Luís Sá: uma vigília das ideias
Tenho escrito sobre Luís Sá. No Jornal Euro Notícias onde, o Professor Adelino Maltez me deu o gosto de partilhar comigo a sua página de opinião; no Jornal da Universidade onde eu e o Luís leccionávamos a mesma cadeira e onde ainda lecciono, e noutros locais para onde eu escreva e agora na página do Centro Nacional de Cultura.
E faço-o como contributo, para que o não esqueça um mundo em que ele acreditou, e, sobretudo, para que não creia as gentes de cotações de almas em bolsa de valores que lhe podem impor silêncio.
O Prof. Doutor Luís Sá foi, também em nome de princípios irredutíveis, um excelente e generoso docente, dotado de um poder de captação da atenção dos alunos invulgar.
A sua morte súbita surpreendeu. Chocou-nos de jeito indizível. Na véspera tínhamos estado a escalonar matéria da Faculdade e a dividi-la por turmas. Na véspera brindámos ao almoço por todos os movimentos que dentro de cada ser implicam o revolucionar de um caminho honesto e são. Na véspera, sacrificámos no diálogo muitas das utopias comunitárias, e surgiu-nos a filigrana da poesia, afinal a única que explica sem rasura a experiência estética.
O aforismo de René Char, comentado por Hannah Arendt que bem refere o quanto a nossa herança não é precedida de nenhum testamento e que, portanto, não deveria fixar-se o passado nem pretender determinar-se um futuro, para que, enfim, sintamos nas mãos o quanto o presente urge, esta, uma realidade muito presente no Luís.
O Luís chegou a dizer à minha madrinha Drª Leonoreta Leitão (professora e escritora) e à entrada para uma festa do Avante - local que ela nunca deixava por pé alheio - o quanto me intuía como uma democracia selvagem, sem necessidade de busca ou fundamento, pois que legitima.
Assim esta faceta do Prof. Doutor Luís Sá também se revelava na atenção ao particular, quando, a um colectivo devotava uma especial vigília das suas ideias.
Claude Lefort foi também um dos nossos eleitos para tema do nosso último almoço no Quebra Bilhas.
Ainda hoje permanece na minha bibliografia obrigatória para os alunos da minha Unidade Curricular A Crise das Fronteiras, tese de doutoramento do Luís e afinal amplo estudo por onde passa o conceito de Laços de Pertença.
Continuo a entender que uma paisagem interior humanizada é muito mais rica do que aquela paisagem em estado mais paradigmático. E o Luís correndo os riscos inerentes, sempre foi pela primeira opção.
Preocupemo-nos pois com o estuário das ideias trazendo à memória quem deixou caminho.
M. Teresa Bracinha Vieira
16.03.12
Sec. XXI