970). Cria cenários e figurinos para "Antígona" no Teatro Experimental de Cascais. Realiza a primeira viagem ao Brasil encontrando-se com Jorge Amado e Mário Cravo Filho. É nomeado Membro da Academia Real das Ciências, Letras e Belas-Artes Belgas, Bruxelas. Ilustra a obra de Fernando Namora "Retalhos da Vida de um Médico" (1973). Nova viagem ao Brasil. Recebe o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada. Em 1974, exerce funções de gestão na ESBAP, a que se dedicará a tempo inteiro nos anos seguintes. Realiza cenário para o filme "Cântico Final" de Manuel Guimarães, adaptação do romance de Virgílio Ferreira. Em 1977 empreende uma memorável viagem ao Nordeste Brasileiro, encontrando-se com os artistas como Sérgio Lemos e Francisco Brennand. Em 1978 cria os cenários e figurinos para o bailado "Canto de Amor e Morte" coreografia de Patrick Hurde, inspirado na obra musical de Fernando Lopes Graça para a Companhia Nacional de Bailado. Entretanto, realiza uma importante visita de estudo às Faculdades de Belas-Artes de Espanha. Em 1981, executa os vitrais para a Igreja Nª Sª da Boavista, Porto. Viaja até a Pernambuco e Salvador da Bahia. Profere uma significativa palestra na Fundação Joaquim Nabuco no Recife. Recebe as insígnias de Comendador de "Mérito Civil de Espanha" atribuídas pelo Rei de Espanha (1982). Em1984 realiza o célebre painel mural "Ribeira Negra". E em 1985 é-lhe atribuído o Prémio AICA. Executa em grés o grande mural "Ribeira Negra" no Porto (1986). Em 1987, profere a última lição na ESBAP. Em 1989 tem lugar a Exposição retrospetiva na Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa. Viaja em 1992 a S. Vicente e Stº Antão (Cabo Verde). Cria em 1993 o "Lugar do Desenho - Fundação Júlio Resende". Realiza em 1994 e 1995 painéis cerâmicos para a estação do Metropolitano de Lisboa, "Sete Rios". Em 1996 visita a Goa e no ano seguinte Santiago e Fogo (Cabo-Verde). Recebe a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique. Visita em 1999 a Ilha de Moçambique. O Centro Nacional de Cultura contou sempre com Júlio Resende entre os seus amigos especiais, desde os anos cinquenta. Ilustrador de Sophia de Mello Breyner em «O Rapaz de Bronze» e «Noite de Natal» foi um raro intérprete da arte em todas as suas dimensões. Que melhor homenagem poderemos fazer-lhe, se não lembrar a sua humanidade e o seu talento!
Ao visitar Malaca e ao deambular pela Malásia e Indonésia não pudemos deixar de recordar Emílio Salgari (1862-1911), o autor das aventuras de Sandokan, na ilha mítica de Mompracem. O autor italiano notabilizou-se pela escrita fantasiosa de aventuras ocorridas no Bornéu, sendo uma referência indiscutível no desenvolvimento de um imaginário orientalista que dominou as gerações adolescentes da primeira metade do século XX. É curioso que o escritor tenha sentido necessidade de nomear um português para ser o braço direito do herói. Lembramo-nos bem da invocação heroica de António Alçada Baptista em “Peregrinação Interior” da memória dessas leituras juvenis, nas edições da Livraria Romano Torres. Devemos referir que acabam de ser descobertas pranchas de BD inéditas de Hugo Pratt, o autor de Corto Maltese, relativas às aventuras de Sandokan.
GUARDIÃ DO ESTREITO
Malaca é a guardiã do estreito e encruzilhada de muitas culturas e influências (hindus, chineses, malaios e javaneses). Chegados aqui, contando com a erudição e o bom humor de Luís Filipe Thomaz, tratamos de fazer uma imersão total no clima húmido e quente e na história. A cidade é relativamente recente, data de 1403, começou por ser uma pequena povoação de pescadores e corsários e esteve sob influência portuguesa de 1511 a 1641. A imigração chinesa é intensa e muito evidente, dividindo-se entre uma vaga mais antiga, os babas e as nyonyas, do início do século XV, constituída por letrados e comerciantes, e uma segunda, mais numerosa, correspondente ao período da guerra do ópio e da colonização britânica, no século XIX, que se dedicou à agricultura. A história de Malaca é muito rica e é marcada pela situação estratégica da cidade como porto de abrigo e como centro de comércio. O célebre navegador chinês Zheng He aqui estabeleceu importantes contactos que levariam o rajá de Malaca a declarar-se vassalo do Celeste Império, sacudindo o jugo de Sião. Quando Afonso de Albuquerque definiu este como um dos pontos cruciais do império português do Índico, fê-lo conhecedor do grande valor da cidade e das possibilidades que apresentava como placa giratória para o Extremo Oriente. Já Álvaro Velho, no seu Roteiro, e Gaspar da Índia falavam da importância de Malaca, tendo incumbido o rei D. Manuel D. Francisco de Almeida a tarefa de «assentar trato em Malaca» e de construir uma fortaleza na cidade. Mas só em 1509 a armada capitaneada por Diogo Lopes de Sequeira atinge Malaca, sendo primeiro bem recebida pelo Sultão, mas sofrendo depois a violenta oposição dos mercadores indianos do Guzerate. Afonso de Albuquerque delineará a tomada da cidade, reforçando a armada de Diogo Mendes de Vasconcelos, especialmente enviada para o efeito. Chineses e hindus serão aliados objetivos dos portugueses, permitindo o domínio da cidade. Durante 130 anos os portugueses tornarão Malaca o grande centro do comércio e o principal nó da rede marítima. Após a ocupação holandesa, uma parte da população irá para Macau ou para outros destinos na atual Indonésia.
LEMBRAR AFONSO DE ALBUQUERQUE A cidade atrai-nos pela história riquíssima e pelos contactos culturais e económicos que se estabeleceram aqui. O Museu Marítimo ostenta como seu verdadeiro símbolo a nau “Flor de la Mar”, a mais rica e poderosa do seu tempo, que naufragaria no final de 1511, com Afonso de Albuquerque a bordo. E falar de Afonso de Albuquerque é sempre referir a figura controversa que foi, com quem o rei D. Manuel tinha uma relação muito especial, até em virtude de ser um dos mais determinados apoiantes na defesa de um império de Estado, por contraponto à lógica da liberdade concedida aos navegadores para comerciarem, e ganharem assim influência e riqueza. Encontrámo-lo em Goa, em Ormuz e no Omã, nestas andanças do Centro Nacional de Cultura, agora descobrimo-lo num momento decisivo da sua ação, no ano seguinte a tomar Goa e antes de avançar para o Golfo Pérsico e o Mar Roxo. E sentimos, com nitidez, que as intrigas e as incompreensões de que será vítima têm sobretudo a ver com um grande debate que se desenvolve em torno de D. Manuel sobre a estratégia do Oriente, se o império do Estado se o domínio poliárquico dos mercadores. O certo é que Malaca é um ponto nevrálgico (que Albuquerque bem entendeu) para o comércio das especiarias, para a administração imperial e para a mobilização de pessoas… A qualidade da Casa del Rio, um dos mais recentes hotéis de Malaca, onde ficamos instalados, é assinalável. Uma delegação da nossa embaixada cultural teve uma longa reunião com o Ministro Chefe de Malaca e no dia seguinte avistámo-nos com o Governador do Estado. Há um grande interesse em aprofundar a cooperação luso-malaia, quer no domínio do património, uma vez que a zona histórica está classificada pela UNESCO, quer no campo económico. O Embaixador Jorge Torres Pereira acompanhou-nos sempre, o que permitiu uma ligação e uma distinção entre a sociedade civil e o Estado.
O BAIRRO PORTUGUÊS A visita ao Bairro Português é sempre um motivo de especial de interesse em Malaca. Da antiga fortaleza de Afonso de Albuquerque - "A Famosa" - apenas resta a porta da muralha, já que os ingleses não evitaram no século XIX a destruição do edifício militar, que muito se assemelhava à nossa Torre de Belém, como está representado por Manuel Godinho de Erédia em 1604. Para nós, é emocionante a subida até à Igreja do Monte, sob o orago da Anunciação ou de São Paulo, onde São Francisco Xavier pregou e onde se encontra a pedra tumular de D. Miguel de Castro, filho de D. João de Castro. As visitas sucedem-se. Interessa-nos reencontrar o papiar do século XVI, o kristang, a língua franca dos mercadores, que os missionários desenvolveram. Malaca acolheu-nos principescamente. O jantar no restaurante Papa Joe permitiu provarmos uma canja divinal e usufruirmos de pratos nos quais se sente o diálogo entre culturas. E, para coroar a expressão de uma amizade ancestral, ouvimos o português de antigas canções tradicionais por um grupo de elementos da comunidade de portugueses em Malaca. O papiar cristão, a língua franca do século XVI, não foi esquecido, apesar da distância e da história. A emoção liga-se ao entusiasmo e todos se envolvem na animação desta herança portuguesa vinda dos confins do tempo. Muitas vezes perguntamo-nos o que significa no mundo das culturas da língua portuguesa a cidade de Malaca. Não se trata de uma mera reminiscência vaga. É uma referência do património material e imaterial. É o encontro de uma pequena comunidade com a referência histórica que segue para Sul e Oriente, até Java, às Flores e a Timor, e ainda às Molucas e às Celebes. Eis por que razão Malaca não pode ser vista isoladamente. Daí a necessidade de aprofundarmos as relações culturais e económicas com a Malásia. O que está em causa é a perceção de que a história é dinâmica, não pode ficar apenas no passado, devendo projetar-se no presente e no futuro. E desta nossa passagem em Malaca fica a exigência de sermos mais atentos a esta referência da nossa identidade linguística e à comunidade de pessoas que a constitui. E uma vez que, como habitualmente, levamos connosco textos significativos – não pudemos deixar de invocar Fernão Mendes Pinto, em Malaca, sempre ele, mas também a alusão mítica e imaginosa de Sandokan, o Tigre da Malásia, não por ele, mas por Gastão Sequeira, um português que representa os nossos mercadores e mercenários, que povoaram a Malásia, o Bornéu e as Molucas desde o século XVI. Emílio Salgari deu-lhe originalmente o nome menos credível de Ianes de Gomera, mas a linhagem portuguesa não oferecia dúvidas. E Mompracem, a ilha que Sandokan desejava ver livre do jugo de Sir James Brooke, era provavelmente Mangalum, nome derivado de Fernão de Magalhães, que aqui teria estado aquando da sua visita ao Sultão do Brunei…