COISAS DA CHINA...
"A terra da China produz todos os bens em abundância:porque deveríamos então comprar no estrangeiro pacotilha sem interesse?" - perguntava o imperador Ming Zhu Gaozhi (1425-26), justificando o termo brutalmente imposto às expedições ultramarinas iniciadas pelo eunuco muçulmano chinês Zheng He (1371-1433) sob o imperador Ming Yong Le (1360-1424), que terão possivelmente levado naves chinesas a dobrar, em sentido contrário, antes dos portugueses, o Cabo da Boa Esperança. Durante três décadas, de 1405 a 1433, Zheng He terá comandado sete expedições que chegam à Arábia e África Oriental, provavelmete até Sofala, tocando em caminho a Malásia, a Indonésia e a Índia. Algumas das esquadras compõem-se de mais de duzentos navios, transportando quase trinta mil homens e muitas mercadorias: sedas e porcelanas,etc...que se trocam por essências, resinas e madeiras, jade... Mas não os move a procura obsessiva do ganho, nem o proselitismo religioso que "empurraram" as descobertas europeias. Como diz Joseph Needham: "os chineses não procuravam contornar uma grande civilização estrangeira que se situasse no caminho das suas rotas comerciais; interessavam-se por objectos estranhos, por raridades e pela percepção de tributos de princípio, mais do que por qualquer tipo de comércio; não eram movidos pelo proselitismo religioso, não construíam fortes nem fundavam colónias. Durante menos de um século verifica-se a sua presença e, repentinamente, deixaram de aparecer e a China regressou à sua vocação agrícola voltada para o interior". Se a exaustão dos cofres do Estado, pelas elevadíssimas despesas com a construção do grande canal de união dos dois grandes rios, com a mudança da capital do sul (Nanjing) para o norte (Beijing) e a edificação da Cidade Interdita foram, tal como o custo das expedições ultramarinas, um factor de peso na terminação destas últimas, já o facto de Zhu Gaozhi, sucessor de Yong Le, e sobretudo Zhu Zhanji terem mandado destruir todos os navios, cartas e mapas, como tudo o que servisse à navegação, bem como proíbido sob pena de morte qualquer viagem ou contacto com o estrangeiro,reflecte uma política deliberada de regresso a um confucianismo agrário de seclusão do Império do Meio. Como se lê no "Livro dos Documentos": "Nós reinamos sobre tudo o que vive debaixo do céu, pacificando e governando os Chineses e os bárbaros com a mesma bondade e sem distinção entre o meu e o teu... E não há lugar algum em que não se tenha ouvido falar dos nossos costumes e admirado a nossa civilização!". Em 8 de Novembro próximo,o Comité Central do Partido Comunista Chinês inicia o seu XVIII Congresso. Tema central das discussões e dcisões políticas será o ritmo de crescimento do PIB e o próprio modelo económico do Império do Meio. O frenesi e a rapidez de grandes investimentos e obras tem sido posto em causa, não só por razões de ordem financeira, económica ou social, mas pela qualidade e segurança das mesmas. Assim, num jornal de Hangzhou, escreve Tong Dahuan: "Ó China,abranda o passo, deixa de correr a toda a velocidade! Espera um pouco pelo teu povo, espera um pouco pela tua alma! Espera um pouco pela tua moral! Espera um pouco pela tua boa consciência! Não deixes que os comboios descarrilem, nem que as pontes se abatam, nem que as estradas se transformem em ratoeiras e as casas se tornem perigosas! Abranda, para que todos os cidadãos cheguem sãos e salvos ao seu destino, para que a liberdade e a dignidade de todas as vidas humanas sejam respeitadas e para que nenhum cidadão fique de fora da sua época!". E todavia a taxa de crescimento do PIB será, em 2012, de 7,5%, ou seja, quase metade da de 2007! Das suas componentes, baixam o investimento e as exportações, começa a crescer o consumo interno. Um dos intelectuais mais críticos e respeitados do Partido, Deng Yuen, escrevia há pouco: "O cerne do problema do abrandamento é que a China desenvolveu uma economia voltada para as exportações e assente numa mão de obra e em recursos baratos, ao ponto de já não ser capaz de encaixar o choque externo provocado pela recessão económica mundial". Por isso, apela a uma transformação do modelo de crescimento,designadamente quanto à orientação dos investimentos públicos para o bem estar dos cicadãos, e não já em sectores industriais com capacidade excedentária. Mas também reclama um Estado de direito, a democratização e a reforma da vida política. Que farão os sucessores de Hu Jintao e Wen Jiabao, cujos nomes conheceremos oficialmente já neste Novembro? Da China, como vimos pelo exemplo exposto no início do presente texto, tudo se pode esperar. Mas uma certeza temos: grande ou pequeno, qualquer país terá de se pensar hoje como parte de um mundo global. Pelo que a política e a diplomacia se deverão preocupar e ocupar, menos com manobras, e mais, muito mais, com a afirmação e partilha de valores e princípios de convivência e acção.
Camilo Martins de Oliveira