Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!
A memória de um grande poeta como Alberto Lacerda (1928-2007), autor de «Elegias de Londres» (1987) e de «Horizonte» (2001), foi lembrada durante quinze dias em Lisboa, não como celebração retrospetiva, mas como um encontro de escritores contemporâneos dos dois lados do Atlântico, em nome da criatividade e do «desassossego» de Bernardo Soares e Fernando Pessoa. «Disquiet» foi a bandeira, e foi uma oportunidade única de tornar a cultura diálogo vivo.
QUE DIPLOMACIA CULTURAL? Jacinto Lucas Pires dizia-me, há dias, no baixar do pano desta Universidade de verão: que a diplomacia cultural não se faz com gestos formais e grandiloquentes, mas com conhecimento, hospitalidade, convívio, curiosidade, criatividade e descoberta. O cenário era a Mãe-de-Água, nas Amoreiras, numa sexta-feira, 13, em que o som borbulhante da água se associava a uma corrente intensa com o seu quê de mágico. Refiro o «Disquiet», o programa internacional literário, que este ano se realiza pela segunda vez em Lisboa. Foi uma Universidade de verão para sessenta escritores norte-americanos, que decorreu na primeira quinzena de julho, sob a iniciativa da Dzanc Books, do Michigan, nos EUA, com o Centro Nacional de Cultura, partindo do princípio de que a imersão numa cultura estrangeira num ambiente diferente do habitual e de que a quebra de rotina subsequente tendem a estimular a criatividade, abrindo novas perspetivas e novos ângulos de interpretação do mundo, resultando um evidente enriquecimento para todos os que nele participam. Como o próprio nome indica «disquiet» é uma invocação do Livro do Desassossego (LD) de Bernardo Soares. E que melhor oportunidade poderemos encontrar senão a extraordinária recordação dessa inesgotável reflexão, que levou Harold Bloom a dizer que Fernando Pessoa (o rei da nossa Baviera) é um «legado da língua portuguesa ao mundo»? E somos levados a seguir os passos do poeta: «Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulício. (…) Vivo uma era interior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele. Por ali arrasto até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada. Eu de dia sou nulo, e de noite sou eu. Não há diferença entre mim e as ruas para o lado da Alfândega, salvo elas serem ruas e eu ser alma, o que pode ser que nada valha, ante o que é a essência das coisas» (LD, fragmento 3). Pela cidade, invadindo o Chiado e não só, esses sessenta escritores do outro lado do Atlântico, com ou sem raízes portugueses, mas todos apaixonados pelo nosso sol e pelo nosso sul, foram procurando descobrir, mais do que Pessoa, a poesia, as ideias – a alma da criatividade.
DEBATES COMO ENCONTROS Num dos dias, no Café no Chiado, Onésimo Teotónio de Almeida contou as suas pequenas histórias, mas sobretudo comoveu-se ao encontrar alunas suas de há bastantes anos, verificando que deixara nelas a pequena semente da cultura portuguesa, como mundo de palavras e pessoas hospitaleiras, ávidas de descobrirem e sobretudo de serem descobertas. Não disse ele da «açorianidade»: se os escritores procurarem, mesmo longe, como Nemésio, explorar a compreensão humana desse mundo e o fizerem com o génio artístico de Vitorino Nemésio, enriquecem-se todos: a literatura açoriana, a literatura portuguesa, os açorianos, os portugueses, os leitores e eu»? E é isto mesmo que sentimos quando nos abrimos ao confronto, às incompreensões e à reações mais diversas sobre o que somos. Jeff Parker perguntava-se por que motivo me interessava pela identidade. E compreendeu bem que o que estava em causa era a capacidade de compreender o dar e o receber, o dom e a capacidade de não nos levarmos demasiado a sério, de modo que as diferenças se relacionem livremente.
«DO LADO DE CÁ DO MAR» Na conversa com Jacinto Lucas Pires, tínhamos acabado de ouvir Philip Graham ter lido passagens do seu «The Moon come to Earth», traduzido em português como «Do lado de cá do Mar» (da Presença). Jacinto ajudara a vencer a exuberância da água em movimento (que escondia os sons), lendo uma página deliciosa de Philip. Alguém se surpreendia deveras com esta capacidade que nós, portugueses, temos de comer sofregamente sílabas, tornando as palavras incompreensíveis, correndo o sério risco de sofrermos uma indigestão de sílabas. E com um humor fino e certeiro, o escritor rende-se a Portugal e às suas qualidades e defeitos, mas sobretudo à sua fantástica qualidade de saber integrar as múltiplas diferenças que recebe. Jeff Parker compreendeu bem que este diálogo entre identidade e diferença é crucial, e promete voltar ao tema, sem formalismos nem preconceitos. O sucesso do «Disquiet» deve-se à generosidade e a uma ligação entre afetos e paixão pela leitura. Sem Jeff Parker e Scott Laughlin, sem a omnipresença da formiguinha incansável que é Teresa Tamen e da sua equipa ubíqua do Centro, com o apoio da Fundação Luso Americana para o Desenvolvimento – merecendo especial referência o entusiasmo presencial de Mário Mesquita e Miguel Vaz – nada teria sido possível. E entre os portugueses anoto: Gonçalo M. Tavares, José Luís Peixoto, Patrícia Reis, Alberto Vaz da Silva, Patrícia Reis, Patrícia Portela, Rui Zink, Richard Zenith e Guilhermina Gomes – prometendo-se muito para o próximo ano. Mas há um benemérito especial, cuja memória preenche todo o espaço desta iniciativa – o saudoso poeta Alberto Lacerda (1928-2007), jovem secretário da revista «Távola Redonda», (1950-54) onde encontrou Ruy Cinatti, David Mourão-Ferreira, António Manuel Couto Viana, Luís Macedo e Fernanda Botelho. A verdade é que era um poeta que tinha uma verdadeira paixão pela língua (como escreveu lapidarmente Eugénio Lisboa). Quando foi para Inglaterra encontrou Edith Sitwell, que reconheceu o seu talento e apresentou-o ao seu círculo (Arthur Waley, T. S. Eliot e René Char). Não é possível fazer a história da comunidade artística portuguesa em Londres esquecendo Lacerda. Na América encontraria Anne Sexton, Robert Duncan, Rossanana Warren e John Ashbery – mas poderemos ainda citar Octávio Paz, Jhumpa Lahiri (Pulitzer, 2000) e Ian Mc Ewan, que o encontrou em estado de coma. O talentoso poeta português tornou-se, assim, uma referência que agora não desejamos ver esquecida (como se afirmou muito bem no British Council). Lembramo-nos bem de uma fotografia de culto, tirada em Chelsea, em 1964, com Alberto Lacerda, Luís Amorim de Sousa (uma presença fundamental neste desassossego inesgotável) e Mário Cesariny. E se falo disso é para assinalar a simbologia, que reúne três referências de um universalismo linguístico de diversas leituras. A partir da experiência de Alberto Lacerda e da memória da sua vida, esta Universidade de verão deixará sementes duradouras e modernas. Há um ano contou com a presença de António Lobo Antunes. Sentimos que há a força de uma vocação ambiciosa (em ligação com o «Lisbon Consortium», animado pela Professora Isabel Capeloa Gil), internacional, universalista, dialogante, como a necessária abertura de horizontes novos. Que é a cultura portuguesa senão um lugar de muitas diferenças?
Que dizer de toda a qualidade e força criativa do il sommo poeta da língua italiana?
Nasce em Florença. Dante, escritor, poeta e politico, Durante (seu nome) é lancinantemente exilado da sua terra natal e mais do que uma separação fisica, Dante foi abandonado pelos seus próprios parentes. Dor que sempre o acompanhará.
La Divina Commedia, poema épico e teológico é a sua obra-prima iniciada por volta de 1307.
Poema narrativo e extremosamente planejado a cada etapa da viagem, com detalhes quase visuais, narra uma odisseia pelo Inferno, Purgatório e Paraíso. Dante, o personagem, é guiado pelo purgatório e pelo inferno pela mão do poeta romano Virgílio, e no céu por Beatriz, a mulher dentro de si, no coração do seu amor.
Os três livros da Divina Comédia estão divididos em 33 cantos cada e terminam com um verso isolado no final. No último verso de cada um dos livros a mesma palavra : stelle.
Estrelas que influenciaram pintores, músicos, cineastas, poetas e outros artistas do mundo como Gustave Doré, Botticelli, Dali, Michelangelo, W. Blake, Shumann, Rossini, Liszt, Rodin entre tantos outros.
O inferno na La Divina Commedia corresponde também a um desalinho do caminho certo que impede de ver o céu e as estrelas.
Nel mezzo del cammin di nostra vita mi ritrovai per una selva oscura ché la diritta via era smarrita.
(Numa tradução possível)
No meio do caminho desta vida vi-me perdido numa selva escura, solitário, sem sol e sem saída.
O purgatório, proposto aos arrependidos e com força para subirem os sete terraços, odisseia que define o local onde se expurgam os sete pecados capitais, e de novo Beatriz, a que purifica.
Depois o paraíso dividido em duas partes: uma material e uma espiritual. A primeira segue o modelo cosmológico de Ptolomeu e consiste em círculos formados por sete planetas, e quando o céu das estrelas fixas se expõe, no paraíso terrestre, Beatriz olha fixamente para o sol e ela e Dante começam a elevar-se até ele.
Aqui chegado Dante adquire uma nova capacidade visual e cristalina, passando a ter visão para compreender o mundo espiritual, e separando-se da própria Beatriz sente então o amor divino.
Tive a oportunidade de ver Dante Alighieri: Le più belle battute di Roberto Benigni a Firenze na passada sexta-feira.
De facto, no inferno os lugares mais quentes são reservados àqueles que escolheram a neutralidade em tempo de crise, como bem afirmava Dante. E com que motivação e sentimento Benigni no-lo transmite! Como agradecer a generosidade e a capacidade de Benigni e do seu próprio ser para connosco, em mais um acto inesquecível da sua arte de comunicar em excelência?
Impossível também não recordar Sophia de Mello Breyner que, na nossa opinião, tendo Dante nos olhos da alma, abre a luz do percurso iniciático e mantém-se num aqui onde escolheu viver, e na Carta aos Amigos Mortos
Nada me resta senão olhar de frente
Neste país de dor e incerteza
E quase geme Benigni neste torna a Sta Croce com TuttoDante e ainda recita com a esperança nos olhos que nos buscam
Oh, quão insuficiente é a palavra e quão ineficaz / ao meu conceito!
E como dizer de outro modo este beijo emozionato nello prima serata di TuttoDante? quando a criação da prisão moderna é local chamado liberdade?
Repito:
Signore, sono felicissimo di verdevi; però credo che il tempo cambi.
Ruben A. é um dos autores portugueses da segunda metade do século XX que melhor apresenta um assinalável sentido de modernidade, quer pela diversidade de temas e procedimentos de escrita, quer por uma subtil mas segura ligação entre o sentido crítico e um muito intenso culto da ironia. Recusando a integração numa escola, sente-se nele a melhor influência do humor anglo-saxónico e de uma busca séria e profunda de um sentido de pensamento. O escritor não se leva muito a sério, antes quer levar mesmo a sério a busca fragmentária de si mesmo. Dir-se-á, assim, que o espírito se sente nestas paragens no seu significado mais rico e amplo, como o olhar da vida com a melhor ironia e como a busca mais séria da dignidade.
UM TEMPO COMPLEXO E INSEGURO «Desintegro-me. Custou-me sempre participar do coletivo. Apoquenta-me a minha narrativa, sobretudo pela veracidade mordaz de que se revestem todos os meus atos. Tento disfarçar com imagens. Puxo as sargetas da alma, guindastro pelas roldanas do meu vaivém um peso de sentimentos misturados com banalidades do dia-a-dia. Não vou à praça fazer compras. Recuso-me terminantemente a tomar uma laranjada, ou um elétrico. Deixo que as pessoas olhem para mim, de caras com a minha imagem estampada, bem visível à vista desarmada». O texto de Ruben é de 1966 (Livraria Portugal) e intitula-se significativamente «O Outro que era Eu», sendo indicado como o paradigma de uma escrita preocupada com a dimensão humana nos dias de hoje e com o entendimento de que o lidar com os enigmas pessoais corresponde a uma tarefa fascinante, mas muito incerta quanto à compreensão do que é apreensível e não tanto na tentativa de compreender os outros. «Do oposto a tudo que era eu, que tanto me fez sofrer, durante anos, meses, séculos, eu passei à integração definitiva, total, absoluta dentro do próprio ser, processo que o consideraria como o início para novas descobertas». O que está em causa é a integração humana, a relação complexa entre os diferentes protagonistas… «O Outro que era Eu» leva-nos ao âmago da sociedade de hoje e de todas as suas dificuldades. Aqui notamos, com especial ênfase, como a modernidade é feita de pluralismos e de desdobramentos, e de uma procura incessante entre a autonomia e a comunidade, entre a fragmentação e a integração.
A HISTÓRIA VISTA COMO PRAÇA DE ENCONTROS Melhor do que ninguém, o saudoso Doutor Luís de Sousa Rebelo, muito experiente (com o saber todo de experiências feita), veio dizê-lo. No ensino da língua ainda para mais num leitorado tradicionalmente difícil, exemplo de inteligência crítica e de intuição literária, Ruben A. descobriu, na sua verve onírica, mas certeira, o fundo português, contraditório, paradoxal, entre a inserção cosmopolita e a tentação provinciana, entre o não se levar muito a sério e o formalismo mais inútil e caricato, sinal de decaimento, por contraponto a todos quantos também não se levam muito a sério e desejam confrontar-se com os horizontes largos e o sentido formalista de uma ancestralidade inútil e inexistente. Isso mesmo é evidente na extraordinária «Torre da Barbela», fantástica metáfora, à nossa história mercê de um alucinante método, de tornar o diacrónico sincrónico. «Não há dúvida, meu caro Ruben, V. logrou apresentar neste seu romance uma alegoria viva e bem sangrada no cerne do real da mentalidade portuguesa, sonolenta e fidalga em pleno século XX». Daí tratar-se de um romance que merece um lugar à parte da produção literária portuguesa dos últimos cinquenta anos». Para Sousa Rebelo: «a obra as supera (as eventuais reservas) na grandeza semi-épica da narrativa, na pintura muito bela da paisagem, dos costumes graciosos da gente e da terra e no calor muito humano, até em certo travo de angústia, que nos envolve irremissívelmente no destino das personagens. Ora isto é a pedra de toque de uma obra de arte, de uma grande obra de arte». O tempo, depois de algumas perplexidades, talvez não tenha ainda reconhecido plenamente, como deveria, a força da narrativa, mas fica-nos plenamente o reconhecimento de que se trata de uma psicanálise mítica, feita com um sentido forte e despretensioso, na qual podemos, a um tempo, reconhecer a genialidade do autor e da obra, ao conceber «A Torre da Barbela» como uma história que tem todos os ingredientes autênticos, ainda que a mistura propositada no «puzzle» nos permita revelar toda a sua complexidade e o paradoxo.
UMA CENTELHA DE GENIALIDADE Com um toque de genialidade e de inesperado, Ruben A. é capaz de juntar o talento artístico com uma rara capacidade de procurar perceber como a desconstrução romanesca pode permitir compreender melhor o que não é visível no início de tudo. Os volumes de «O Mundo à Minha Procura» são, é preciso dizê-lo, peças referenciais da literatura europeia contemporânea. E os leitores de Ruben A. tiveram a suprema ventura de poderem ter um grande escritor a decidir-se escrever memórias, quando aparentemente estaria imediatamente livre para além da tarefa ingente de fazer memórias críticas na flor da idade. Com efeito, poder contar com o fio condutor da autoria do próprio autor, com uma soma de talentos multifacetados, com a capacidade de compreender o mundo da vida, melhor do que ninguém, a partir de testemunhos coevos – tudo isso serve para demonstrar que temos a herança de alguém que tendo sido também investigador histórico (leia-se o que de fundamental que escreveu sobre D. Pedro V), pôde tornar-se na literatura portuguesa um ensaísta, um memorialista e um romancista de grande valia. O tempo se encarregará de o tornar cada vez mais evidente!
Faleceu Helena Cidade Moura, ilustre investigadora, pedagoga e cidadã empenhada. Com uma vida multifacetada foi Presidente do Centro Nacional de Cultura e dedicou a sua vida à Educação e à Formação, em especial no âmbito da luta contra o analfabetismo e da promoção da Educação para todos. Foi das mais importantes investigadoras sobre a obra de Eça de Queiroz, tendo nas comemorações do centenário da morte do autor de "A Cidade e as Serras" coordenado a acção do Ministério da Educação nessas celebrações. Cidadã activa, cristã assumida, deputada à Assembleia da República, é uma perda muito grande para a cultura portuguesa. Sou testemunha de que até ao fim da vida nunca deixou os seus combates fundamentais pela educação e formação permanentes! A Direcção do CNC apresenta sentidas condolências à família e homenageia a sua memória.
É sabido que a obra blakeana pressupõe diálogos com os discursos que a precederam, diálogos deste escritor da linhagem dos grandes visionários, com a sua essência íntima, com a sua própria visão da transcendência e da história usando os seus símbolos para questionar a estética da tradicional simbolização.
O Primeiro Livro de Urizen, edição bilingue, com tradução e apresentação de João Almeida Flor, é texto esclarecedor do quanto Blake é um fortíssimo percursor do romantismo, também por ver e interpretar a pobreza, a injustiça, a malignidade da sociedade que muitos se recusavam a admitir.
Este poeta e artista nasce em Londres em 1757 e inicia os seus estudos de desenho na The Royal Academy tendo escrito e ilustrado inúmeros livros incluindo o “Livro de Jó” da Bíblia. Registe-se que O Blacke Prize for Religious Art é entregue na Austrália anualmente em sua homenagem.
Os Livros de Urizen surgem por volta de 1790 numa actividade de fuga ao mundo indiviso da eternidade, e com essa acepção, o caminho de um perpétuo isolamento abre-se em jeito de profecia e numa ruptura inovadora
«Na fundura da minha solidão sombria
Na eterna morada, meu refúgio sacrossanto (…)
Reservado para os dias do porvir,
Busquei uma alegria de dor liberta»
Infelizmente a não tradicional publicação dos livros de Blake leva à consequência da sua raridade, o que agrava a dificuldade de lhe acedermos, ainda que seja mencionada pelos estudiosos de Blake a complexidade de a interpretar, na difícil correlação que o autor faz entre os deuses, os homens e as coisas.
As «Cartas de António Sérgio a Álvaro Pinto – 1911-1919», Introdução e Notas de Rogério Fernandes (Lisboa, 1972) são um precioso auxiliar crítico que permite compreender melhor a importância da revista «A Águia» (1910) e da «Renascença Portuguesa» (1912), autênticos alfobres dos principais movimentos intelectuais do século XX. Aí coexistiram em determinado momento os idealistas e os modernistas, os espiritualistas e os transcendentalistas, os poetas e os intelectuais políticos que acreditavam na recuperação das energias do país, numa fase nova da sua vida. Ao estudarmos o saudosismo, os dois modernismos (Orpheu e Presença), o impulso democrático-social (Seara Nova), o neorrealismo e a sua superação, a heterodoxia dos ensaístas (desde Joaquim de Carvalho e Sílvio Lima a Eduardo Lourenço), a rica poesia do século XX, até o surrealismo (Cesariny e O’Neill) – podemos encontrar uma raíz multímoda neste impulso entusiasmante da «Renascença»! E Álvaro Pinto (1889-1957) merece uma referência especial, como verdadeiro animador desse movimento fundamental.
Símbolo da Renascença Portuguesa (de António Carneiro)
RENASCENÇA PORTUGUESA COMO DESÍGNIO Neste ano em que corre o centenário da «Renascença Portuguesa» cabe proceder-se a uma análise rigorosa sobre o papel desempenhado por esse importante movimento intelectual no século XX português. Cumpre dizer, antes do mais, que a revista «A Águia» (lançada por Álvaro Pinto a 1 de dezembro de 1910) e a «Renascença», formada dois anos depois, abriram caminhos múltiplos. Entre os diversos intervenientes – Pascoaes, Cortesão, Raul Proença, Leonardo, Sérgio, Pessoa – temos leituras e atitudes diferentes, que permitem ler desde a interpretação providencial à visão racional da história pátria e dos seus desígnios. Contudo, há uma vontade comum de emancipação e de libertação relativamente ao atraso nacional. Dir-se-ia que a vontade libertadora de Alexandre Herculano e o gosto de Garrett pelas raízes se evidenciam. No dealbar do movimento Pascoaes e Proença apresentam duas leituras diversas, mas devemos considerá-las complementares. Pascoaes fala de «provocar por todos os meios de que se serve a inteligência humana o aparecimento de novas forças morais orientadoras e educadoras do povo que sejam essencialmente lusitanas». Proença prefere «pôr a sociedade portuguesa em contacto com o mundo moderno, fazê-la interessar-se pelo que interessa aos homens lá de fora, dar-lhe o espírito atual, a cultura atual, sem perder nunca de vista, já se sabe, o ponto de vista racional e as condições, os recursos e os fins nacionais». São diferentes os dois pontos de vista, mas há uma nítida convergência – daí a palavra Renascença, como ato de reviver e de avançar. A síntese indicou-a Jaime Cortesão: «dar conteúdo renovador e fecundo à revolução republicana». De facto, há uma ideia moderna de mobilizar energias, de fazer aparecer forças morais e educativas e de abrir a sociedade ao mundo moderno. É por isso mesmo que a «Renascença» segue as pisadas das tradições liberal e socializante da Geração de 70, relendo-as à luz das preocupações do novo século – e, nesse ponto, como bem viu o próprio Fernando Pessoa, em «A Nova Poesia Portuguesa» (publicado entre abril e novembro de 1912 em «A Águia»), Antero de Quental é símbolo da maturidade moderna, que será assumida em termos novíssimos pela geração que criará «Orpheu». Mais do que uma tendência espiritualista, centrada na consciência, Pessoa diz-nos relativamente à «poesia transcendentalista» que estamos «em Portugal e em plena descrição da poesia de Antero» - «se o transcendentalismo sob forma de emoção começou entre nós, entre nós deve continuar. Vejamos, pois, se a sua forma mais alta e complexa, o transcendentalismo panteísta foi acaso atingida já». Note-se como se encontra uma ponte entre a intuição moderna de Antero e a preocupação com o tempo largo do primeiro modernismo português. Acontece, porém, que Antero foi mais do que poeta, mas sim um finíssimo analista do tempo e da história, o que só os poetas valorizam. No fundo, é no seio da «Renascença», na sua diversidade de poetas e homens atentos à história, que se sente o grande debate da cultura portuguesa, entre espírito e razão.
AS RESERVAS SERGIANAS António Sérgio, sobretudo preocupado com a história, dirá a Álvaro Pinto: «as acusações que faço à Águia são as seguintes: o exclusivismo da igrejinha, a inconsistência e a autolatria pascoalesca e o elogio mútuo» (s. d., 1912-13). De facto, se Fernando Pessoa salienta o transcendentalismo panteísta como elemento de ligação, capaz de integrar Pascoaes e Cortesão, Sérgio demarca-se do saudosismo poético e salienta a componente racional (na linha de Herculano e dos homens de Setenta); contudo, há uma preocupação comum que tem a ver com a ação pedagógica e educativa: «Estou de acordo com os meus consócios nesta tese geral: cumpre que nos dediquemos a educar o povo; mas discordo da determinação das qualidades que é preciso inculcar no nosso povo» (1914). O ensaísta não deseja uma educação nacionalizante, mas prefere avançar com uma pedagogia aberta e cosmopolita. Eduardo Lourenço propor-nos-á uma chave capaz de ligar as diferentes componentes da «Renascença Portuguesa», articulando nitidamente Antero de Quental e Fernando Pessoa e procurando ler os mitos à luz da crítica racional. Lembremo-nos de que Adolfo Coelho criticará duramente a posição de Pessoa, subsumindo-a à de Pascoaes. O autor de «O Labirinto da Saudade» aproximar-se-á heterodoxamente de Pascoaes, ao interrogar os mitos e ao procurar lê-los e desconstruí-los criticamente. Na linha de Oliveira Martins, considerado por José Marinho como filómita, e que entendeu o sebastianismo como prova póstuma da nacionalidade, E. Lourenço concede especial importância aos mitos, como instrumentos de análise e crítica. A partir da aproximação crítica a Pascoaes, Lourenço pôde compreender melhor Pessoa – não tanto como o mito, mas como «um criador de mitos, que é o mistério mais alto que pode obrar alguém da humanidade». Onde Pascoaes é retrospetivo, Pessoa torna-se prospetivo. E é a atitude heterodoxa de Lourenço que permite integrar a atitude educativa de Sérgio – para quem a crítica era a «broca da análise» (para usar a expressão de Mouzinho da Silveira). De facto, a «Renascença Portuguesa» foi uma placa giratória de diversas modernidades diacrónicas, que E. Lourenço procurou articular, colocando o nosso primeiro modernismo como uma espécie de revelador, capaz de destacar os diversos vértices de um fecundo diálogo. E mesmo quando Lourenço afronta Sérgio como «mito cultural» fá-lo salvaguardando a força maior do autor dos «Ensaios», ou seja, o seu contributo crítico fundamental. E neste ponto se encontram três dos maiores ensaístas portugueses do século XX: António Sérgio, António José Saraiva e Eduardo Lourenço. Para todos, é o primado da crítica o fator fundamental de emancipação intelectual e cívica.
UMA IMPORTANTE PONTE INTELECTUAL Não por acaso, António Sérgio, em dado momento do seu envolvimento em «A Águia», propôs a Álvaro Pinto (verdadeiro elemento aglutinador e promotor das forças comuns da «Renascença» inicial) que pedisse ao pintor António Carneiro que fizesse para a Biblioteca de Educação o desenho de uma vinheta com as palavras «Trabalho e Autonomia» e com a efígie inspiradora de Alexandre Herculano. Emblematicamente, a primeira obra a ser publicada na coleção seria a «Carta aos Eleitores de Sintra». Afinal, mais importante do que a reserva relativamente aos poetas (Pascoaes e Pessoa) o fundamental para o ensaísta era a procura de um instrumento educativo que pudesse ser eficaz, chegando ao povo. A célebre «Educação Cívica», tão justamente lembrada, foi, aliás, publicada em «A Águia» (de junho a novembro de 1914). O mais da história é conhecido, enquanto Pessoa se afastará cedo da «Renascença» (1915), magoado pelo atraso na publicação de «O Marinheiro», Sérgio continuará a colaborar, até encetar em 1918 a fugaz experiência de «Pela Grei»…
«Utopie et Désenchantement» («Utopia e Disincanto») de Claudio Magris (L’Arpenteur, 2001) é uma extraordinária viagem literária e ética pelas obras de Goethe, Hermann Hesse, Hermann Broch, Thomas Mann, chegando a Vitor Hugo, Tagore, Nietzsche, Dostoievski, Jünger, Hannah Arendt, Pasolini e Montale. Trata-se de interpretar o tempo presente, compreendendo que «utopia e desencantamento, mais do que se oporem, devem apoiar-se e corrigir-se mutuamente. O fim das utopias totalitárias só é libertador se for acompanhado da consciência de que o bem, prometido e não realizado por essas utopias, não deve ser ridicularizado, mas procurado com mais paciência e modéstia, sabendo-se que não há qualquer receita definitiva».
QUE IDENTIDADE?
«A identidade não é um dado rígido e imutável, é fluida, é um processo sempre em evolução, na qual nos afastamos continuamente das suas origens como o filho que deixa a casa de seus pais, regressando pelo pensamento e pelo sentimento, é alguma coisa que se perde e que se renova, num movimento incessante de partida e de regresso». Claudio Magris vai ao âmago do tema da identidade, que tanto ocupa a reflexão contemporânea. Perante a crise financeira, cujos efeitos sentimos duramente, torna-se necessário compreender que a tentação do fechamento e do protecionismo ao aparecer constitui um dos grandes erros que podem ser cometidos na atual conjuntura. Se nos lembrarmos do que aconteceu na Europa nos anos trinta do século passado depressa descobrimos que então houve quem pensasse que o confinamento nas soluções nacionais constituiria uma saída. Por outro lado, explorando a via dos particularismos e das identidades fechadas criaram-se as condições para a agressividade sem regulação dos nacionalismos agressivos. E chegou-se ao paradoxo de entender que uma suposta superioridade cultural legitimaria a violência e a dominação. Não é preciso explicar onde nos conduziu essa via. Quando a guerra geral destruiu o mundo ou quando o extermínio permitiu a morte de milhões de pessoas, pôde perceber-se que uma cultura de paz exige abertura e respeito mútuo bem como a perceção de que a dignidade universal das pessoas assenta na possibilidade de aceitar a imperfeição, a diversidade e o pluralismo. Hoje, porém, uma certa indiferença e um forte esquecimento determinam que se considere que a liberdade, a democracia e a paz são bens definitivamente adquiridos para o futuro. Assim também se pensou no início do século XX, julgando-se que a paz perpétua estava ao alcance da história contemporânea.
DESENCANTAMENTO E IMPERFEIÇÃO Ao falarmos de imperfeição e de diversidade há quem tema a emergência do relativismo ético. Popper e Isaiah Berlin desmitificaram esse entendimento. São a abertura, a heterodoxia e o pluralismo que põem na ordem do dia o respeito dos valores humanos, a começar na dignidade pessoal de todos. É que ao falarmos de todos, estamos a pôr os valores fundamentais não na categoria de abstrações, mas como realidades encarnadas nas pessoas concretas. A identidade é o que distingue e o que caracteriza. A história não é um absoluto, é uma relação humana complexa, de incertezas, de dúvidas e de desígnios. Generosidade e egoísmo, heroísmo e cobardia, sentimentos nobres e perversos – eis aquilo com que sempre nos confrontamos, num diálogo com a natureza e a sociedade. A identidade é tanto mais rica quanto melhor se tornar fator de enriquecimento na relação com os outros. Estamos diante de um processo sempre em evolução. E assim afastamo-nos das nossas origens e seremos mais fiéis a elas se as pudermos enriquecer. As fontes serão tanto mais fecundas e vivas quanto mais derem lugar ao caminho baseado na liberdade e na autonomia e à síntese entre a história e a vontade de emancipação e de justiça ou a capacidade para lidar com a incerteza. Uma identidade viva e aberta vai perdendo algo e ganhando muito, designadamente na dialética entre a hospitalidade e a hostilidade, assegurando que esta não ocupa o lugar daquela. Edgar Morin tem apelado ao conceito de metamorfose, integrando a complexidade e a abertura, a singularidade e a cooperação. Há, de facto, um movimento incessante de partida e de regresso. O nosso Eduardo Lourenço salienta-o com especial ênfase, pondo essa dualidade no centro da sua heterodoxia. Isso é, de facto, particularmente evidente na cultura portuguesa: baseada num melting-pot de muitas diferenças, de mil encontros e desencontros, da sede de aventura e de busca da incerteza, de contradições entre a crença e a desilusão, entre a vontade e a dúvida. «O sonho verdadeiro, diz Nietzsche, é a capacidade de sonhar sabendo-se que se sonha». Este é o tema fundamental da literatura e da criação cultural, como sabemos bem, por exemplo, com Calderón de la Barca.
O LUGAR DA FRONTEIRA Hoje, falamos do projeto europeu. Houve quem julgasse ver aí uma saída prometedora para muitos dos bloqueamentos encontrados. Contudo, as nuvens negras acastelam-se no horizonte. Houve e há quem confunda esse projeto com a criação de uma superidentidade, que projete outras identidade particulares, mas também outras frustrações. As fronteiras são linhas de distinção e de aproximação. Verdadeiramente, não estamos a criar um superestado ou uma identidade de substituição, mas um projeto de equilíbrios e complementaridades. A identidade europeia não pode ser feita de certezas e de uma lógica de predomínio ou de decadência (já que os extremos se tocam). Como vemos nos dias que correm, coexistem sinais contraditórios: os egoísmos nacionais ligam-se à ideia de fortaleza europeia, com duas velocidades de ricos e pobres, de virtuosos e pecadores. Não se pense, por isso, nos riscos de conflito ou de guerra apenas em território europeu. O mundo está globalmente incerto e perigoso. Utopia e desencantamento completam-se – exigindo racionalidade e emoção. «Nas épocas de crise (diz Magris), como as vividas por Virgílio ou por Broch, a poesia revela sobretudo a necessidade de ir ao fundo da crise, de percorrer o caminho no deserto e no vazio até levar apocalipticamente até ao fim a destruição do mal e com ele do mundo antigo, que deve morrer a fim de que messianicamente possa chegar o bem e nascer o novo». E o autor fala de poesia, de literatura em geral, mas fala sobretudo de liberdade e de sentido crítico – mas também de ironia: «a grandeza de Erasmo é a simbiose que opera entre fé e ironia, q1ue se ajudam mutuamente e que ajudam a viver». Todos estes temas ganham atualidade. Os valores carecem de hierarquia. Falar de humanismo universalista é pôr em marcha um novo conceito de organização internacional capaz de ligar legitimidade, legalidade (os valores frios de que fala Bobbio), o equilíbrio político e o desenvolvimento humano. A identidade, as raízes, os fundamentos originais – aí estamos perante noções que não podem ser esquecidas nem absolutizadas. Por isso o universalismo deve completar o cosmopolitismo. Não basta substituir o exclusivismo nacional ou tribal por um entendimento difuso de uma terra de ninguém. O cosmopolitismo, para ser coerente e pertinente, precisa de ser enraizado nas diferenças, sob pena de ser indiferenciador e de não se constituir como integrador da paz. Lembrar a importância das raízes é torná-las marcas de compreensão e de respeito. Falamos de compreensão no sentido de entendermos a comunidade como um lugar de diferenças. Referimo-nos ao respeito como capacidade de tornar o outro um natural complemento de nós. E a Europa como utopia referencial (e como comunidade plural de destinos e valores) tem de ser tornar um lugar de compreensão e respeito. Nesse sentido (na expressão de Miguel Abensour) é preciso colocar a utopia do lado do sonho e não da ilusão. De facto, A Europa plural deverá «estabelecer um quantum imprescritível de universalismo ético, que não poderemos sacrificar em caso algum».
Passou um ano desde que nos deixou Maria José Nogueira Pinto.
Não podemos esquecer a personalidade militante e fascinante de várias causas e o exemplo de independência de que nos foi dando provas extraordinárias. Lembramo-nos da força espiritual que nos deixou no momento da partida. Lembramo-nos do seu empenhamento pelas causas da justiça e da sociedade. Lembramo-nos da atenção aos temas culturais: o património material e imaterial, defesa do artesanato das Caldas da Rainha, a criação contemporânea, a língua portuguesa e os diálogos lusófonos. Nada lhe era estranho. Na Prova dos Quatro (com a Maria João e o João Amaral), que btivémos anos a fio na Renascença entrava sempre no mais animado da liça, em se tratando de tema que se prendesse com a dignidade das pessoas, com a verdade e a justiça custasse o que custasse. Pelo cuidado, pela atenção,pelo compromisso, pelo saber sempre de experiências feito - Maria José combatia ativamente a indiferença! Esta bem presente em todos nós!
A história da literatura japonesa também se encontra dividida em vários períodos. O período Heian nome da capital da época, Heian-Kyo, actual Kyoto foi marcado especialmente pela poesia. No Japão – final do sec. VIII até ao final do sec. XII - a forma poética tanka brilhou pelas mãos de duas mulheres: Izumi Shibiku e Ono No Komachi, ambas pesos raros na fixação do japonês como língua poética.
Apesar de a escrita chinesa (kanbun) continuar a ser a língua oficial do período Heian, esta poesia originou o desenvolver da literatura japonesa.
O tanka ( de 31 sílabas) que dá lugar ao haiku (de 17 sílabas e inicialmente masculino)constituem uma arte do olhar e do interpretar, e o haikai, igualmente forma poética, busca pela subtileza uma unidade compacta entre impressão e realidade que na sua concisão tudo devem dizer.
Recordo que num livro quis prestar homenagem a esta conciliação e por entre outros Hai-Kai o arriscado
Quando tardas
Adio o essencial.
Há quem afirme que esta escrita representada pelos tankas é inscrita por signos, tal a lenda na história de tão fortificada e contida arte.
De salientar que a consciência religiosa e erótica de Komachi e Shibiku permite-nos avaliar, o quanto estes tempos foram igualmente marcantes na liberdade e cultura das mulheres, sendo aceites sem reparos os seus múltiplos casos amorosos, bem como a sua independência monetária podendo usufruir de rendimentos próprios.
A sensualidade proverbial desta poesia relata-nos conversas, actos ou omissões auspiciosos no papel da interpretação da vida e da própria política, avaliada pelo sentir gracioso destas mulheres de pincel da escrita, que assim registaram as emoções humanas face ao mundo.
Izumi Shikibu uma das mais importantes figuras da Literatura japonesa era uma rebelde social determinada a viver a vida sem receios, e, num misto de eros e de meditação budista escreveu:
Costumava dizer dos homens: «como é poético»,
Mas agora sei
Que o erguer da madrugada é apenas cansativo.
E Ono No Komachi mulher astuta na intuição da impermanência do ser, escreve
Quando o meu desejo se torna intenso de mais,
Visto a roupa de dormir virada pelo avesso.
Aqui a poetisa segue o velho costume japonês de virar a roupa ao contrário para que os desejos se cumpram.
E também eu vesti roupa do avesso tentando aproximar-me, e no meu livro
A outra ponta de mim tens tu. Mostra-me o futuro!
Enfim, não creio que exista uma versão portuguesa dos tankas, menos ainda uma tradução, talvez antes uma aproximação, mas de referir que em 2007 a Assírio e Alvim ajudou-nos no à deriva em relação a este género literário.
pois como dizer
Os vivos vão sendo menos(…)o luar derramado espreita
Então, talvez atentar a Jane Hirshfield que nomeia o sentir destes textos japoneses como único «leap of faith».