Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

Blogue do Centro Nacional de Cultura

Um espaço de encontro e de diálogo, em defesa de uma cultura livre e pluridisciplinar. Estamos certos de que o Centro Nacional de Cultura continuará, como há sete décadas, a dizer que a cultura em Portugal vale a pena!

UNIÃO EUROPEIA , PRÉMIO NOBEL DA PAZ

                             

   Trois et deux font cinq. Cinq et sept douze. Douze et trois quinze.(…) Ouf ! Ça fait donc cinq cent un millions six cent

(…) Cinq cent millions de quoi ?

(…) Cinq cent un millions de…je ne sais plus.

(…) Et à quoi cela te sert-il ?

(…) Ça me sert à être riche.

(…) Le petit prince avait (…) des idées très différentes des idées des grandes personnes.

Quelle drôle de planète ! (…) et les hommes manquent d’imagination.

(…) Tu n’es pas d’ici ? (…) que cherches-tu ?

Je cherche les hommes.

(…) Les hommes (…) ils ont des fusils et ils chassent.

Non (…)je cherche des amis.

(…)ah ! les hommes n´ont plus le temps de rien connaître.

Vous n’ êtes pas du tout semblable à ma rose. On ne peut pas mourir pour vous. (…) ma rose à moi est plus importante (…) puisque c´est elle que j´ai arrosée. Puisque c´est ma rose. L´essentiel est invisible pour les yeux.

C´est le temps que tu as perdu pour ta rose qui fait ta rose si importante.

Les hommes ont oublié cette vérité (…) et tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.

C´est là un bien grand mystère.

Le petit prince enferme ça fleur toutes les nuits sous son globe de verre (…) et toutes les étoiles rient doucement.

Tu sais…ma fleur…j´en suis responsable !

 

 

 

Eu também sou responsável por escutar as estrelas. As estrelas do céu ou de uma bandeira. E que se não esqueça o quanto trabalhar para a esperança é tão necessário como a água que se dá à rosa que é parte do mundo.

 

Teresa Vieira

LONDON LETTERS

The Great Fire, 1834

 

Em 1789 soara o alerta quanto a perigo maior envolvendo Westminster. Um relatório subscrito por 14 distintos arquitetos avisa do alto risco de incêndio. John Soane reitera ciclicamente a advertência das vésperas de uma colossal catástrofe com repercussões nacionais, mas os resguardos decididos por comissão de MPs variam entre a dolosa indiferença e a negligente insignificância. – Oh, Mon Dieu de la patrie! O fogo regressa, pois, ao political heart de London; repete-se a mega calamity testemunhada em 1666 por Samuel Pepys, na devastação outrora iniciada na loja de Thomas Farynor, baker to King Charles II. Pior agora, porém: a combustão deflagra nas 800 years’ Houses of Parliament. As chamas devoram os inflamáveis edifícios do Old Palace e muito da história institucional do reino e do império britânico se perde na longuíssima noite de 16 de outubro de 1834. A magnitude do desastre logo suscita questões várias. Fora o great fire acidental ou voluntário? Mão de Deus ou de quem? – Many thought a divine retribution on politicians! O terrificante choque dos londoners só compara com o Blitz de 1940-41. 

Caroline Shenton recorda a marcha dos eventos em livro recente, a partir dos testemunhos à data registados sobre the day Parliament burned out (OUP, 2012). A bola de fogo é avistada quer pelo King and Queen em Windsor, quer pelos stagecoachers no topo de South Downs. Uma enorme multidão enche as ruas, including Lord Melbourne, the prime minister, and many of his cabinet, todos se aglomerando até às pontes de Vauxhall, Waterloo e Blackfriars, ao longo do rio Thames, to witness the spectacle. O vento e os heroic efforts by firefighters and civilian volunteers salvam Westminster Hall e a Jewel Tower, preservando a continuity of Parliament. Mas os danos são vultuosíssimos. Afinal, azar ou estupidez? Duas décadas depois ainda Charles Dickens (Speech to the Administrative Reform Association, 1855) extrai lições da destruição e da imprevidência humana que lhe servira de rastilho: “The sticks [of the Exchequer] were housed in Westminster (...). It came to pass that they were burned in a stove in the House of Lords. The stove, over-gorged with these preposterous sticks, set fire to the paneling; the paneling set fire to the House of Commons; the two houses were reduced to ashes; architects were called in to build others; and we are now in the second million of the cost thereof.” 

Se em 600s cabe a Charles II munir London com buildings of brick and wider streets, em 800s é a Queen Victoria a reinventar o planeamento da city. Os resultados dizem da mudança na rulership. Face às 9000 casas e edifícios públicos completados em 1671, ergue-se em 1844 o Barry and Pugin's monumental new Palace of Westminster que cedo assiste às class wars, e outras, onde pontuam as ideias e os argumentos de um Mr Peel, Mr Gladstone ou Mr Palmerston. Sob os icónicos halls, lobbies et al repousam agora as ruínas do paço que emoldurara acontecimentos dramáticos como os julgamentos de Sir Thomas More e do Gunpowder Plot, a resistência de Charles I aos Commons e a luta de William Wilberforce pela abolição da escravatura, e mesmo o assassínio do Prime Minister Spencer Perceval em 1812. Trata-se do first and greatest Victorian building – um símbolo da British nation, em cujas institutions e club houses se manufatura o Parliament business. 

Ora, os vitorian values andam em alta nos public affairs. Além do omnipresente culto a Jane Austen (o Janeeism), eis os líderes partidários inspirando-se no pensamento político de Benjamin Disraeli para enfrentar a austerity age. Com as atenções centradas nos party games dos Lib-Dem em Brighton, do new-what Labour em Manchester e dos old-newest Tories em Birmingham, observa-se que, nos discursos às hostes de fiéis, só Mr Ed Miliband menciona 44 vezes o conceito “one nation” como diretriz na resposta às dificuldades. Já em London, o governo de Mr David Cameron e Mr Nick Clegg prepara um inflamável pacote de £10bn em welfare cuts. – Hmm! Hard times ahead!

 

St James, 9th October

 

Very sincerely yours,

 

V.

A VIDA DOS LIVROS


de 15 a 21 de Outubro de 2012

 

«Nacionalismo e Patriotismo na Sociedade Portuguesa actual» (IDN, s.d., 1988) é um conjunto de ensaios escritos sobre um inquérito de opinião lançado o tema para os cidadãos em geral, sob a coordenação do General Pelágio Castelo Branco. Estamos perante um rico conjunto de reflexões, de Eduardo Lourenço, António Quadros, J. M. Silva Pinto e Manuel Braga da Cruz, que ainda hoje merecem uma leitura atenta.

 

 

CULTURA E DESENVOLVIMENTO HUMANO
A cultura é um elemento fundamental que ganha uma importância crescente, uma vez que significa a resposta positiva à prevalência da ilusão materialista e especulativa da sociedade política e dos mercados financeiros, que ocupou o lugar da criatividade social e económica – com a ênfase no valor e não apenas no preço. O desenvolvimento humano, que os últimos anos têm estudado, quer a partir da noção de capital social (de Putnam) quer de acordo com a investigação sobre a justiça (de J. Rawls, Amartya Sen e Michael Walzer) obriga a encarar de um modo atento à integração e à complexidade a criação económica como constituição de valor humano. A paz, a segurança, a coesão económica, social e territorial, a confiança, o respeito mútuo, a preservação das diferenças, a liberdade, a igualdade, a responsabilidade, a afirmação das identidades como realidades abertas à cooperação e à troca – são elementos que têm de ser considerados quando falamos do conceito integrado de defesa nacional nas sociedades contemporâneas. Num caso como o de Portugal, o tema merece uma especial atenção, considerando uma História multifacetada de abertura, de absorção de diferentes influências e de projeção global no mundo. Em virtude de uma sucessão multissecular de acontecimentos, a cultura portuguesa tem uma base europeia, mas ramifica-se como influência e como língua comum pelos cinco continentes, com mais de duzentos milhões de falantes. Estamos, pois, perante um pequeno país com ramificações globais equiparáveis às de uma grande potência. É assim desadequado o debate sobre qual o centro de gravidade do português, colocado em termos de alternativa entre a Europa e a chamada lusofonia. Antes do mais: (a) historicamente, Portugal nasceu na Europa, como um Estado que precedeu a Nação (o que tem sido referido pela moderna historiografia, bastando citar, entre outros, de Alexandre Herculano a José Mattoso; (b) o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo constituem elementos essenciais para a caracterização estática e dinâmica da realidade portuguesa (como no-lo ensinou Orlando Ribeiro); (c) A génese da lusofonia tem a ver com uma singular complementaridade entre uma sociedade antiga de base europeia, que se prolonga num conjunto diversificado de Estados, nações e comunidades espalhadas perlo mundo, caracterizados pela diversidade cultural e por estarem ligados entre si através de laços históricos, sociais e linguísticos; (d) a identidade portuguesa caracteriza-se, deste modo, pelas suas diferenças e complexidade, a partir da convergência de múltiplas influências (a começar na razão de sermos a finisterra peninsular e europeia) e da dispersão extraeuropeia, iniciada com a vaga dos descobrimentos e prosseguida nas vagas migratórias dos últimos séculos; (e) neste sentido, estamos perante uma identidade aberta que ganhou sempre que recebeu diversas influências e que decaiu quando se fechou, como ocorreu em parte do século XX.

 

UMA IDENTIDADE ESTÁVEL
Essa identidade manteve uma evidente estabilidade ao longo dos séculos (a partir sobretudo dos séculos XII e XIII) caracterizada pela inexistência de conflitos étnicos, religiosos ou linguísticos e pela mobilidade inter-regional. A verdade é que estas considerações carecem de uma análise cuidadosa, uma vez que há uma ciclotimia congénita que não deve ser esquecida e que se manifesta a cada passo. É, aliás, curioso lembrar o que Jorge Dias afirmou no seu célebre ensaio sobre a identidade portuguesa: «No momento em que o português é chamado a desempenhar qualquer papel importante, põe em jogo todas as suas qualidade de ação, de abnegação, sacrifício e coragem, e cumpre como poucos. Mas se o chamam a desempenhar um papel medíocre que não satisfaz a sua imaginação, esmorece e só caminha na medida em que a conservação da existência o impele. Não sabe viver sem sonho e sem glória». O ensaio de Jorge Dias é fundamental e não pode ser esquecido, mas carece de atualização, para que não seja lido pelo lado da simplificação, que não está na atitude essencial do seu autor. Perante as dificuldades vividas no contexto da crise financeira internacional dos dias de hoje, torna-se bastante evidente que a conclusão «não sabe viver sem sonho e sem glória, merece um alerta crítico. É que o sonho muitas vezes torna-se ilusão perigosa, e então os mitos tornam-se castelos no ar, como Mestre Gil no-lo representou magnificamente no azeite entornado da pobre Mofina, do mesmo modo que a glória pode tornar-se retrospetiva e pouco ligada ao desafio exigente e criador de uma sociedade futura melhor. E o certo é que há na sociedade portuguesa o risco de três sombras trágicas: a mediocridade, a periferia e a irrelevância. É que, num mundo global, a defesa de uma identidade não pode perder de horizonte a autonomia de vontade, que também tem a ver com as condições para o agir, bem como com os recursos próprios e a criação a pôr em prática segundo vantagens competitivas.

 

PATRIOTISMO E COSMOPOLITISMO
Eduardo Lourenço fala de um «novo patriotismo» da geração de 1870, que assume uma «cruzada crítica» e um «pessimismo metódico», «cujo objeto não é uma pátria mítica com os seus rituais mais ou menos fúnebres», mas um Portugal Contemporâneo, a que se recusa o estatuto de condenado fatalmente ao atraso – vivendo e alimentando-se o patriotismo «do justo apreço das nossas coisas, do desejo de explorar as nossas possibilidades, comum a todos os homens». E de que estamos hoje a falar, nessa perspetiva aberta? Numa lógica cosmopolita, falamos do projeto europeu, no qual a democracia e a Europa são chaves atuais da afirmação da identidade. Uma União de Estados e Povos livres e soberanos obriga a que, como participantes ativos de um projeto comum, sejamos mais criadores. Do projeto universalista, assumimos desde as nossas origens como Estado antigo, mas não realizámos a nossa personalidade coletiva numa lógica retrospetiva mas numa orientação que hoje designaremos como futurante – fizemo-nos nas provações e dificuldades. A adequação de meios e fins leva-nos a que o sonho e a glória que povoam a nossa imaginação obriguem a uma ponderação mais rigorosa daquilo que temos e do que queremos alcançar, aliando sobriedade e desenvolvimento Quanto a novas formas de cooperação, a globalização, a inserção europeia, a lusofonia, a abertura a novos espaços e iniciativas obrigam-nos à audácia e à inovação. Assim, a aprendizagem torna-se o fator decisivo de desenvolvimento, como saber de experiências feito. O espírito inovador só será cultivado através de uma definição clara de prioridades ligadas à educação, à cultura e à ciência, considerando que a aprendizagem é o elemento crucial para o desenvolvimento moderno – já que o que distingue o desenvolvimento do atraso é a capacidade de aprender mais e melhor – mobilizando os recursos disponíveis a todos os níveis. A defesa nacional obriga, assim, à cooperação diversificada com centros de investigação mundiais de elevada qualidade, no âmbito de redes internacionais reconhecidas e avaliadas – em especial em domínios para os quais haja apetências adequadas. Não basta continuar a falar-se ciclicamente dos oceanos e dos mares – precisamos de atos concretos e de resultados, conseguidos através da modéstia do trabalho e da qualidade, da determinação e da audácia. E o certo é que essa disciplina e essa exigência têm de se manifestar transversalmente nas ciências, nas artes, na criação e na criatividade, no conhecimento e na compreensão.

 

A LÍNGUA PORTUGUESA
E impõe-se afirmar que a língua portuguesa e a cultura obrigam a apostar nas Humanidades como fatores de diálogo com as culturas científicas. O português é a terceira língua europeia mais falada no mundo, mas não é a terceira mais influente. Isso apenas ocorrerá quando houver «join-ventures» inteligentes, designadamente com os países e economias emergentes, envolvendo os centros mais avançados e de investigação de ponta. De facto, a língua, a educação, a cultura, a ciência – e as Humanidades, numa nova atitude de abertura e de profunda renovação, apenas se afirmarão e prestigiarão se se desenvolver uma cooperação efetiva entre diversos centros científicos e académicos, sem nos esquecermos dos nossos clássicos, dos nossos artistas, das nossas instituições… E mais do que discutir quanto vale em termos de Produto Interno Bruto, a língua, basta-nos dizer que é um património imaterial de um valor incalculável, o veículo utilizado em breve por trezentos milhões de pessoas para comunicarem, para se exprimirem e para criarem…

Guilherme d'Oliveira Martins

EDUCAR O ESPÍRITO CRÍTICO

 

Leonel Narváez, padre católico, teólogo e sociólogo, criador da Fundación para la Reconciliación, que tanto tem feito pelo regresso da paz à Colômbia das FARC, veio a Portugal falar de "instaurar no mundo uma justiça reabilitadora" e também disse que "a educação que temos hoje é para competir, para o emprego"... mas... "o que temos de aprender é a conviver"! No seu "The Idea of Justice", Amartya Sen, prémio Nobel de Economia, começa por referir o que Charles Dickens pôs na boca de Pip: "No pequeno mundo em que as crianças têm a sua existência, não há nada que seja tão agudamente percebido e tão agudamente sentido como a injustiça"... E, olhando para o mundo dos adultos, Amartya Sen acrescenta: "O que nos move não é realizarmos que o mundo não chega a ser totalmente justo - o que poucos de nós esperaríamos - mas que, à nossa volta, há injustiças claramente remediáveis, que queremos eliminar". Se reflectirmos um pouco mais extensa e profundamente sobre a "crise" e suas causas, encontraremos entre estas duas frustrações maiores: uma,que se espalha como incêndio, e é eminentemente subjectiva na origem, é o sentimento de injustiça; outra,que é fruto do individualismo a que nos acossou o culto do económico e a cultura do consumismo, é o desfazer dos tecidos do nosso convívio e solidariedade. No "mundo global", o indíviduo vai-se sentindo perdido,ao aperceber-se de que forças maiores e estranhas, fora do seu controle, o frustram dos paraísos consumistas que lhe prometeram. E não reencontra a sua dignidade de pessoa, como quando a sentia na solidariedade das comunidades familiares, locais, empresariais, etc, a que pertencia. Sempre pensei que o homem é, ontologicamente, um ser em relação. Ora, no cerne da "crise", está precisamente a pessoa, enquanto ser em relação. A popularização dos meios de comunicação (tv, redes electrónicas) tem-nos tornado, simultâneamente, comunicáveis e incomunicantes. Somos, muitas vezes, seres emprestados, sem nome nem responsabilidade. O "zapping" televisivo e o "surfing" electrónico são formas de vadiagem anónima. Aplaudimos, por exemplo, as "primaveras árabes" ou os "indignados ibéricos" como movimentos de libertação de ditaduras, sejam elas fundamentalismos político-religiosos ou mercantilo-capitalistas, plutocracias, afinal, sempre disfarçadas por ideologias e promessas de salvação transcendente ou bem-estar acenado, movidas por interesses e grupos que subsistem antes e para além do que, de ângulos de tiro diferentes, e aparentemente opostos, lhes apontamos. Mas sofremos de falta de democracia real: quer pelo lado do falhanço das instituições vigentes, quer pelo seguidismo de ideias e pessoas que não conhecemos."Brincamos" à cabra-cega. É hoje necessário educar o espírito crítico (é grave a iminência da sociedade de robôs de que Bernanos falava) para nos irmos chegando ao entendimento da democracia como "governo pela discussão", ideia que John Stuart Mill adiantou. E Amartya Sen acrescenta: "Mas a democracia deve ser, mais genericamente, encarada como a capacidade de enriquecer compromissos pensados pela insistência na disponibilidade de informação e na possibilidade de empreender discussões interactivas. A democracia não tem de ser julgada pelas instituições que formalmente existem,mas pela extensão na qual vozes diferentes de diversos sectores do povo possam ser realmente ouvidas". Até para entendermos,num mundo agitado pelas propagandas várias dos media, a parábola do bom samaritano: o meu próximo é o Outro.
 
Camilo Martins de Oliveira

Eu, Cáriton de Afrodísias, secretário do retórico Atenágoras, proponho-me narrar um caso de amor que se passou em Siracusa.

 

 

O romance surge tardiamente na literatura grega, num mapa delimitado pelas conquistas de Alexandre e num seio cultural da ampla tradição literária do Próximo Oriente helenizado. Ele ocupa o último lugar na sucessão histórica dos géneros literários na Grécia, se recordarmos o épico, a lírica, o drama, o relato histórico e filosófico, para os que o entenderam como género, e introduziu a narração na primeira pessoa, não desvinculando autor de narrador, criando uma espécie de impersonalidade descritiva.

 

Inicialmente um desinteresse por uma literatura destinada às camadas populares e a sua influência no campo sentimental, ditou-lhe suspeitas de pouca respeitabilidade.

Contudo, nas grandes cidades os homens habituaram-se a viver com gente de outras culturas, e sentiam-se inseguros face a um mundo que se lhes apresentava muito complexo e os tornava individualistas. Assim, o romance também surge a responder a exigências de um público variado, e detinha a finalidade de distrair e emocionar, permitindo à prosa arrogar-se caminhos de modernidade e liberdade face à tradição.

 

Muitos autores foram os que, ao longo dos séculos, assentaram modelo vindo dos romances gregos, recorde-se de Shakespeare a Racine e não se descurando a influência na própria literatura portuguesa.

 

Quéreas e Calírroe de Cáriton, constitui o mais antigo dos romances conservados e por essa razão tido como o primeiro exemplar romanesco da literatura ocidental.

A datação da obra de Cáriton é hoje aceite como tratando-se de um texto do século I d.C. correspondendo a um período chamado de «renascimento grego».

Seguir-se-lhe-ão outros expoentes como As Efesíacas de Xenofonte de Éfeso.

 

De notar que convencionalmente o romance vai centrar-se nas aventuras de um par, dominado pelo amor, atormentado por ameaças de uma viagem, cujo regresso levaria ao reencontro com a felicidade sustida numa resistente fidelidade mútua. A este caso de amor Cáriton atribui, como protagonista, Calírroe a quem Quéreas se dirige dizendo:

 

Esta carta vai banhada de lágrimas e de beijos. Sou Quéreas, o teu Quéreas, aquele que tu, ainda menina, viste no templo de Afrodite e por quem perdeste o sono.

 

A Sorte ditava os desfechos das súplicas e inquiria os destinos das verdades e as condições para ser herói ou heroína. O saber dos instruídos conhecia o quanto o Amor era adepto da mudança, razão pela qual os poetas e os escultores lhe atribuíram o arco e o fogo, armas leves e que não se afeiçoam ao estar paradas.

 

A beleza deveria ser causa de conflitos e paixões em mundos distantes e ardentes. As circunstâncias históricas, o poder e as tensões determinavam reinados e guerras e archeiros de proveniência mobilizadora das façanhas do amante e herói.

E depois tudo eram medos e tudo era a viagem que levava Calírroe até à Síria, mas quando chegou ao rio Eufrates, ponto de partida para o império persa, a saudade, impôs-lhe o grito:

 

«Maldito destino que voltas toda a tua animosidade contra uma só mulher! Levam-me, a mim que sou das ilhas (…) e até do teu túmulo, Quéreas, me arrancam (…) eu que receio voltar a impressionar alguém com a minha beleza».

 

E afinal sempre o herói liquida os concorrentes ao seu amor e à falsidade da sua morte e enfim o caminho de Afrodite antecede o anonimato, que é apanágio dos venturosos, ou não afirmasse sentenciosamente o povo «os felizes não têm história».

Redigiu-se pois o decreto da paz e da cidadania orgulhosamente partilhada. As gentes  reconhecem talentos e atribuem terras de cultivo aos generosos. E resta só uma prece: que nunca mais se separe Quéreas de Calírroe.

 

Devo dizer que acredito na Cultura Clássica e no futuro dos estudos Clássicos em Portugal, e o ressurgir destes estudos terá de ser feito por nós, nas escolas, na rua, em casa, no convívio com os amigos e companheiros, e pelo que deles se relata se possa despir a roupagem mistificadora e assim se saiba situá-los no nosso tempo.

 

Só assim dos mundos distantes se faz o aqui e o agora.

 

 

 

 

Teresa Vieira

LONDON LETTERS

The Magna Carta, 1215

 

 

 

O Dr Johnson define-a no seu Dictionary como "the state of being civilized." A tradição da civilidade tanto formata a public square com o ‘doing the right thing’ dos decisores e o ‘talking and debating proper’ das perspetivas rivais, como denota pessoalíssimas filosofias sobre judgement, conscience ou honour. – A chacun son goût, n’est-ce pas? São tais social markers que hoje permitem juízos diversos quanto o elogio transversal da esquerda à direita ao red historian Eric Hobsbawm (1917-2012), a censura comum a Rt Hon Andrew Mitchell MP pela deselegância de chamar “plebs” a polícias guardando Downing Street ou ainda o espanto generalizado face à patinagem artística de Mr David Cameron quando quizzed em TV talk-show acerca da carta fundacional selada em Runnymede in Surrey pelo Bad King John. – Oops! Assim se delimita aquilo que Dante designa de humana civilitas e que por aqui possui raízes formais na Magna Carta, a qual, em 1215, numa era de ira et malevolentia, naquela ilha do Thames junto ao Windsor Castle, abre alas à livre participação das forças sociais e estabelece o princípio de ninguém, mesmo o monarca, estar acima da lei, enquanto condiciona a tributação fiscal à representação política.

Se o Prime Minister resolve encantadoramente a situação ao agendar extra hours junto com os homeworks dos filhos e o conservative chief whip antes entra em espiral de comentários e desmentidos com o Met Police Service, são atitudes criticamente avaliadas à luz da britânica sensibilidade às manners and linguistic responsabilities das figuras públicas. Também o bad political behaviour e a fome de tributos do King John (c. 1167-1216) encontram limites de poder quer na rebelião dos barões e captura de London, quer nas merry adventures de Robin Hood (Robehods ou Robynhods), para não aprofundar a excomunhão que lhe é desferida pelo Archbishop of Canterbury ou os traços com que William Shakespeare o vilifica para a posteridade.

De recordar, sim, a tutti quanti, é a tese fundamental da Magna Carta: “No free man shall be arrested, or imprisoned, or deprived of his property, or outlawed, or exiled or in any way destroyed, nor shall we go against him or send against him, unless by legal judgement of his peers, or by the law of the land. To no one will we sell, to no one deny or delay right or justice.” Pilar do Westminster Gove, base constitucional dos United States of America e trave-mestra na arquitetura política das modernas democracias liberais, esta é a pedra doutrinal que inspira a longa marcha dos direitos universais e formata as liberdades individuais sob o império da lei. Not by accident, a bandeira cartista é ciclicamente hasteada para recordar o poder dos supostos sem-poder.

O Premier buscava elevar os ratings de popularidade ao apresentar-se no ‘David Letterman Show.’ Obteve um resultado inesperado. A Magna Carta prova também uma influência maior que a intenção original. George Garnett, medievalista na University of Oxford, nota que "[i]t was designed to be a quick fix in an impossible and unprecedented set of circumstances." Ora, as unintended consequences são um adquirido institucional desde o exame tributário do Dr John Locke. Mas hoje, no dia do passamento de a truly great historian, nascido em Alexandria no ano da Revolução Russa e chegado a London aquando da chegada ao poder do Nazismo, talvez identicamente importante seja aqueloutra observação: as consequências têm ideias na génese. – Farewell, Dr Hobsbawn.

St James, 2nd October

Very sincerely yours,

V.

A VIDA DOS LIVROS


de 8 a 14 de Outubro de 2012


«O Segredo de Ouro Preto e Outros Caminhos» (Bertrand, 1954) de Vitorino Nemésio é uma obra apaixonante. Aí se encontra a verdadeira descoberta por Nemésio da força e da importância da cultura brasileira no mundo da língua portuguesa. É um livro indispensável para compreendermos não só o autor, mas também a importância de um diálogo necessário entre os dois lados do Atlântico. Minas Gerais são muito mais do que o coração brasileiro, são a chave para a compreensão da unidade brasileira e das potencialidades presentes e futuras do diálogo luso-brasileiro.


UMA VIAGEM HISTÓRICA
Vitorino Nemésio aqui veio há exatamente sessenta anos (escrevo na antiga Vila Rica, quando a névoa já se desvaneceu) e deixou-nos «O Segredo de Ouro Preto», que trazemos como breviário para esta peregrinação ao Sertão de Minas. É impressionante como sentimos os seus passos em cada página que lemos e em cada viela, beco ou travessa que calcorreamos. O certo é que o professor e o poeta olharam com sentido crítico esse momento de encontro, cientes das resistências e das distâncias naturais que iam sentindo. Ao seu amigo Celso Cunha chama-lhe Nemésio novo «inconfidente», como se o ADN de Tiradentes nele revivesse de modo renovado. E diz, atento aos diálogos que foi entabulando com os estudiosos brasileiros da nova geração: «Graças a uma historiografia brasileira de métodos sociológicos pôde restituir-se à era colonial o estilo civilizador que já implicava a comparticipação do génio brasileiro autóctone no delinear dos caminhos que o Brasil percorreu no sentido de uma consciência diferenciada e peculiar em relação à comunidade histórica connosco». O Brasil de hoje é, de facto, uma síntese complexa (muito mais rica do que possa parecer à primeira vista), mas a personalidade própria do brasileiro envolve aproximações e distâncias e «sempre resíduos de desconfiança, até de ressentimento». E, se Vitorino Nemésio falava de resistências, também dizia que era muito precário o nosso conhecimento da historiografia brasileira - «nunca chegando a focar o processo posterior que, em terra sul-americana, partia de raízes nossas». Já então afirmava por isso que no ensino da nossa língua e literatura «não anda Gregório de Matos; sobre Gonzaga hesita-se; Gonçalves Dias e Castro Alves não contam; Machado de Assis, dos maiores prosadores que ela teve, é um romancista estrangeiro»… O tempo passou, e Nemésio foi, sem dúvida, dos que mais trabalhou para superar o divórcio feito de sentidos contraditórios – ora a saudade, ora a suspeita. Mas fica ainda muito trabalho para fazer – não basta dizer que temos de nos conhecer, urge fazer fluir os diálogos de duplo sentido.


A PRESENÇA DE TOMAZ ANTÓNIO DE GONZAGA

Em Maio de 1952 teve lugar a viagem matricial que agora refizemos com outros caminhos. Sentimos, na Pousada Mondego (depois de uma entrada histórica numa jardineira Mercedes de 1930), com ecos especiais de Coimbra, em cima da casa de Dirceu, a dois paços da Praça Tiradentes e do Museu da Inconfidência, o que o nosso dileto precursor sentiu junto da Casa dos Contos, lá mais abaixo: «Levanto-me às seis, com os galos. Oiço os sinais da terra, que afugentam talvez os urubus. O casario coroado de pombas minuciosas, tem todos os tons da paleta. Uma nuvem de seda coroa o Itacolomi rosado e cínzeo entre lombas. Distingo a Igreja do Carmo no seu maciço de árvores; as janelas respiram em largos panos de muros; há beirais e mansardas toucando os quarteirões, enquanto na manhã de turmalina os fuminhos do café do mata-bicho se vão lentamente desprendendo». E o certo é que o Itacolomi (pedra da criança) está lá no alto mesmo em frente da janela do meu quarto. Não preciso idealiza-la. E a neblina que Carlos Drummond de Andrade um dia disse que o poderia satisfazer à falta de refeição consistente também está diante de mim. É curioso (ou talvez não) que mesmo os nossos companheiros que deixaram Nemésio para ler mais tarde, façam comparações que ele também realiza: «Estou em Minas Gerais e é como se estivesse num Portugal caldeado de vilas do Norte e do Sul. A ponte, à Casa dos Contos, parece estender-se sobre o Tâmega e colocar-nos na vila de Amarante»… Há a «ilusão de um Portugal transplantado» - mas Nemésio procura um segredo em Ouro Preto, porque sente que se trata de uma «cidade íntegra morta», talvez sem os tesouros de arte da antiga Toledo, mas com as características de um «mundo abreviado do barroquismo religioso e minerador luso-brasileiro». Apesar desta dúvida, o certo é que percebemos que o poeta tem a intuição plena que os estudiosos do barroco mineiro irão desenvolver sobre o carater único deste labirinto de tesouros.


O REINO DO BARROCO

Aquela «civilização dividida entre a salvação e a cupidez» que cristalizou no «lapso de pouco mais de um século» é muito mais do que um ápice passageiro. E hoje, conhecida a obra de Germain Bazin e dos seus discípulos, percebemos muito bem que esse «segredo» nada tem a ver com algo de parecido com a tragédia do ouro da colonização espanhola e com o tremendo choque de civilizações da América do oeste. Aqui não há uma «civilização magnificente e vencida», mas sim um território imenso que começa a construir uma civilização nova, que chega aos nossos dias. E é curioso que o Governador de Minas Gerais de há sessenta anos, Juscelino Kubitschek, criador do que viria a ser a cidade do novo tempo – Brasília – e homem de sonhos rasgados, tenha apoiado esta peregrinação de Vitorino Nemésio por terras mineiras, interrogando-se este sobre um lugar onde há a conquista de um sertão inóspito, em diálogo intenso (inexcedivelmente descrito por João Guimarães Rosa) entre a surpresa e o sonho, a criação e o mito. «O gentil e dinâmico Governador de Minas, generosamente pôs à nossa disposição… um carro» - diz Nemésio. E o chofer avisa o escritor, à saída de Belo Horizonte: - «A estradinha lá é muito vagabunda». E, falando das audácias de J.K., na Pampulha, o escritor hesita na apreciação da nova igreja, perante o modernismo de Óscar Niemeyer: procurando compreender o «franciscanismo violento, um pouco precoce, ou então serôdio de mais. Cristianismo de amanhã se tornar a haver catacumbas».

 

A MAGIA DE MINAS GERAIS
Voltando ao segredo de Minas, a síntese está bem delineada, a propósito do controverso Manuel Borba Gato, bandeirante de vida acidentada e temerária: «A verdade é que os bandeirantes de Piratininga, embora brasileiros extremes, já tinham o seu casticismo entrosado de fontes lusas. Dia virá em que o historiador de cá e de lá não tenha de fazer intervir nos seus critérios a brasa puxada à sardinha… O Brasil é obra indistinta de Portugal e dele mesmo. O português cá chegado é logo brasileiro: o mineiro mais nativo é um português do poente americano». O caderno de Vitorino reunia garatujas que seguem escrupulosamente no seu texto memorável. No nosso caso, trouxemos o Nuno Saraiva, cartunista bem conhecido, que encheu cadernos de mil apontamentos, para além das muitas fotografias. Ao termos as palavras de Nemésio, no sobe e desce das vielas, no olhar surpreendido do lajedo e das varandas, das janelas de guilhotina e das treliças, no bisbilhotar das quitandas, dos botecos e dos muxarabiés, entendemos que, sessenta anos depois de o poeta aqui ter estado, Belo Horizonte, Sabará, Itabira, Diamantina, Ouro Preto, Mariana, Congonhas, Tiradentes ou S. João del-Rei retiveram o caráter antigo, a personalidade persistente, mas ganharam um sentido novo de lembrança histórica, que deixou de ser mera recordação de ontem, para passar a ser a base de um futuro que liga as raízes e as asas do sonho.


Guilherme d’Oliveira Martins

REGRAS TÉCNICAS. E AS PESSOAS?

Do que aqui se tem dito, facilmente se poderá entender que a perplexidade de quem pretende encarar e ajudar a resolver a "crise" decorre, por um lado, da crescente verificação de que as receitas "técnicas" que, aparentemente, poderiam trazer uma saída viável não se coadunam, nem com a capacidade das populações para aceitarem os remédios propostos, nem com a apregoada austeridade necessária: é como estar preso por ter cão e preso por não ter. Ou seja: vivemos numa cultura que refere a vida das pessoas ao desempenho do "homo economicus": todos acreditaram em que o crescimento do PIB era desenvolvimento social e humano, discordando uns dos outros apenas quanto ao modo de divisão do bolo. A planificação de uma economia centralizada deu os resultados que todos sabemos; a regulação entregue ao mercado vai-nos conduzindo ao impasse que antevemos. Promoveu-se o consumo, o crédito ao dito e o apagão de outros critérios de comportamento, na crença de que se induziria uma interminável espiral de produção e rendimento, que o bondoso e atento mercado naturalmente regularia. Hoje, destruídas as ilusões fáceis, opomos em discussão outras ilusões. Mas a evidência é que, no quadro do aberrante sistema que criámos, ou não se consome como nos ensinaram, ou não se pagam as dívidas como se pretende. Inverteu-se a espiral. Por outro lado, a perplexidade decorre da nossa incapacidade para mudar de cultura. Ficamos agarrados ao materialismo serôdio das opções de vida que nos propuseram e abraçámos e às respectivas regras de "sucesso": o trabalhador por conta de outrem só se interroga sobre se estará a alimentar o infame capitalismo quando o seu salário não é aumentado, mas não quando foi consumindo coisas várias, sobre as quais nunca se perguntou se seriam supérfluas, ou mesmo nocivas e deseconómicas; o gestor financeiro reclama ao povo consumidor que pague as dívidas que ele incitou, sem jamais se inquietar com o valor humano do que propunha, quando apenas pensava no "valor" acrescentado para os accionistas. Até no ensino, que deveria ser educação, nos esquecemos da formação do espírito crítico, da consideração do outro, da solidariedade, da procura compreensiva das nossas raizes, do gosto do belo, do lúdico até, pela música e pelas artes e a literatura. Hoje, muito daquilo a que chamamos cultura é também objecto de consumo, e disso tudo se fala numa perspectiva economicista: discutem-se, de uma e de outra banda, subsídios e preços, já não se fala em valores. Vem a talho de foice citar a filósofa americana Martha Nussbaum, no seu "Not for Profit  --  why democracy needs the humanities": "No que todavia insisto (...) é nas faculdades de pensamento e imaginação que nos tornam humanos e fazem, das nossas relações, relações humanamente ricas, não meras relações de utilização e manipulação. Quando nos encontramos em sociedade, se não tivermos aprendido a olhar para nós e para os outros dessa maneira, imaginando uns nos outros faculdade íntimas de pensamento e emoção, a democracia está condenada a falhar, porque a democracia se constrói sobre o respeito e o cuidado do outro, e estes por sua vez se constroem sobre a capacidade de ver as outras pessoas como seres humanos, e não simplesmente como objectos". Daí concluir a necessidade imperiosa de dar um lugar largo - como ainda hoje é , aliás, facultado no ensino norte-americano - às humanidades nos curricula escolares tão programados para efeitos de produzir agentes do crescimento do PIB... Creio que a "crise", portuguesa ou outra, não se resolve com receitas financeiras nacionalmente aplicadas, mas apenas num quadro europeu, que deve ser um projecto novamente inspirado. A Europa terá de ir buscar às suas raizes humanísticas a inspiração necessária a uma nova democracia. Terá de se reaprender com a sua história. A limitação dos objectivos da construção europeia à gestão do crescimento económico só nos trará frustrações, quer para as aspirações dos que pensaram aceder ao eldorado, quer  - como já começamos a verificar - para os que pensavam que o seu próprio "sucesso" económico lhes garantiria o privilégio de exigir dos outros o cumprimento de deveres de subalternidade. O que é assim  verdade para os estados e nações, deverá também ser entendido pelos agentes económicos enquanto classes sociais. Com a exposição crescente, até ao pormenor, da vida e da riqueza privadas - ainda por cima designadas pela publicidade, que faz "funcionar" o sistema, como "ideais" de vida para todos - o mercado das ilusões vai-se fechando em ghettos e ressentimentos. Não deixa,aliás,de ser curioso ver como o fim do colectivismo soviético é a plutocracia russa. E será talvez assustador demorarmo-nos na consideração dessa bomba de rebentamento universal que poderá ser o "capitalismo de Estado" (?) chinês. Talvez valesse a pena voltarmos ao princípio de todos os valores: a pessoa humana como medida de todas as coisas.
 
Camilo Martins de Oliveira

Charles Baudelaire:

un rôle nouveau d’intermédiaire entre la Nature et l’homme.
E
t l’on peut pour cela te comparer au vin.

 

 

Também se cresce ligado aos poetas franceses como Charles Baudelaire, e levamo-lo depois até aos poetas espanhóis, ingleses e brasileiros, e a todos quantos afinal conquistariam a admiração de Victor Hugo e Flaubert que, por sentirem a obra de Baudelaire única até no seu lirismo indomável, contribuíram para que este poeta marcasse de jeito indelével a intectualidade francesa do séc. XIX.

Baudelaire dedicou a sua vida a uma boémia embriagante, e embriagando o poema, expondo a força da emoção extrema a que se entregava sem cautelas, Baudelaire foi igualmente um cáustico na sua visão da realidade, num sentir de homem de sentires extremos.



Deste seu livro aqui recordamos:


AU LECTEUR


(…)


Si le viol, le poison, le poignard, l'incendie,
N'ont pas encor brondé de leurs plaisants dessins
Le canevas banal de nos piteux destins,
C'est que notre âme, hélas! n'est pas assez hardie.


(…) tu le connais, lecteur, ce monstre


délicat,


-Hipocrite lecteur, - mon


Semblable, -mon frère !

 

«Neste livro atroz, pus todo o meu pensamento, todo o meu coração, toda a minha religião, todo o meu ódio.», escreveu Baudelaire.

“Les Fleurs du mal” constituiu em 1857 uma obra provocante e dotada de um novo intermediário que não é mais do que o poeta, ele mesmo, por entre a Natureza e o Homem expondo a situação difícil do artista, num mundo burguês que transpirava positivismo,

Os cafés parisienses também ainda hoje se recordam de um lirismo agudo e imposto a todos quantos dele nada receassem. Talvez por isso, talvez por esse forte desafio, foi reconhecido internacionalmente Baudelaire como um dos fundadores da poesia moderna. Em rigor, através de uma percepção clara do real se dava o passo que definia o sentimento que se desejava expressar e objectivar, nesta fonte nascida e chamada poesia moderna.

 

Baudelaire está absolutamente convencido que só o poeta tem capacidade de entender intimamente o mundo sensível, o mundo dos mistérios espirituais e sensoriais, e, para sempre, fica grato por ter encontrado na Bélgica Félicien Rops, que ilustrou o seu livro “As flores do mal” inovando o próprio lápis ao casá-lo com a nova experiência.

 

Trabalha Charles Baudelaire o soneto com grande mestria – registe-se - e torna-o em poemas didácticos e de acordo com uma progressão lógica do raciocínio.


Enfim, a prova de que existe um perfume, também na técnica, que apenas o poeta sabe desvendar o significado.


Recordemos:


Correspondances


La Nature est un temple où de vivants piliers
Laissent parfois sortir de confuses paroles;
L'homme y passe à travers des forêts de symboles
Qui l'observent avec des regards familiers.

Comme de longs échos qui de loin se confondent
Dans une ténébreuse et profonde unité,
Vaste comme la nuit et comme la clarté,
Les parfums, les couleurs et les sons se répondent.

II est des parfums frais comme des chairs d'enfants,
Doux comme les hautbois, verts comme les prairies,
— Et d'autres, corrompus, riches et triomphants,

 

Ayant l'expansion des choses infinies,
Comme l'ambre, le musc, le benjoin et l'encens,
Qui chantent les transports de l'esprit et des sens.

 

E pelas palavras de Valéry : «As Flores do Mal não contêm poemas nem lendas (…). Não há nelas nenhum discurso filosófico. A política está ausente por completo. As descrições, escassas, são sempre densas de significado. Mas no livro tudo é fascinação, música, sensualidade abstracta e poderosa.»

E como vemos o ser, como existe fora de nós, e experimentamos a fantasia desaparecida, conhecendo as ilusões e o seu papel na nossa vida, apelo também aos teus “Pequenos poemas em prosa”.

Et l’on peut pour cela te comparer au vin : dans la nature elle-même.  E assim te proponho de onde partiste.

 


Teresa Vieira

LONDON LETTERS

The Appeasement, 1938

 

 

 

Um ano dura a peace with honour acordada por Mr Neville Chamberlain e Monsieur Édouard Daladier com Herr Adolph Hitler, sob a égide do Signor Benito Mussolini. The Munich Agreement é assinado em 1938, a 30 de Setembro, durante uma 4-Power Conference coreografada ao detalhe pelos nazis. – J’en ai vu bien d’autres! Não ficando no Reich a celebrar o München Pusch ou a Oktoberfest que une a cerveja bávara a frango grelhado, mas ainda pleno de entusiasmo, o Premier regressa a London a esgrimir o documento contendo as assinaturas com as quais afastaria as nuvens de guerra que se adensam sobre o continente. Do Heston Aerodrome ao 10 Downing Street, desdobra-se em declarações públicas. – Hmm... O Führer cedo desrespeita o tratado. A invasão de Prague ocorre na Primavera de 1939 e a WWII deflagra no Outono, causando a morte de quase 70 milhões de pessoas à volta do mundo.

 

Erro político do Chamberlain Cabinet? A consequência de valor da Appeseament policy é sabida, com a polémica a saltar dos green benches para as academic lines de revisionistas e contra revisionistas. Muitos, aliás, cuidam mais da reputação e menos do the heart of the matter. Afora a tese do Cato’s guilty men, quais as evidências? A Rugby School mind embalada pela farsa hitleriana e pela íntima convicção de persuadir déspotas to play the diplomatic game!? À época, o fruto de Munich contenta tanto as ruas, como os Press barons e as Houses of Parliament. Os pares aplaudem. − Well, not everyone. “Stand up, you brute!,” grita um MP ao atónito Harold Nicolson.

 

 

Após o Anschluss e em vésperas da Kristallnacht, sobreviera a traição à Czechoslovakia perpetrada pelos appeasers em nome da “peace for our time.” Mr Winston Churchill verbera o líder conservador em carta privada: “We are in the presence of a disaster of the first magnitude... we have sustained a defeat without a war, the consequences of which will travel far with us along our road... we have passed an awful milestone in our history, when the whole equilibrium of Europe has been deranged […].” Mais nota: “And do not suppose that this is the end […].” Mr Clem Attlee concluirá na House of Commons sobre a chamberlainite: “The fact is that our [Labour] party… won’t have you and I think I am right in saying the country won’t have you either.”

 

A par da morte do dinheiro nos mercados e das forças subtis que nos 30’s se movem at the nexus of power and knowledge, a política é melhor compreendida pesando também a dimensão humana. Se, consoante o protagonista, um papel rubricado ou uma declaração oral são meras palavras ou significam algo de válido, já um admirador de Mr Benjamin Disraeli presente em Westminster desde 1918 é diverso de a political naive. Escreve Herman Hesse em Magister Ludi (1943): “Studying history, my friend, is no joke and no irresponsible game.” – O mesmo, naturally, quanto à smoke-filled ambience of state affairs!

 

St James, 25th September

 

Yours very sincerely,

 

V.

 


- PS: Nick Clegg emaila-me sobre “fairer taxes”. Explica-se: “It means cutting the tax bill of average workers. It means making the very rich pay their fair share. I want the super-rich to pay their fair share, through policies.” Faz sentido, não? The fairness. Mas na conferência partidária, reunida em Brighton, Rt Hon Vince Cable MP adverte que falar de social classes é danoso para a saúde da Gove coalition com os conservadores.