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Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

«A verdadeira vida está ausente.» Mas nós estamos no mundo, digo.

 

Emmanuel Levinas foi sempre fiel à fidelidade que assegura no seu discurso escrito a possibilidade viva de nele entrarmos. Assim quero referir com destaque, a sua capacidade de colocar a escrita à prova do instante, e a que, verdadeiramente, muito da coragem da modéstia, aporta.

 

Como filosofo e na exacta qualidade de conhecer o poder da cultura inculta, Levinas atenta à necessária capacidade de transmissão da palavra escrita, para nos convidar, nomeadamente, à porta de Husserl e Heidegger ou a Dostoievski.

 

Nasce Levinas na Lituânia em 1906 e em 1930 naturaliza-se francês, sendo professor de filosofia em várias Escolas como a Sorbonne; abraço-laço indestrutível entre ética e infinito.

 

Devo referir que sempre me permiti aceder a que, se a mais autêntica identidade da pessoa, está ligada à responsabilidade com o outro, como entendia Levinas, certo é que sempre a escrita me colocou este raciocínio como um indispensável percurso até quem nos lê.

 

A obra de Levinas transmite, como é sabido, o alerta de uma emergência ética de se repensar os caminhos da filosofia a partir de um novo prisma, mas incluindo o rei deposto de todas as palavras cuja relação seja de ressaca com elas próprias, ou incontidas de coisa nenhuma.

 

De facto, muito do que existe é estorvado por tudo quanto a ausência domina.

 

(…)deitaram chumbo fundido na água debaixo das estrelas e as fogueiras podem arder


como refere Yorgos Seferis no seu poema. E bem se entende o quanto estas palavras de Seferis podem ter similar conteúdo às de Levinas quando referem que a estrutura do carácter de um valor resulta de uma atitude específica da consciência.

 

Surge-nos assim uma clara concretização de uma literatura de Levinas, como um atravessar de uma certa escrita, que tem porto e mar em quem a lê.

A importância de duas breves obras suas De léxistance a l’existant e Autrement qu’être, bem nos acodem a este estar no mundo com uma vida ausente, tão ausente que nem a ilusão de que despertamos para o outro, é fonte de sentido.

 

Mas nós estamos no mundo, digo.

 

E em rigor, a escrita nunca poderá ser a imagem de uma caridade. A escrita também nunca pode ser temor ou sanção. A escrita tem de ter sempre uma responsabilidade por outrem, uma rectidão, uma verticalidade, um dar ao servir, e nunca deixar outrem sozinho, ainda que seja perante o inexorável.

 

Assim me incumbi e entendo-o como encargo da suprema dignidade do único.

 

Hoje, é deste modo que proponho o ângulo de leitura de Emmanuel Levinas: da vida ausente ao estarmos no mundo, pode ir tão só, o laço indestrutível no cuidado de um hífen.

 

Teresa Vieira